Filosofia

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quarta-feira, 23 de setembro de 2009

CULTURA E IDEOLOGIA

Os estudos de Sociologia devem incentivar a reflexão sobre os conceitos de
cultura, sistemas simbólicos e diversidades culturais, integrados aos conceitos
de ideologia, de indústria cultural e de meios de comunicação de massa,
com a finalidade de promover a construção e consolidação da cidadania
plena (garantindo as diversidades étnicas e estéticas e realizando a crítica do
consumismo).
Tempo previsto: 16 horas

Conceitos
Ideologia.
Cultura.
Cultura popular.
Cultura erudita.
Indústria cultural (cultura de massa).
Meios de comunicação de massa.
Consumismo.
Diversidade cultural.
Cotidiano.

ANEXO – 1

Após analisar as definições de ideologia e de cultura, vamos iniciar um novo
plano de reflexão, em que entram direta ou indiretamente em debate tanto o
conceito de cultura como o de ideologia. Estudaremos, agora, uma questão que
continua em discussão nas ciências sociais, que é a existência de duas formas
específicas de cultura em nossa sociedade: a cultura popular e a cultura erudita.
O que seria erudito? O que seria popular? O que distinguiria o popular do
erudito? A que grupo ou classe social poderíamos associar cada um desses
conceitos? Haveria algum critério de valor a separar esses conceitos, isto é,
seria possível ou correto compará-los e julgá-los?
O “popular” relaciona-se ao povo; o “erudito”, à elite (ou classe dominante,
se preferirmos). Essa seria, sem dúvida, a associação mais imediata a
ser feita com esses conceitos. Mas para fazer ou não essa associação é preciso
analisar os porquês daquela oposição inicial. Por que distinguir dois tipos de
cultura e dar a eles valores diferenciados?
A questão da existência de uma cultura popular versus uma cultura erudita
implica modos diferenciados de ser, pensar e agir, associados aos detentores de
uma ou de outra cultura. Falar em cultura popular significa falar, simultaneamente,
em religião, em arte, em ciência populares – sempre em oposição a um similar
erudito, que pode ser traduzido em dominante, dada a dimensão dicotômica
(dominante versus dominado) que caracteriza a sociedade capitalista.
Mas como defini-las e distingui-las? A pergunta permanece. Há autores,
como veremos adiante, que dizem já não ser possível pensar em cultura puramente
popular ou puramente erudita numa sociedade como a nossa, integrada
e padronizada pela cultura de massa, ou indústria cultural. Outros autores
discordam dessa postura, diferenciando não duas, mas três culturas, em constante
inter-relação: a cultura popular, a cultura erudita e a indústria cultural,
esta última muitas vezes atuando como uma espécie de ponte entre as duas
primeiras. Mas, por enquanto, tentemos nos fixar especificamente na discussão
ainda não resolvida, como já foi dito, referente à compreensão do erudito
e do popular na contraditória sociedade capitalista que vivemos.
Cultura erudita e cultura popular: o que são e quem as produz?
Definir cultura erudita aparentemente não ocasiona grandes problemas.
Ao pensarmos em cultura erudita, quase automaticamente a associamos ao plano
da escrita e da leitura, do saber universitário, dos debates, da teoria e do
pensamento científico. Já definir cultura popular não é assim tão simples. Na
verdade, definir cultura popular representa uma polêmica que cientistas sociais,
historiadores e pensadores da cultura em geral mantêm até hoje. E, se essa
polêmica ainda existe, é possível concluir que há várias definições de “popular”.
Ao pensarmos em cultura erudita, imediatamente concluímos que seus
produtores fazem parte de uma elite política, econômica e cultural que pode
ter acesso ao saber associado à escrita, aos livros, ao estudo. A resposta já não
é tão imediata quando perguntamos quem são os produtores da cultura popular. Mas afirmar que os produtores da cultura erudita fazem parte de uma elite
não significa dizer que essa cultura seja homogênea. Para os antropólogos
Gilberto Velho e Eduardo Viveiros de Castro, é impossível definir cultura erudita,
porque não podem ser homogeneizados os elementos culturais produzidos
por intelectuais, fazendeiros, empresários, burocratas, etc. Porém, é igualmente
impossível definir cultura popular, dadas as produções culturais diferenciadas
de camponeses, operários, classes médias baixas, etc.
De qualquer forma, não podemos perder de vista que o espaço reservado
na sociedade para cada uma das duas culturas é bastante diferenciado.
Enquanto a cultura erudita é transmitida pela escola e confirmada pelas instituições
(governo, religião, economia), existe uma outra cultura que não se encontra
nos esquemas oficiais. Mas onde está essa cultura? Para descobrir o
seu lugar, pensemos nas definições que os estudiosos têm dado ao conceito de
cultura popular. O historiador inglês Peter Burke define a cultura popular como
uma cultura não oficial, do povo comum. Nesse sentido, o autor segue o pensamento
de Antonio Gramsci, para quem a cultura popular é a cultura do povo,
e os seus produtores são as classes subalternas. Para Gramsci, a cultura popular,
por ser ligada à tradição, é conservadora. No entanto, por ser capaz de
incorporar e reconstruir novos elementos culturais, é também inovadora.
Segundo o antropólogo brasileiro Carlos Brandão, quem faz cultura popular
ou folclore (voltaremos mais tarde a esse conceito) nem sequer imagina
que o que faz tem um outro nome, tem uma ou outra definição, causa ou não
causa polêmicas entre intelectuais. As populações que os estudiosos aproximariam
do conceito e da prática da cultura popular (ou do folclore) vivem, têm
suas atividades cotidianas, divertem-se, têm suas maneiras de ver o mundo e
entender a vida, cantam, dançam, sentem e trabalham. Essas coisas seriam
cultura popular? Essas coisas seriam folclore, ou, como Brandão ouviu em suas
andanças pelo interior do Brasil, “focrore”?
Além disso, talvez seja importante refletir sobre mais uma última questão:
que pessoas se interessam por essas definições? E aqui a resposta é rápida: mais
do que aos próprios produtores da chamada cultura popular, essas questões interessam
aos estudiosos, que, por sinal, numa associação mais imediata, seriam associados
à elite e à esfera da cultura erudita, já que lêem, escrevem e debatem.
Cultura popular e cultura erudita: conflito e incorporação
A questão presente em todos esses movimentos culturais, dos mais antigos
aos mais recentes, refere-se à real definição do popular e do erudito. Se o
popular fosse considerado exclusivamente como tradição e, portanto, como
algo a ser conservado e protegido, introduzir guitarras elétricas no que se
convencionou chamar de “música popular brasileira” seria inaceitável (e, de
fato, isso causou escândalo na década de 60, quando o Tropicalismo e mesmo
a Jovem Guarda de Roberto Carlos surgiram – e com eles, as guitarras, os
cabelos compridos, as calças apertadas).
Se, por outro lado, o erudito significasse somente aquilo a que se
convencionou chamar de “belas-artes”, música e teatro clássicos, não se poderia
pensar na transcrição para a linguagem plástica, escrita e musical de
imagens, poemas e canções do folclore (e estes, por sua vez, só seriam folclore,
ou cultura popular, se fossem passados oralmente, de pai para filho, sem
alterações, ao longo dos séculos).
Como sabemos, nada disso acontece. Numa sociedade complexa como
esta em que vivemos, não é possível ignorar as inter-relações estabelecidas
entre a cultura erudita e a cultura popular e sua importância no próprio estabelecimento
e manutenção da sociedade. A cultura erudita procura compreender
e incorporar elementos da cultura popular (segundo muitos autores até
para melhor dominá-la). Isso não significa, porém, que a cultura popular não
resista a essa incorporação e não incorpore e reelabore, ela mesma, elementos
tradicionalmente associados à cultura erudita.
Para compreender todas essas inter-relações é preciso pensar que todos os
elementos enumerados no início do item “Cultura popular e cultura erudita no
Brasil” – festas, literatura, culinária, religião, etc. – trazem em si a organização
político-econômico-cultural do país, suas regras, suas contradições. Apesar de
estarem associados imediatamente a uma certa visão do povo e da cultura
popular brasileira, da elite e da cultura erudita, esses elementos não são necessariamente
harmoniosos nem estão parados no tempo. Ao contrário, vão se
transformando, ao longo da história e das relações sociais, num movimento dinâmico
e incessante que é o que caracteriza o ser humano e a vida em sociedade.
Para ilustrar, poderíamos utilizar o exemplo da feijoada. Com o passar do
tempo, ela deixou de ser comida de escravos e passou a ser um símbolo de
nacionalidade, sendo servida não só nos restaurantes simples como nos requintados.
Para compreender a cultura e seus significados, é necessário acompanhar
as etapas de transformação de seus elementos, como no exemplo da
feijoada, e tentar descobrir as suas causas.
Existe uma tendência a se considerar tudo aquilo que se relaciona com a
cultura popular como algo antigo, ultrapassado, que precisa acabar e dar lugar
ao novo, ao moderno (em geral associado ao erudito). Curiosamente, muito do
que se convencionou chamar de velho e ultrapassado é associado também à
identidade nacional, isto é, àqueles elementos que fazem com que uma determinada
população se identifique como um grupo de pessoas possuidor dos
mesmos interesses, objetivos e visão de mundo; em resumo, que se identifique
como nação. Esses elementos, se por um lado reforçam a identidade, por outro
acabam estimulando a padronização de gostos, interesses e necessidades,
fazendo com que as pessoas se esqueçam de que vivem em uma sociedade
por definição contraditória, já que dividida em classes.
A indústria cultural vai ser um elemento-chave para pensarmos nessas questões.
Nelson Dácio Tomazi, Iniciação à Sociologia, São Paulo, Atual, 1993, p. 179-182, 190-191.

Anexo - 2

Cultura de massa ou indústria cultural
Entre os autores preocupados em definir a indústria cultural ou cultura de
massa e compreender o seu papel na sociedade atual, existem posições diferentes
e até opostas. De maneira breve, examinemos algumas visões sobre a questão.
O termo indústria cultural foi criado por Theodor Adorno (1903-1969) e
Max Horkheimer (1895-1973), membros de um grupo de filósofos conhecido
como Escola de Frankfurt. Ao fazerem a análise da atuação dos meios de
comunicação de massa (que a partir de agora serão chamados pela sigla mdcm),
esses autores concluíram que eles funcionavam como uma verdadeira indústria
de produtos culturais, visando exclusivamente ao consumo. Conforme Adorno,
a indústria cultural vende mercadorias, mas, mais do que isso, vende imagens
do mundo e faz propaganda deste mundo tal qual ele é e para que ele
assim permaneça.
Segundo os dois autores, a indústria cultural pretenderia integrar os consumidores
das mercadorias culturais, agindo como uma ponte nociva entre a
cultura erudita e a popular. Nociva porque retiraria a seriedade da primeira e a
autenticidade da segunda. Adorno e Horkheimer vêem a indústria cultural como
qualquer indústria, organizada em função de um público-massa (abstrato e
homogeneizado) e baseada nos princípios da lucratividade.
Poderíamos pensar, a partir do que os autores indicam, que a indústria
cultural venderia mercadorias culturais como pasta de dentes ou automóveis,
e o público receberia esses “produtos” sem saber diferenciá-los ou sem questionar
seu conteúdo. Assim, após uma sinfonia de Beethoven, uma estação de
rádio poderia veicular o anúncio de um restaurante e, depois dele, noticiar um
golpe de Estado ou terremoto, sem nenhuma profundidade, sem nenhuma
discussão. Nesse sentido, é preciso observar como essa sucessão de música,
propaganda e notícia ilustra o caráter fragmentário dos mdcm, principalmente
o rádio e a televisão (esta, por sinal, profundamente criticada por Adorno).
Os meios tecnológicos tornaram possível reproduzir obras de arte em escala
industrial. Para os autores, essa produção em série (por exemplo, os discos
de música clássica, as reproduções de pinturas, a música erudita como pano
de fundo de filmes de cinema) não democratizou a arte. Simplesmente, banalizou-
a, descaracterizou-a, fazendo com que o público perdesse o senso crítico
e se tornasse um consumidor passivo de todas as mercadorias anunciadas pelos
mdcm. Nesse caso, o fato de um operário assobiar, durante o seu trabalho,
um trecho da ópera que ouviu no rádio não significaria que ele estaria compreendendo
a profundidade daquela obra de arte, mas apenas que ele a memorizou,
como faria com qualquer canção sertaneja, romântica, ou mesmo um
jingle que ouvisse no mesmo rádio.
Para Adorno, a indústria cultural tem como único objetivo a dependência
e a alienação dos homens. Ao maquiar o mundo nos anúncios que veicula, ela
acaba seduzindo as massas para o consumo das mercadorias culturais, a fim de que elas se esqueçam da exploração que sofrem nas relações de produção.
A indústria cultural estimularia, portanto, o imobilismo.
Ao contrário de Adorno e Horkheimer, Marshall McLuhan (1911-1980)
via a atuação dos mdcm de maneira otimista. Estudando principalmente a televisão,
o autor acreditava que ela poderia aproximar os homens, diminuindo
as distâncias não apenas territoriais como sociais entre eles. O mundo iria transformar-
se, então, numa espécie de “aldeia global”, expressão que acabou ficando
clássica entre os teóricos da comunicação.
O crítico Umberto Eco, por sua vez, faz uma distinção polêmica entre os
autores dedicados ao estudo da indústria cultural. Segundo ele, esses autores
dividem-se entre “apocalípticos” (aqueles que criticam os meios de comunicação
de massa) e “integrados” (aqueles que os elogiam). Entre os motivos para
criticar os mdcm, segundo os “apocalípticos”, estariam:
•a veiculação que eles realizam de uma cultura homogênea (que
desconsidera diferenças culturais e padroniza o público);
•o seu desestímulo à sensibilidade;
•o estímulo publicitário (criando, junto ao público, novas necessidades de
consumo);
•a sua definição como simples lazer e entretenimento, desestimulando o
público a pensar, tornando-o passivo e conformista.
Nesse sentido, os mdcm seriam usados para fins de controle e manutenção
da sociedade capitalista.
Entre os motivos para elogiar os mdcm, apontados pelos “integrados”,
estariam:
•serem os mdcm a única fonte de informação possível a uma parcela da
população que sempre esteve distante das informações;
•as informações veiculadas por eles poderem contribuir para a própria
formação intelectual do público;
•a padronização de gosto gerada por eles funcionar como um elemento
unificador das sensibilidades dos diferentes grupos.
Nesse sentido, os mdcm não seriam característicos apenas da sociedade
capitalista, mas de toda sociedade democrática.
Eco irá criticar as duas concepções. Os “apocalípticos” estariam equivocados
por considerarem a cultura de massa ruim simplesmente por seu caráter
industrial. Para Eco, não se pode ignorar que a sociedade atual é industrial e
que as questões culturais têm que ser pensadas a partir dessa constatação. Os
“integrados”, por sua vez, estariam errados por esquecerem que normalmente
a cultura de massa é produzida por grupos de poder econômico com fins
lucrativos, o que significa a tentativa de manutenção dos interesses desses
grupos através dos próprios mdcm. Além disso, não é pelo fato de veicular
produtos culturais que a cultura de massa deva ser considerada naturalmente
boa, como querem os “integrados”.
Eco acredita que não se pode pensar a sociedade moderna sem os mdcm.
Nesse sentido, sua preocupação é descobrir que tipo de ação cultural deve ser
estimulado para que os mdcm realmente veiculem valores culturais.
Nesse sentido, o papel dos intelectuais será fundamental, pois eles é que
irão fiscalizar e exigir que isso aconteça.
Outro autor também ligado à Escola de Frankfurt, mas com uma concepção
diferente do papel da indústria cultural, é Walter Benjamin (1886-1940).
Para ele, a revolução tecnológica do final do século XIX e início do século XX
não acabou com a cultura erudita, como pensavam Adorno e Horkheimer, mas
alterou o papel da arte e da cultura. Os mdcm e suas novas formas de produção
cultural propiciaram mudanças na percepção e na assimilação do público
consumidor, podendo, inclusive, gerar novas formas de mobilização e contestação
por parte desse público.
Para Benjamin, a possibilidade de reprodução técnica das obras de arte
retirou delas o seu caráter único e mágico (o que ele chama de sua “aura”).
Em compensação, possibilitou que elas saíssem dos palácios e museus e fossem
conhecidas por um número infinito de pessoas. Por exemplo, a reprodução
fotográfica permitiu que qualquer pessoa pudesse ter em sua sala as clássicas
Monalisa e Santa ceia, de Leonardo da Vinci; a reprodução fonográfica
fez com que muito mais pessoas pudessem escutar (e quantas vezes quisessem)
uma sinfonia de Mozart.
O impacto que a indústria cultural moderna pode provocar no público
consumidor não seria, portanto, necessariamente negativo, podendo, ao contrário,
contribuir para a emancipação desse público e para a melhoria da sociedade,
uma vez que ampliaria o seu horizonte de conhecimento.
Muitos críticos consideram a visão de Adorno e Horkheimer sobre a indústria
cultural conservadora. Segundo eles, a posição desses autores, ao dizerem
que a indústria cultural banalizaria a cultura erudita (que eles denominavam
“alta cultura”), seria de valorizar a cultura burguesa. E não apenas isso,
seria também de depreciar a cultura popular, que, segundo eles, ficaria ainda
mais simplificada no âmbito da indústria cultural, e a própria capacidade crítica
do público, considerado mero consumidor de mercadorias culturais, produzidas
industrialmente.
Essas diferentes visões sobre a indústria cultural, expostas de maneira
simplificada, poderão servir como elementos para refletirmos sobre a questão
da indústria cultural no Brasil.
Nelson Dácio Tomazi, Iniciação à Sociologia, São Paulo, Atual, 1993.

ANEXO - 3

3 QUESTÕES SOBRE CONSUMISMO
1. Como definir o comportamento consumista?
2. Quais são suas causas?
3. O consumismo pode ser terapêutico?
Ana Verônica Mautner responde
1. Comportamento consumista está associado, em primeiro lugar, à idéia
de exagero e também à condição de insaciabilidade. O sujeito quer mais, sempre
mais. Nessa etapa do processo ocorre uma mudança qualitativa. Ele deixa de
apenas querer para querer exibir. Não se trata de exibir o que comprou. A exibição
está no ato da troca, que culmina na aquisição. É no ato de conseguir a
posse do bem, ou coisa, que encontramos a gratificação máxima do consumista.
A questão, pois, reside no tema do poder. Eu quero (peço, encomendo, tomo).
Pago e depois levo. Resumindo, diria que o comportamento consumista se caracteriza
por uma insaciável necessidade de exibir poder. Às vezes o que se
adquire é colecionado ou consumido ou distribuído ou simplesmente guardado.
De qualquer forma, a negociação, a troca, contém o “gozo” que mantém o
comportamento que psicólogos enquadram na categoria de compulsivo: o prazer
no ato da compra é a gratificação que mantém o comportamento consumista.
2. A mobilidade social, característica essencial do mundo moderno, exige
dos membros da sociedade uma flexibilidade que nem sempre conseguimos.
Nessa questão, crises egóicas de poder fluem para o consumo. Daí até que o
ato de comprar sobrepuje a necessidade de ter é menos do que um passo. “O
que” e “como” consumimos tornam-se nosso cartão de visita. O ato de comprar
é, nesse contexto, elemento volátil na formação da identidade.
3. O comportamento consumista enquanto fator de formação de identidade
exerce o mesmo tipo de terapia que os remédios anestésicos: dá um descanso
ao sofredor. Diminui a dor psíquica que sentimos quando elementos identificatórios
não estão definidos. Quando a intolerância à dor atinge formas patológicas, seu
uso deixa de ser terapêutico para tornar-se o causador de outras dores. É como a
aspirina, que, tomada em excesso, dá azia. Comportamento consumista cria conflitos
no lar, gera dívidas, juros e outros tantos inconvenientes. O comportamento
consumista pode ser visto, pois, como uma das tentativas de que dispomos para
driblar a sensação de impotência que a forma de organização da sociedade moderna
(massa de indivíduos à procura de individuação) gera em seus membros.
Everardo Rocha responde
1. O consumo, na sociedade moderna, se liberta dos limites da tradição
para se tornar um princípio fundamental, isto é, um sistema que, para
além de saciar “necessidades” biológicas ou econômicas, serve a que os indivíduos estabeleçam semelhanças e diferenças entre si. A chamada “sociedade
de consumo” nasce de um longo processo histórico, que envolve
marcos como a corte elisabetana (século 16), o romantismo (século 18 e
início do 19) e os meios de comunicação de massa (séculos 19 e 20); em si
mesmo, tal modelo não é um mal, e sim uma “linguagem”, que visa a singularizar
“indivíduos” em princípio igualados (pela democracia e o mercado).
O mal está na apropriação indébita dessa linguagem – que podemos
chamar de “consumismo”.
2. Nesse caso, o “consumo, logo comunico” dá lugar ao “consumo,
logo existo”, e a pessoa vê a si própria e todos os valores reduzidos à
compulsão e ao sofrimento de “possuir” sempre mais. Esquecemos, assim
– vide nossos festejos de Natal –, o que as festas primitivas (“kula”) tinham
como postulado básico: o ato de trocar, a “relação”, vale mais que as coisas
dadas ou recebidas.
Como sugeri na resposta anterior, a atitude consumista é uma
distorção, uma apropriação perversa das modernas regras de sociabilidade.
Não vejo, por exemplo, na mídia o poder de manipulação suficiente
para que fosse julgada “a responsável” por esse comportamento. Creio,
antes, que o consumismo é uma variante exacerbada da sociedade de
consumo, que se pode identificar em personagens como a protagonista
de “Madame Bovary” (1857), de Gustave Flaubert, ou James Bond, cujas
roupas, bebidas, mulheres, cigarros transmitiam o ideário “american way”
do período da Guerra Fria.
3. A pessoa que se separou e sai para as compras não resolverá, com
isso, seu problema interno – ao contrário do que crê o consumista –, mas poderá
ritualizar a tristeza, do mesmo modo como, antigamente, a roupa preta
sinalizava a entrada e saída no período de luto: nos dois casos, o consumo
ajuda à expressão de um outro olhar. Nesse sentido, consumir é terapêutico,
assim como o é para o amigo que, dando um presente ao outro, exprime e
reforça esse vínculo.
In Folha de S. Paulo, 17/12/00, Mais!, p. 3.
Ana Verônica Mautner é psicanalista e escritora, autora de Crônicas científicas;
Everardo Rocha é antropólogo e professor de Comunicação Social na PUC-RJ,
autor de A sociedade do sonho.

Módulo 3
Anexo- 4

Tigrão, a Febem e nós

SÃO PAULO - Não houve ontem, ao que consta, nenhuma morte, nenhuma
rebelião na Febem, a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (sic). Na
falta de notícia mais emocionante, programas de TV dedicados à “família brasileira”
devem tê-la divertido com o funk do Tigrão.
O fenômeno musical (?) da vez, oriundo do Rio, chegou aos bolsões ricos de
São Paulo. Tchutchuquinhas dos Jardins e da Vila Olímpia (bairro novo-rico da capital
que explica por que Maluf é possível) imitam as “minas” da Cidade de Deus,
boca quente do crime no Rio. Repetem sorrindo que “um tapinha não dói”.
A anomia da periferia se integra ao Brasil legal pela mídia, na forma de espetáculo.
A violência temperada com sexo, à Gilberto Freyre, que todos consomem
como diversão pela TV, é regularmente intercalada com o show de horror ao vivo
da Febem. A convivência das duas coisas explica muito da exclusão brasileira.
Se algum sociólogo se dispusesse a vasculhar a história da turma do Tigrão,
na Cidade de Deus, e dos “manos” de Batoré, na Febem, encontraria provavelmente
uma origem comum. Seus avós começaram a engordar, ainda nos
anos JK, uma imensa periferia que foi excluída dos benefícios da modernização.
Três ou quatro gerações de promessas frustradas e pauperização criaram
esses tipos brasileiros, diante dos quais a classe média se diverte ou se horroriza.
Na Febem ou fora dela, jovens miseráveis não têm mais a ilusão de que serão
incorporados à vida decente. Sobrevivendo no inferno, como diz Mano Brown,
não acreditam mais, como seus pais ou avós, que uma vida de privações e esforços
poderia ser recompensada por um futuro melhor, para seus filhos que fosse.
Que ninguém se iluda: caso perdido, a Febem deixou há muito de ser
encarada como problema, desde que quem ali morra antes de virar adulto
permaneça enjaulado. O Brasil já integrou seus tigrões. Basta ligar a TV.
Fernando de Barros e Silva, in Folha de S. Paulo, 19/3/01, p. A-2.

ANEXO - 5

TV alavanca romance de Eça de Queirós
Clássico da literatura portuguesa do século 19, “Os Maias” se beneficia da
adaptação para a televisão e entra em quinto lugar no ranking Datafolha.
Um clássico português do século 19, o romance “Os Maias”, aparece na
quinta colocação do ranking Datafolha dos livros mais vendidos em ficção. O
romance, que narra a decadência da aristocracia portuguesa do século 19, se
beneficiou da adaptação para a TV, que resultou na minissérie que está sendo
veiculada pela Globo. “Os Maias”, que tem edições da Nova Alexandria, L&PM
e Ediouro, é o mais vendido na lista só do Rio de Janeiro, embora não figure no
ranking em São Paulo. O primeiro lugar na capital paulista, e também no ranking
geral das duas cidades, em ficção, ficou com “Ninguém É de Ninguém”, de
Zibia Gasparetto.
Folha de S. Paulo, 4/3/01, Mais!, p. 22.

ANEXO - 6

3 QUESTÕES SOBRE EDUCAÇÃO E INTERNET

1. A internet beneficia ou prejudica a aprendizagem?
2. Em que medida a navegação na rede altera o conceito de aprendizagem?
3. Ela pode desbancar o ensino tradicional?
Valdemar Setzer responde
1. Depende. Se for criança ou jovem até uns 16 anos de idade, prejudica
muitíssimo, pois acelera indevidamente o desenvolvimento.
2. A educação sempre foi altamente contextual: um pai sempre examina
um livro antes de comprá-lo para seu filho; uma professora dá uma
aula tendo em vista o que ela deu em dias anteriores, a maturidade da
classe e, idealmente, de cada aluno etc. A internet é totalmente
descontextualizada. Crianças e jovens não têm capacidade para decidir o
que é adequado para eles, pois, se tiverem, estarão indevidamente se comportando
como adultos. TV, joguinhos eletrônicos e computador – e a internet
em particular – produzem aceleração altamente prejudicial: qualquer queima
de etapas em desenvolvimento e educação produz desequilíbrios fisiológicos
e psicológicos.
Além disso, o que se obtém por meio da internet são dados, eventualmente
interpretados como informação. Esta é quase irrelevante diante do que a educação deveria ser: desenvolvimento de capacidades sociais, artísticas e
científicas, principalmente por meio de vivências reais e não de abstrações
virtuais.
3. Sim, pois estamos num mundo verdadeiramente cão, onde as pessoas
– em grande parte devido aos meios eletrônicos – perderam a sensibilidade, a
intuição sobre o que deve ser uma educação sadia e equilibrada, adequada a
cada idade. Essa perda não foi, em geral, substituída por uma necessária
conceituação holística do que é o ser humano e a sua educação. Estamos na
“era do cosmético”; ele é mais importante do que o conteúdo.
TV, joguinho e computador são especialistas em cosméticos, atraindo pela
forma, não pelo conteúdo, pela virtualidade, não pela realidade. A atração
que o uso do computador na educação exerce nas crianças e jovens deveria
servir de alerta para o fato de que ela está falida, pois é um absurdo uma
máquina atrair mais do que um ser humano. A “escola do futuro” deveria ser
mais humana, e não mais tecnológica, pois esta vai produzir futuros adultos
menos humanos, comportando-se como animais e máquinas.
O nazismo será fichinha perto do que essas crianças e jovens
informatizados farão no futuro (e estão começando a fazer) e o sofrimento por
que passarão.
Rogério da Costa responde
1. Talvez o que mais prejudique o aprendizado seja a própria idéia que
temos de aprendizagem. Se acreditarmos que alguém possa aprender de modo
diverso do que é proposto pelo sistema professor-aluno, que é possível aprender
quando trocamos idéias com outras pessoas, que, ao relacionarmos informações
dispersas, estamos, de algum modo, produzindo conhecimento, então
a internet beneficia o aprendizado. Por outro lado, não há nada que prejudique
mais o aprendizado tradicional do que um professor despreparado ou mal
amparado materialmente. Esse problema a internet não irá resolver, mas poderá
ajudar a resolver.
2. A navegação na rede significa, basicamente, a possibilidade de explorarmos
de um modo não-linear universos distintos de informações e conhecimentos.
Ora, a idéia de “exploração”, por si só, já nos convida a refletir sobre a aprendizagem
de uma maneira distinta daquela que comumente entendemos: a “recepção”
do conhecimento exclusivamente por meio do professor. Porém a própria
atividade de exploração dos mundos virtuais requer um aprendizado! Isso nos leva
a crer que o ensino tradicional terá um papel importante a desempenhar nesse
aspecto: ensinar o aluno a ser ele próprio o explorador de seu universo de interesses.
As comunidades virtuais e o aprendizado coletivo que elas implicam constituem
outro aspecto fundamental da navegação em rede. Aprender a “aprender
coletivamente” talvez seja uma outra tarefa para o ensino fundamental.

3. Penso que não é produtivo estabelecermos uma concorrência entre o
ensino por meio de ambientes virtuais e o ensino tradicional. Ao contrário, eles
podem ser vistos como perfeitamente complementares. Cabe lembrar, no entanto,
que o fato de estarmos sendo provocados a pensar o ensino via internet, com
todo o desafio que isso significa e com toda a riqueza que ele nos promete, nos faz
refletir sobre a própria arquitetura do ensino tradicional que temos hoje. Isso nos
leva a crer que nossa relação com o ensino presencial se tornará cada vez mais
complexa, mais crítica e, esperamos, mais rica em mudanças e inovações.
In Folha de S. Paulo, 23/7/00, Mais!, p. 3. Valdemar Setzer é professor do Departamento de Ciência
da Computação da USP, autor de Introdução à rede internet e seu uso; Rogério da Costa é professor
de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP, autor de Limiares do contemporâneo


ANEXO - 7

Texto 1
PELA INTERNET
Gilberto Gil
CRIAR MEU WEB SITE
FAZER MINHA HOME-PAGE
COM QUANTOS GIGABYTES
SE FAZ UMA JANGADA
UM BARCO QUE VELEJE
QUE VELEJE NESSE INFOMAR
QUE APROVEITE A VAZANTE DA INFOMARÉ
QUE LEVE UM ORIKI DO MEU VELHO ORIXÁ
AO PORTO DE UM DISQUETE DE UM MICRO EM TAIPÉ
UM BARCO QUE VELEJE NESSE INFORMAR
QUE APROVEITE A VAZANTE DA INFORMARÉ
QUE LEVE MEU E-MAIL ATÉ CALCUTÁ
DEPOIS DE UM HOT-LINK
NUM SITE DE HELSINQUE
PARA ABASTECER
EU QUERO ENTRAR NA REDE
PROMOVER UM DEBATE
JUNTAR VIA INTERNET
UM GRUPO DE TIETES DE CONNECTICUT
DE CONNECTICUT ACESSAR
O CHEFE DA MACMILÍCIA DE MILÃO
UM HACKER MAFIOSO ACABA DE SOLTAR
UM VÍRUS PARA ATACAR PROGRAMAS NO JAPÃO
EU QUERO ENTRAR NA REDE PRA CONTACTAR
OS LARES DO NEPAL, OS BARES DO GABÃO
QUE O CHEFE DA POLÍCIA CARIOCA AVISA PELO CELULAR
QUE LÁ NA PRAÇA ONZE TEM UM VIDEOPOKER PARA SE JOGAR

Texto 2
CÉREBRO ELETRÔNICO
Gilberto Gil
O CÉREBRO ELETRÔNICO FAZ TUDO
FAZ QUASE TUDO
QUASE TUDO
MAS ELE É MUDO
O CÉREBRO ELETRÔNICO COMANDA
MANDA E DESMANDA
ELE É QUEM MANDA
MAS ELE NÃO ANDA
SÓ EU POSSO PENSAR SE DEUS EXISTE
SÓ EU
SÓ EU POSSO CHORAR QUANDO ESTOU TRISTE
SÓ EU
EU CÁ COM MEUS BOTÕES DE CARNE E OSSO
HUM, HUM,
EU FALO E OUÇO
HUM, HUM,
EU PENSO E POSSO
EU POSSO DECIDIR SE VIVO OU MORRO
PORQUE
PORQUE SOU VIVO, VIVO PRA CACHORRO
E SEI
QUE CERÉBRO ELETRÔNICO NENHUM ME DÁ SOCORRO
EM MEU CAMINHO INEVITÁVEL PARA A MORTE
PORQUE SOU VIVO, AH, SOU MUITO VIVO
E SEI
QUE A MORTE É NOSSO IMPULSO PRIMITIVO
E SEI
QUE CERÉBRO NENHUM ME DÁ SOCORRO
COM SEUS BOTÕES DE FERRO E SEUS OLHOS DE VIDRO
Ambas as músicas in CD Gilberto Gil ao vivo, 1999.


ANEXO -8

CINEMA NOVO
Gilberto Gil e Caetano Veloso
O FILME QUIS DIZER “EU SOU O SAMBA”
A VOZ DO MORRO RASGOU A TELA DO CINEMA
E COMEÇARAM A SE CONFIGURAR
VISÕES DAS COISAS GRANDES E PEQUENAS
QUE NOS FORMARAM E ESTÃO A NOS FORMAR
TODAS E MUITAS: DEUS E O DIABO, VIDAS SECAS. OS FUZIS.
OS CAFAJESTES, O PADRE E A MOÇA. A GRANDE FEIRA, O DESAFIO
OUTRAS CONVERSAS, OUTRAS CONVERSAS SOBRE OS JEITOS DO BRASIL
OUTRAS CONVERSAS SOBRE OS JEITOS DO BRASIL
A BOSSA NOVA PASSOU NA PROVA
NOS SALVOU NA DIMENSÃO DA ETERNIDADE
PORÉM AQUI EMBAIXO “A VIDA”. MERA “METADE DE NADA”
NEM MORRIA NEM ENFRENTAVA O PROBLEMA
PEDIA SOLUÇÕES E EXPLICAÇÕES
E FOI POR ISSO QUE AS IMAGENS DO PAÍS DESSE CINEMA
ENTRARAM NAS PALAVRAS DAS CANÇÕES
PRIMEIRO FORAM AQUELAS QUE EXPLICAVAM
E A MÚSICA PARAVA PRA PENSAR
MAS ERA TÃO BONITO QUE PARASSE
QUE A GENTE NEM QUERIA RECLAMAR
DEPOIS FORAM AS IMAGENS QUE ASSOMBRAVAM
E OUTRAS PALAVRAS JÁ QUERIAM SE CANTAR
DE ORDEM DE DESORDEM DE LOUCURA
O DE ALMA À MEIA-NOITE E DE INDÚSTRIA
E A TERRA ENTROU EM TRANSE Ê
NO SERTÃO DE IPANEMA
EM TRANSE Ê, NO MAR DE MONTE SANTO
E A LUZ DO NOSSO CANTO. E AS VOZES DO POEMA
NECESSITARAM TRANSFORMAR-SE TANTO
QUE O SAMBA QUIS DIZER, O SAMBA QUIS DIZER: EU SOU CINEMA
AÍ O ANJO NASCEU, VEIO O BANDIDO METERORANGO,
HITLER TERCEIRO MUNDO. SEM ESSA ARANHA. FOME DE AMOR
E O FILME DISSE: EU QUERO SER POEMA
OU MAIS: QUERO SER FILME E FILME-FILME
ACOSSADO NO LIMITE DA GARGANTA DO DIABO
VOLTAR À ATLÂNTIDA E ULTRAPASSAR O ECLIPSE
MATAR O OVO E VER A VERA CRUZ
E O SAMBA AGORA DIZ: EU SOU A LUZ
DA LIRA DO DELÍRIO. DA ALFORRIA DE XICA
DE TODA A NUDEZ DE ÍNDIA DE FLOR DE MACABÉIA, DE ASA BRANCA
MEU NOME É STELINHA, É INOCÊNCIA
MEU NOME É ORSON ANTÔNIO VIEIRA CONSELHEIRO DE PIXOTE
SUPER OUTRO
QUERO SER VELHO, DE NOVO ETERNO, QUERO SER NOVO DE NOVO
QUERO SER GANGA BRUTA E CLARA GEMA
EU SOU O SAMBA. VIVA O CINEMA – VIVA O CINEMA NOVO.
CD Tropicália 2, 1994.

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