Filosofia

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quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Cultura de massa ou indústria cultural

Entre os autores preocupados em definir a indústria cultural ou cultura de
massa e compreender o seu papel na sociedade atual, existem posições diferentes
e até opostas. De maneira breve, examinemos algumas visões sobre a questão.
O termo indústria cultural foi criado por Theodor Adorno (1903-1969) e
Max Horkheimer (1895-1973), membros de um grupo de filósofos conhecido
como Escola de Frankfurt. Ao fazerem a análise da atuação dos meios de
comunicação de massa (que a partir de agora serão chamados pela sigla mdcm),
esses autores concluíram que eles funcionavam como uma verdadeira indústria
de produtos culturais, visando exclusivamente ao consumo. Conforme Adorno,
a indústria cultural vende mercadorias, mas, mais do que isso, vende imagens
do mundo e faz propaganda deste mundo tal qual ele é e para que ele
assim permaneça.
Segundo os dois autores, a indústria cultural pretenderia integrar os consumidores
das mercadorias culturais, agindo como uma ponte nociva entre a
cultura erudita e a popular. Nociva porque retiraria a seriedade da primeira e a
autenticidade da segunda. Adorno e Horkheimer vêem a indústria cultural como
qualquer indústria, organizada em função de um público-massa (abstrato e
homogeneizado) e baseada nos princípios da lucratividade.
Poderíamos pensar, a partir do que os autores indicam, que a indústria
cultural venderia mercadorias culturais como pasta de dentes ou automóveis,
e o público receberia esses “produtos” sem saber diferenciá-los ou sem questionar
seu conteúdo. Assim, após uma sinfonia de Beethoven, uma estação de
rádio poderia veicular o anúncio de um restaurante e, depois dele, noticiar um
golpe de Estado ou terremoto, sem nenhuma profundidade, sem nenhuma
discussão. Nesse sentido, é preciso observar como essa sucessão de música,
propaganda e notícia ilustra o caráter fragmentário dos mdcm, principalmente
o rádio e a televisão (esta, por sinal, profundamente criticada por Adorno).
Os meios tecnológicos tornaram possível reproduzir obras de arte em escala
industrial. Para os autores, essa produção em série (por exemplo, os discos
de música clássica, as reproduções de pinturas, a música erudita como pano
de fundo de filmes de cinema) não democratizou a arte. Simplesmente, banalizou-
a, descaracterizou-a, fazendo com que o público perdesse o senso crítico
e se tornasse um consumidor passivo de todas as mercadorias anunciadas pelos
mdcm. Nesse caso, o fato de um operário assobiar, durante o seu trabalho,
um trecho da ópera que ouviu no rádio não significaria que ele estaria compreendendo
a profundidade daquela obra de arte, mas apenas que ele a memorizou,
como faria com qualquer canção sertaneja, romântica, ou mesmo um
jingle que ouvisse no mesmo rádio.
Para Adorno, a indústria cultural tem como único objetivo a dependência
e a alienação dos homens. Ao maquiar o mundo nos anúncios que veicula, ela
acaba seduzindo as massas para o consumo das mercadorias culturais, a fim de que elas se esqueçam da exploração que sofrem nas relações de produção.
A indústria cultural estimularia, portanto, o imobilismo.
Ao contrário de Adorno e Horkheimer, Marshall McLuhan (1911-1980)
via a atuação dos mdcm de maneira otimista. Estudando principalmente a televisão,
o autor acreditava que ela poderia aproximar os homens, diminuindo
as distâncias não apenas territoriais como sociais entre eles. O mundo iria transformar-se, então, numa espécie de “aldeia global”, expressão que acabou ficando
clássica entre os teóricos da comunicação.
O crítico Umberto Eco, por sua vez, faz uma distinção polêmica entre os
autores dedicados ao estudo da indústria cultural. Segundo ele, esses autores
dividem-se entre “apocalípticos” (aqueles que criticam os meios de comunicação
de massa) e “integrados” (aqueles que os elogiam). Entre os motivos para
criticar os mdcm, segundo os “apocalípticos”, estariam:
· a veiculação que eles realizam de uma cultura homogênea (que
desconsidera diferenças culturais e padroniza o público);
· o seu desestímulo à sensibilidade;
· o estímulo publicitário (criando, junto ao público, novas necessidades de
consumo); a sua definição como simples lazer e entretenimento, desestimulando o
público a pensar, tornando-o passivo e conformista.
Nesse sentido, os mdcm seriam usados para fins de controle e manutenção
da sociedade capitalista.
Entre os motivos para elogiar os mdcm, apontados pelos “integrados”,
estariam:
· serem os mdcm a única fonte de informação possível a uma parcela da
população que sempre esteve distante das informações;
· as informações veiculadas por eles poderem contribuir para a própria
formação intelectual do público;
· a padronização de gosto gerada por eles funcionar como um elemento
unificador das sensibilidades dos diferentes grupos.
Nesse sentido, os mdcm não seriam característicos apenas da sociedade
capitalista, mas de toda sociedade democrática.
Eco irá criticar as duas concepções. Os “apocalípticos” estariam equivocados
por considerarem a cultura de massa ruim simplesmente por seu caráter
industrial. Para Eco, não se pode ignorar que a sociedade atual é industrial e
que as questões culturais têm que ser pensadas a partir dessa constatação. Os
“integrados”, por sua vez, estariam errados por esquecerem que normalmente
a cultura de massa é produzida por grupos de poder econômico com fins
lucrativos, o que significa a tentativa de manutenção dos interesses desses
grupos através dos próprios mdcm. Além disso, não é pelo fato de veicular
produtos culturais que a cultura de massa deva ser considerada naturalmente
boa, como querem os “integrados”.
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Anexo
Eco acredita que não se pode pensar a sociedade moderna sem os mdcm.
Nesse sentido, sua preocupação é descobrir que tipo de ação cultural deve ser
estimulado para que os mdcm realmente veiculem valores culturais.
Nesse sentido, o papel dos intelectuais será fundamental, pois eles é que
irão fiscalizar e exigir que isso aconteça.
Outro autor também ligado à Escola de Frankfurt, mas com uma concepção
diferente do papel da indústria cultural, é Walter Benjamin (1886-1940).
Para ele, a revolução tecnológica do final do século XIX e início do século XX
não acabou com a cultura erudita, como pensavam Adorno e Horkheimer, mas
alterou o papel da arte e da cultura. Os mdcm e suas novas formas de produção
cultural propiciaram mudanças na percepção e na assimilação do público
consumidor, podendo, inclusive, gerar novas formas de mobilização e contestação
por parte desse público.
Para Benjamin, a possibilidade de reprodução técnica das obras de arte
retirou delas o seu caráter único e mágico (o que ele chama de sua “aura”).
Em compensação, possibilitou que elas saíssem dos palácios e museus e fossem
conhecidas por um número infinito de pessoas. Por exemplo, a reprodução
fotográfica permitiu que qualquer pessoa pudesse ter em sua sala as clássicas
Monalisa e Santa ceia, de Leonardo da Vinci; a reprodução fonográfica
fez com que muito mais pessoas pudessem escutar (e quantas vezes quisessem)
uma sinfonia de Mozart.
O impacto que a indústria cultural moderna pode provocar no público
consumidor não seria, portanto, necessariamente negativo, podendo, ao contrário,
contribuir para a emancipação desse público e para a melhoria da sociedade,
uma vez que ampliaria o seu horizonte de conhecimento.
Muitos críticos consideram a visão de Adorno e Horkheimer sobre a indústria
cultural conservadora. Segundo eles, a posição desses autores, ao dizerem
que a indústria cultural banalizaria a cultura erudita (que eles denominavam
“alta cultura”), seria de valorizar a cultura burguesa. E não apenas isso,
seria também de depreciar a cultura popular, que, segundo eles, ficaria ainda
mais simplificada no âmbito da indústria cultural, e a própria capacidade crítica
do público, considerado mero consumidor de mercadorias culturais, produzidas
industrialmente.
Essas diferentes visões sobre a indústria cultural, expostas de maneira
simplificada, poderão servir como elementos para refletirmos sobre a questão
da indústria cultural no Brasil.
Nelson Dácio Tomazi, Iniciação à Sociologia, São Paulo, Atual, 1993

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