Filosofia

Filosofia

sexta-feira, 4 de março de 2011

A PRODUÇÃO SOCIOLÓGICA BRASILEIRA

— E o Brasil?
— O Brasil? Como assim? O que tem ele?
— Mas é isto mesmo o que queremos saber...
— O que tem o Brasil?
O fato é que até aqui vimos apenas teorias
sociológicas “importadas”.
Mas será que tais teorias, de pensadores
que não viveram a realidade deste que é
gigante pela própria natureza, belo, forte,
um impávido colosso, e que tem um futuro
que espelha sua enorme grandeza, podem dar
contar de explicar o que acontece por aqui?
Everaldo Lorensetti1
O que há de VERDE e
AMARELO na SOCIOLOGIA?

Bom, antes de estudarmos a produção sociológica brasileira, gostaria
de mencionar, bem rapidamente, uma idéia que pode nos ajudar a
pensar sobre um aspecto muito importante: a escolha das teorias para
refletirmos sobre a sociedade.
Vamos imaginar que durante a leitura destes textos você se identificou
muito com os elementos que Karl Marx nos fornece para interpretação
da sociedade, isto é, pela lógica econômica e material.
Mas veja. Será que a teoria marxista, apenas, seria suficiente para
entender todas as questões sociais, como por exemplo, o movimento
feminista, a união de casais homossexuais, os suicídios dos homensbomba,
as religiões, etc.?
Bem, o que estamos querendo transmitir com essa reflexão é que,
o ideal, é não termos posturas doutrinárias quanto à teoria que mais
gostamos, como se fosse uma espécie de “verdade absoluta”, não aceitando,
portanto, a contribuição que outras teorias podem nos dar para
o trabalho de reflexão sobre a sociedade.
Portanto, o que devemos fazer é exercitar uma “conversa” com as
mesmas para, então, elegermos a teoria que seja mais adequada à situação
que queremos entender. Ok?
E falando em teorias...
A Sociologia no Brasil...
Podemos dizer que a Sociologia brasileira começa a “engatinhar” a
partir da década de 1930, vindo a se fortalecer nas décadas seguintes.
Apesar de alguns autores da sociologia dizerem que não há uma
data correta que marca o seu começo em solo brasileiro, essa época
parece ser a mais adequada para se falar em início dos estudos sociológicos
no Brasil.
Quando dizemos “data mais adequada”, é porque as produções literárias
que surgem a partir dessa década (1930) começam a demonstrar
um interesse na compreensão da sociedade brasileira quanto à sua
formação e estrutura.
Mas note, não estamos afirmando que antes da data acima ninguém
havia se proposto a entender nossa sociedade. Antes da década de
1930 muitos ensaios sociológicos sobre o Brasil foram elaborados por
historiadores, políticos, economistas, etc. No entanto, a maioria destes
trabalhos apresentava uma tendência de se escrever sobre raça, civilização
e cultura, por exemplo, mas não tentavam explicar a formação
e a estrutura da sociedade brasileira.
A partir de 1930, surge no Brasil um período no qual a reflexão sobre
a realidade social ganha um caráter mais investigativo e explicativo.
Esse caráter mais investigativo e explicativo foi impulsionado pelos
muitos movimentos que estimularam uma postura mais crítica sobre o
que acontecia na sociedade brasileira. Dentre alguns destes movimentos
estão o Modernismo, a formação de partidos (sobretudo o partido
comunista) e os movimentos armados de 1935.
Movimentos como esses, de alguma forma, traziam transformações
de ordem social, econômica, política e cultural ao país, e despertavam
o interesse de pensadores em dar explicações a tais fenômenos. Aos
poucos a Sociologia passa a constituir-se como uma forma de reflexão
sobre a sociedade brasileira. Veja como isso aconteceu:

Fases da sua implantação
Dividindo os acontecimentos da implantação da Sociologia no Brasil
como ciência, em fases, ou em geração de autores, de acordo com
o sociólogo brasileiro Otávio Ianni (1926-2003), destacamos aqui três
delas, as quais se complementam:

A fase “A” da implantação da Sociologia no Brasil:
A primeira geração da Sociologia brasileira seria composta por
aqueles autores que se preocuparam em fazer estudos históricos sobre
a nossa realidade, com um caráter mais voltado à Literatura do que para
a Sociologia.
Desta geração de autores, queremos destacar Euclides da Cunha
(1866-1909). Cunha nasceu no Rio de Janeiro, foi militar engenheiro,
além de ter estudado Matemática e Ciências Físicas e Naturais. Porém,
o que gostava de fazer, como profissional, era o jornalismo.
Em 1895, abandonou o Exército e começou a trabalhar como correspondente
do jornal “O Estado de São Paulo”. Nessa função foi enviado
para a Guerra de Canudos, no interior da Bahia, de onde surgiu
sua maior contribuição à Sociologia brasileira: o livro Os Sertões.
Se analisarmos este livro pelo enfoque literário, podemos perceber
que Cunha faz, usando seus conhecimentos de Ciências e Físicas Naturais,
relatos sobre como era a terra e a paisagem de Canudos. Também
faz a descrição dos homens que ali viviam, ou seja, os sertanejos,
nos quais percebe que, ao contrário do que pensava antes de conhecê-
los, eram fortes e valentes, ainda que a aparência dos mesmos não
demonstrasse isso.
Por fim, Cunha descreve a guerra, isto é, como foi que o governo
da época conseguiu acabar com o que considerava ser uma revolução
que reivindicava a volta do sistema monárquico no Brasil. Na verdade

Antonio Conselheiro (o líder da Revolução de Canudos) e seus seguidores
apenas defendiam seus lares, sua sobrevivência.
“É que estava em jogo, em Canudos, a sorte da República...” Diziam-no
informes surpreendedores; aquilo não era um arraial de bandidos truculentos
apenas. Lá existiam homens de raro valor – entre os quais se nomeavam
conhecidos oficiais do exército e da armada, foragidos desde a Revolução
de Setembro, que o Conselheiro avocara ao seu partido.” (CUNHA, 1979: 250).
Olhando mais pelo lado sociológico, podemos perceber que Cunha
estava fazendo revelações quanto à organização da República que estava
sendo consolidada. Canudos era um retrato de uma sociedade republicana
que não conseguia suprir as necessidades básicas de seu povo.
Coisa que Antonio Conselheiro, com sua maneira missionária de
ser, acreditava e lutava para acontecer, pois...
“...abria aos desventurados os celeiros fartos pelas esmolas e produtos
do trabalho comum. Compreendia que aquela massa, na aparência inútil,
era o cerne vigoroso do arraial. Formavam-na os eleitos, felizes por terem
aos ombros os frangalhos imundos, esfiapados sambenitos de uma penitência
que lhes fora a própria vida; bem-aventurados porque o passo trôpego,
remorado pelas muletas e pelas anquiloses, lhes era a celeridade máxima,
no avançar para a felicidade eterna”. (CUNHA, 1979: 132 ).
Após duas tentativas sem sucesso de “tomar” Canudos – pois os
sertanejos tornavam difícil a vida dos soldados, por conhecerem muito
bem a caatinga sertaneja – o governo federal republicano deixou
de subestimar a força daquelas pessoas que se uniram a Conselheiro.
Convocou para uma terceira expedição batalhões armados de vários
estados brasileiros e promoveu uma grande guerra e matança naquela
região, em prol da República.
A observação de Euclides da Cunha e as revelações que faz quanto
à sociedade brasileira em Os Sertões, transforma esta obra em um dos
referenciais de início do pensamento sociológico no Brasil.



Movimento Modernista:
Lutava para que as regras
vigentes sobre a arte e a literatura
deixassem de “engessar”
a produção brasileira. A
intenção do movimento era
que os moldes internacionais
não sufocassem o que viesse
a ser arte com um jeito
nacional. A Semana de Arte
Moderna de 1922, em SP,
foi uma espécie de marco da
independência da arte brasileira.
Partido Comunista: Fundado
em 25 de Março de
1922, tinha o ideário de criar
uma cultura socialista no Brasil.
Com base em teóricos como
o alemão Karl Marx, inauguraram
uma maneira de se
fazer política voltada aos interesses
do proletariado.
Movimentos armados de
1935: Também conhecidos
como o “Levante Comunista”.
Tiveram como protagonistas
o Partido Comunista
(PCB) e os Tenentes de esquerda
do exército brasileiro.
Alguns de seus projetos e lutas
eram pelo fim do imperialismo
e pela existência de
uma ditadura democrática.
Apesar de vencidos, serviram
para que o PCB ficasse
conhecido e ganhasse maior
força no cenário brasileiro.
Ver indicação de filme correspondente
no final deste trabalho.


A fase “B” da implantação da Sociologia no Brasil:
Numa segunda fase de geração de autores, a preocupação em se fazer
pesquisas de campo, que é uma característica das pesquisas sociológicas,
começa a ser levada em conta.
Existem vários autores desta geração que poderíamos referenciar,
como Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda,
Fernando de Azevedo, Nelson Wernek Sodré, Raymundo Faoro, etc.
No entanto, vamos nos fixar em dois deles, os quais podem ser vistos
como clássicos do pensamento social brasileiro: Gilberto Freyre e Caio
Prado Júnior.
Gilberto Freyre foi o autor de Casa Grande & Senzala (1933), livro no
qual demonstrou as características da colonização portuguesa, a formação
da sociedade agrária, o uso do trabalho escravo e, ainda, como
a mistura das raças ajudou a compor a sociedade brasileira.
Freyre foi um sociólogo que nasceu em Pernambuco no ano de
1900 e, no desenvolver de sua profissão, criou várias cátedras de Sociologia,
como na Universidade do Distrito Federal, fundada em 1935.
Freyre faleceu em 1987.
Quando escreveu Casa Grande & Senzala tinha 33 anos e, anti-racista
que era, inaugurou uma teoria que combatia a visão elitista existente
na época, importada da Europa, a qual privilegiava a cor branca.
Segundo tal visão racista, a mistura de raças seria a causa de uma formação
“defeituosa” da sociedade brasileira, e um atraso para o desenvolvimento
da nação.
Freyre propõe um caminho inverso. Em Casa Grande & Senzala ele
começa justamente valorizando as características do negro, do índio e
do mestiço acrescentando, ainda, a idéia de que a mistura dessas raças
seria a “força”, o ponto positivo, da nossa cultura.
Este autor forneceu, para o seu tempo, uma nova maneira de ver a
constituição da nacionalidade brasileira, isto é, o Brasil feito por uma
harmoniosa união entre o branco (de origem européia), o negro (de
origem africana), o índio (de origem americana) e o mestiço, ressaltando
que essa “mistura” contribuiu, em termos de ricos valores, para a
formação da nossa cultura.
Veja alguns trechos de sua obra a este respeito:
“Um traço importante de infiltração de cultura negra na economia e na vida
doméstica do brasileiro resta-nos acentuar: a culinária” (FREYRE, 2002)
“Foi ainda o negro quem animou a vida doméstica do brasileiro de sua
maior alegria.”(FREYRE, 2002)
“Nos engenhos, tanto nas plantações como dentro de casa, nos tanques
de bater roupa... carregando sacos de açúcar... os negros trabalhavam
sempre cantando.” (FREYRE, 2002).


No entanto, vale ressaltar aqui que Gilberto Freyre tinha um “olhar”
aristocrático e conservador sobre a sociedade brasileira, pois além de
justificar as elites no governo, sua descrição do tempo da escravidão
em Casa Grande & Senzala adquire uma conotação harmoniosa, ele não
via conflitos nessa estrutura.
Mas se para Gilberto Freyre era um erro pensar que a mistura das raças
seria um atraso para o Brasil, há um outro autor que se propôs a verificar
qual seria e onde estaria a origem do atraso da nação brasileira.
Estamos falando de Caio Prado Júnior. Este autor vai nos fornecer
uma visão muito mais crítica sobre a formação da nossa sociedade. Veja
por quê.
Enquanto Gilberto Freyre fazia uma análise conservadora da formação
da sociedade brasileira, Caio Prado recorria à visão marxista, isto
é, partindo do ponto de vista material e econômico para o entendimento
da nossa formação.

Caio Prado Júnior nasceu em 1907 e faleceu em 1990. Formou-se em
direito e, de forma auto-didata, leu e tomou para si os ideais de Marx,
o que o fez uma pessoa comprometida com o Socialismo.
Caio Prado também era uma espécie de “contra-mão” do Partido
Comunista Brasileiro no seu tempo, pois um dos militantes daquele
partido, Octávio Brandão (1896-1980), havia escrito um livro na década
de 1920, chamado Agrarismo e Industrialismo no qual apresentava a
tese de que o atraso do Brasil, em termos econômicos, estava no fato
dele ter tido um passado feudal. E esta tese continuou a ser defendida
pelo PCB com o historiador Nelson Wernek Sodré (1911-1999), que
interpretava o escravismo, no Brasil Colonial, como uma característica
do feudalismo.
É por essa razão que Caio Prado era contrário ao Partido Comunista,
pois a idéia de que no passado o Brasil havia sido feudal era “importada”
do marxismo oficial, da Europa, e que na sua opinião, não
funcionava aqui. E, para Caio Prado, a prova disso estaria no fato de
que no sistema feudal o servo não era considerado uma mercadoria,
coisa que ocorria aqui com os escravos, o que denota uma característica
do sistema capitalista (e não feudal) no que tange à análise da
mão-de-obra.
No seu livro Formação do Brasil Contemporâneo, publicado em 1942,
Caio Prado apresenta a tese de que a origem do atraso da nação brasileira
estaria vinculada ao tipo de colonização a que o Brasil foi submetido
por Portugal, isto é, uma colonização periférica e exploratória.
Traduzindo para melhor compreendermos... Caio Prado explica
que Portugal teve grande contribuição no “nosso atraso” como nação,
pois o centro do capitalismo, na época do “descobrimento” do Brasil, estava na Europa, o que fazia com que as riquezas daqui fossem levadas
para lá. Este tipo de organização econômica foi denominado de
primária e exportadora, pois os produtos extraídos das monoculturas
brasileiras, nos latifúndios, eram exportados para os países que estavam
em processo de industrialização.
Segundo Caio Prado, a América era vista pelos europeus como sendo
“...um território primitivo habitado por rala população indígena incapaz de
fornecer qualquer coisa de realmente aproveitável. Para os fins mercantis
que se tinham em vista, a ocupação não se podia fazer como nas simples
feitorias comerciais, com um reduzido pessoal incumbido apenas do negócio,
sua administração e defesa armada; era preciso ampliar estas bases,
criar um povoamento capaz de abastecer e manter as feitorias que se fundassem
e organizar a produção dos gêneros que interessassem ao seu comércio.
A idéia de povoar surge daí, e só daí”. (PRADO JÚNIOR, 1942: 24).
As teses desse autor rompem com as análises dos autores que antes
dele apresentaram um pensamento conservador restrito, isto é, de
reprodução daquilo que estava posto na sociedade brasileira e, conseqüentemente,
sem a intenção de apresentar propostas para sua transformação.
Assim sendo, segundo a visão de Caio Prado, Gilberto Freyre, em
Casa Grande e Senzala, pode ser considerado “conservador”. Veja porque:
a) seus escritos nos levam a pensar que a miscigenação acontecia
sempre de maneira harmoniosa. Mas e a relação entre os senhores
brancos e suas escravas negras, por exemplo? Se verificarmos relatos
da história veremos que as negras eram forçadas a terem relações
sexuais com eles, o que é bem diferente de harmonia.
b) sobre os problemas sociais da época, Freyre não apresenta nenhuma
proposta para a solução dos mesmos, ou para a transformação
da sociedade.
Para Caio Prado Júnior, os pontos “a” e “b” mencionados acima demonstram
a postura conservadora de Gilberto Freyre, pois transparece
um certo conformismo com a situação em que se apresentava a sociedade.
Conformismo que pressupõe continuidade, sem transformação.


E a fase “C” da implantação da Sociologia no Brasil:
Já a partir dos anos de 1940 novos sociólogos começa a aparecer
no cenário brasileiro.
Esta terceira geração é formada por sociólogos que vieram de diferentes
instituições universitárias, fundadas a partir de 1930. Estes inauguram
estilos mais ou menos independentes de se fazer Sociologia,
pois trabalhavam com os autores clássicos da Sociologia e a produção
crítica destes, até então realizada por autores brasileiros.
Dessa forma, e progressivamente, a intelectualidade sociológica no
Brasil começa a ganhar corpo. Também começam a surgir estilos ou
tendências, o que fez com que surgissem diferentes “escolas” de Sociologia
em São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte
e em outros lugares.
Dos autores que fazem parte dessa terceira geração, podemos citar
Oliveira Viana, Florestan Fernandes, Guerreiro Ramos, dentre vários
outros. Mas vamos nos deter na obra do sociólogo paulista

Florestan Fernandes (1920-1995), importante nome da Sociologia crítica
no Brasil.
Qual é a proposta de Sociologia que ele apresenta?
Florestan Fernandes foi um sociólogo que fez um contínuo questionamento
sobre a realidade social e das teorias que tentavam explicar
essa realidade. O objetivo deste autor foi de, numa intensa busca
investigativa e crítica, ir além das reflexões já existentes.
Florestan Fernandes tinha como metodologia “dialogar”, de maneira
muito crítica, com a produção sociológica clássica, com os autores
citados no Folhas 02. Mas veja, o diálogo não se dava somente com
aqueles autores, pois a lista de clássicos, principalmente modernos, é
bem extensa.
Florestan também mantinha contínuo diálogo com o pensamento
crítico brasileiro. Autores como Euclides da Cunha e Caio Prado Júnior,
os quais vimos anteriormente, fazem parte de sua lista de interlocutores.
O diálogo com esses autores foi fundamental para o seu trabalho
de análise dos movimentos e lutas existentes na sociedade, principalmente
aquelas travadas pelos setores populares.
Um outro aspecto de sua maneira crítica de fazer Sociologia foi a
sua afinidade com o pensamento marxista, principalmente sobre o modo
de analisar a sociedade, o que se constituiu numa espécie de “norte”
crítico orientador de seu pensamento.
As transformações sociais que ocorreram a partir de 1930 no Brasil
foram, também, uma espécie de “motor” para os trabalhos de Florestan.
Mas não apenas para ele, pois como já mencionamos, essas transformações
serviram de impulso para os trabalhos sociológicos no Brasil
como um todo. E isso se deu principalmente a partir de 1940, pois
essas transformações se intensificaram muito por causa do aumento da
industrialização e da urbanização.
Algumas das conseqüências da urbanização, inclusive gerada pela
migração de pessoas que, vindas do campo, procuravam trabalho nas
indústrias das grandes cidades, foram o surgimento de problemas de
falta de moradia, desemprego e criminalidade. Essas situações emergentes,
logicamente, tornavam-se temas para a análise sociológica.
Para finalizar, vale ressaltar que a Sociologia crítica que Florestan
inaugura também tinha o “olhar” voltado aos mais diversos grupos e
classes existentes na sociedade. Algumas de suas pesquisas com grupos
indígenas e sobre as relações raciais em São Paulo, por exemplo,
tiveram o mérito de fornecer explicações que se contrapunham às explicações
dadas pelas classes dominantes da sociedade brasileira.

Para exemplificarmos a forma do trabalho sociológico de Florestan...
Veja que interessante:
Uma de suas pesquisas, sobre os negros em São Paulo, demonstrada
no livro A integração do negro na sociedade de classes, de 1978, vai auxiliar
nossa explicação. Nesse trabalho, Florestan analisa como os negros
foram sempre situados à margem na nossa sociedade.
Na presente obra podemos perceber as seguintes características sociológicas
de Florestan:

a) O interesse em explicar fatos relativos aos setores populares da sociedade,
neste caso, os negros. Florestan queria saber como se deu
o processo que colocou esse grupo “à margem” na sociedade brasileira.
E, mais, queria uma interpretação diferente daquelas que as
elites da sociedade forneciam a este respeito.

b) Ele se filia ao pensamento crítico brasileiro ao afirmar que o negro
não era um problema para a nação. Inclusive desenvolve a idéia de
que os negros sempre foram agentes participantes das transformações
sociais do país, ainda que de maneira menos privilegiada que
os brancos.

c) Faz uma crítica à sociedade capitalista que não “absorveu” os negros,
que, segundo as elites da sociedade, encontravam-se em iguais condições
em relação aos brancos e, inclusive, em relação aos inúmeros estrangeiros
que chegavam ao Brasil para viverem e trabalhar.

Hum... Iguais condições? Será?
Imagine só... De um dia para outro todos os negros, os que antes
foram de maneira desumana tratados como “coisas” e úteis apenas para
o trabalho, tornaram-se livres para atuarem nas empresas e comércio
da época, se é que assim podemos chamar os empreendimentos
daquele tempo, isto é, em 1888.
Os negros tentaram, mas “...viram-se repudiados, na medida em que
pretenderam assumir os papéis de homem livre com demasiada latitude
de ingenuidade, num ambiente em que tais pretensões chocavam-se com
generalizada falta de tolerância, de simpatia militante e de solidariedade.”
(FERNANDES, 1978: 30-31).
Afinal, quem é que daria emprego a um homem que “até ontem à
tarde” era não mais que um pertence de alguém, isto é, um utensílio
de um senhor?
E se você fosse um patrão na época da Abolição, daria trabalho a
tal pessoa em sua loja?
Hoje, no Brasil, ainda podemos encontrar muitos problemas quanto
à aceitação da diversidade cultural, apesar dos muitos movimentos
que combatem a desigualdade racial e social nas mais diversas áreas
da sociedade. Esses problemas são, na verdade, heranças de um passado,
que fora muito pior.
Vamos “voltar” no tempo e tentar imaginar a cena de um negro, recém-
liberto, pedindo emprego. Talvez o diálogo fosse esse:


- Senhor, há vagas para trabalho o trabalho na sua loja?

- Vossa senhoria tem experiência profissional?
- Sabe ler e escrever?

- Não, senhor eu era apenas um escravo!

Ora veja, ainda que o discurso das elites privilegiasse a liberdade
dos negros, eles não tinham condições de igualdade na concorrência
com os brancos,
“como não se manifestou nenhuma impulsão coletiva que induzisse os
brancos a discernir a necessidade, a legitimidade e a urgência de reparações
sociais para proteger o negro (como pessoa e como grupo) nessa fase
de transição, viver na cidade pressupunha, para ele, condenar-se a uma
existência ambígüa e marginal.” (FERNANDES, 1978: 20).
Segundo Florestan, para os negros e os mulatos apenas duas portas
se abriam, pois...
“vedado o caminho da classificação econômica e social pela proletarização,
restava-lhes aceitar a incorporação gradual à escória do operariado urbano
em crescimento ou abater-se penosamente, procurando no ócio dissimulado,
na vagabundagem sistemática ou na criminalidade fortuita meios
para salvar as aparências e a dignidade de “homem livre. (FERNANDES, 1978:20).
Portanto, pela interpretação de Florestam, a inexistência de um plano
de incorporação do negro, elaborado pela sociedade que o libertou,
com estratégias de aceitação social dos mesmos, foi fator importante
que contribuiu para sua marginalidade social.


Sugestão de filmes:
“Guerra de Canudos”, 1997, BRASIL, Direção: Sérgio Rezende
“Olga”, 2004, BRASIL, Direção: Jayme Monjardim

REFERÊNCIAS:
CUNHA, Euclides da. Os sertões – Campanha de Canudos. 29ª ed. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1979.
FERNANDES, Florestan. Fundamentos da explicação sociológica – 3ª ed. Rio
de Janeiro: LTC, 1978.
____________________. A integração do negro na sociedade de classes. São
Paulo: Ática, 1978.
FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. 46ª ed. Rio de Janeiro: Record,
2002.
GOMES, Cândido. A educação em perspectiva sociológica. São Paulo: EPU,
1985.
IANNI, Octávio. Sociologia da Sociologia – o pensamento sociológico brasileiro.
3ª ed., São Paulo: Ática, 1989.
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 23ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 2000.
MOREIRA, Marcos. A vida dos grandes brasileiros – Cândido Portinari. Cajamar:
Três, 2001.
VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários de 35: sonho e realidade.
São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

A INSTITUIÇÃO RELIGIOSA

Marilda Iwaya


Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar
Por causa disso a minha gente lá de casa começou a
rezar... (Assis Valente)


Imagine se algo semelhante ocorresse hoje,
ou se nos fosse dado o poder de saber
o dia de nossa morte? Como agiríamos? O
que pensaríamos? Para muitos, a consciência
de nossa finitude, a certeza de que somos
mortais, levaria a repensar nossos valores,
nossos atos cotidianos, nossas preocupações,
as quais, numa situação como a colocada
acima, ganhariam outra dimensão.
Os versos citados acima pertencem à música
“E o mundo não se acabou” do compositor
Assis Valente (1908-1958), e foram inspirados
numa notícia divulgada nas rádios do país
no ano de 1938.

A notícia era uma brincadeira (é claro), mas o fato provocou a preocupação
e agitação da população do país que teve as mais variadas
reações, desde gastar todo o dinheiro, até praticar atos considerados
insanos...
“Beijei na boca de quem não devia
Dancei um samba em traje de maiô” (Assis Valente)
Talvez nem seja necessário pensar no fim do mundo, ou na própria
morte, mas o simples fato de ficar “frente a frente” com a perda de alguém
muito querido, comover-se com as catástrofes que levam à morte
de milhões de pessoas ou com o drama cotidiano dos doentes e famintos
que passam a vida somente em busca de alimento, e morrem
ignorando totalmente as possibilidades que a vida pode nos oferecer,
sejam situações que certamente levam muitos de nós a pensar sobre o
sentido da vida, sobre as razões de nossa existência, sobre os motivos
que fazem cada um de nós termos vidas tão diferentes.
Estas são questões que incomodam a humanidade desde os mais
remotos tempos, muito antes dos filósofos gregos colocarem as clássicas
questões: De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Para
que viemos?
A busca dessas respostas motivou-nos a desenvolver o que podemos
chamar de pensamento sagrado, ou seja, nossa imaginação e inteligência,
movidas pela curiosidade, levou-nos a criar histórias que
nos explicam e aquietam nossas angústias sobre os mistérios acerca da
criação de todo o universo, e sobre o destino que nos espera. É claro
que a ciência também se encarregou de buscar estas respostas, mas
trataremos disto mais a frente.
Segundo Marilena Chauí, filósofa brasileira, o “sagrado opera o encantamento
do mundo” (Chauí,1998: 297), ou seja, essa forma de pensamento
nos remete a um mundo povoado de seres sobrenaturais com
poderes ilimitados que nos observam, nos recompensam, nos castigam,
nos auxiliam, etc. Em todas as culturas conhecidas, vamos encontrar
sinais do sagrado. Não importa se são seres naturais dotados de
poderes sobrenaturais – a água, o fogo, o vento, se animais – o cordeiro,
a vaca, a serpente, se seres com forma humana – santos, heróis, ou
seres imaginários – anjos, demônios. Em outros casos não há deuses,
mas práticas, regras ou rituais com dimensões sagradas. Exemplificando:
para alguns povos indígenas o Sol e a Lua são considerados sagrados,
para os hindus, a vaca é um animal digno de idolatria, os judeus
não cultuam deuses, mas têm seus dogmas, assim como os budistas,
que transformam todo o universo em entidade sagrada.
Juntamente com o desenvolvimento do pensamento sagrado, são
criados os “locais sagrados”, templos, igrejas, sinagogas, terreiros, mesquitas, os céus, que são os lugares estabelecidos para as celebrações,
as homenagens, os sacrifícios, enfim são os lugares em que as pessoas
se reúnem ou aos quais se dirigem mentalmente, para reafirmarem
suas crenças, celebrarem seus rituais. Observe que para algumas religiões,
em alguns momentos históricos, esses locais tornam-se verdadeiros
símbolos de poder, como as catedrais medievais.

O que são os rituais?
Os rituais são atos repetitivos, que rememoram o acontecimento
inicial da história sagrada de determinada cultura. É fundamental na
celebração do ritual que as palavras e os gestos sejam sempre os mesmos,
pois trata-se de uma reafirmação dos laços entre os humanos e
os deuses. Quem já presenciou uma cerimônia de casamento da Igreja
Católica conhece de antemão as palavras e os gestos que serão ditos
e praticados pelo padre e pelos noivos. Trata-se de um ritual de passagem,
da vida de solteiro para a vida de casado. Os rituais são realizados
para agradecermos graças recebidas, para pedirmos ajuda, para
desculpar-nos por atos considerados incorretos, assim como para sermos
aceitos numa religião, ou nos despedirmos da vida.
Outra importante característica das religiões são os dogmas – verdades
irrefutáveis que são mantidas pela fé. Um dogma jamais pode
ser questionado, ou colocado em dúvida. Por exemplo: a transformação
do vinho e do pão em sangue e corpo de Cristo.
Este conjunto de símbolos sagrados, que inclui o pensamento religioso,
somado aos locais e rituais sagrados formará um sistema religioso,
ou uma religião.

São muitas as definições propostas a este termo. Por tratar-se de um
aspecto ao mesmo tempo amplo, multifacetado e que envolve a subjetividade
humana, torna-se quase impossível chegar-se a algum consenso.
No entanto, escolhemos para este texto uma pequena definição
de Peter Berger, sociólogo norte-americano:

“a religião é uma obra humana através da qual é construído
um cosmo sagrado” (BERGER apud FILORAMI&PRANDI, 1999: p.267).

Em sua definição, Berger contempla tanto o aspecto transcendental
quanto o cultural (obra humana).
Prosseguindo nesse raciocínio, cabe a explicação etimológica da
palavra religião. A partir de um pensamento de Santo Agostinho o qual
nos propõe que liguemos nossa alma a um único Deus, temos hoje a
associação da palavra religião a “religar”. Ligar o que a quê? Ligar o
mundo sobrenatural, sagrado, ao mundo humano, ou profano, fazer-nos
crer (e este é um aspecto fundamental da religião: a fé), que nós mortais
não estamos sozinhos no universo, que há um sentido para a vida, e que
cabe a cada um de nós tentarmos descobrir a que viemos.

Em resumo, consideramos que esta seja uma das formas de compreendermos
o pensamento religioso:
A religião como uma forma de alimento às nossas esperanças, como
uma força que nos impulsiona em direção a construção daquilo
que consideramos justo, ético e ideal. A crença de que em última instância,
algo ou alguém irá nos socorrer, que não estamos abandonados
à própria sorte, pode nos dar a força necessária para prosseguirmos
em nossa aventura pela vida! A religião pode também nos ensinar a conviver com nossos conflitos interiores e aceitarmos o que é inevitável,
caso contrário, a vida se tornará inviável. Talvez elevar o pensamento
ao Céu possa colocá-lo à altura de nossos desejos.
Mas por que estudar a religião, e suas várias manifestações?
Antes de tudo porque não vivemos isolados no mundo. Estamos
em contato contínuo com as mais diversas culturas do planeta! Já há
muito tempo a antropologia nos alertou sobre os riscos e os prejuízos
que o pensamento etnocêntrico causaram à humanidade. Quantas
culturas arrasadas, quantos povos destruídos e dominados em virtude
da ignorância e da arrogância de outros, mais poderosos economicamente.
Hoje, é inadmissível termos este tipo de atitude, qual seja, a
de olharmos com superioridade para povos com culturas diferentes da
nossa, julgarmos como inferiores comportamentos culturais que nos
parecem “estranhos” ou exóticos. Conhecer as diferentes religiões que
se espalham por nosso país e pelo mundo afora, possibilita-nos abrirmos
os olhos para o mundo, ou melhor, conhecermos outras dimensões
para se compreender e explicar a vida e o universo. Veremos que
o mundo é muito maior do que imaginamos e muito mais fascinante
depois de conhecermos as histórias que buscam dar significado às
nossas existências.
Uma segunda forma de compreensão do pensamento religioso é percebêlo
como instrumento de dominação, de intolerância, e que ao extremo pode
chegar ao fanatismo religioso.
No Brasil, temos hoje o respeito e a tolerância pelas mais diversas
religiões. Não somos obrigados a seguir uma única religião, como
ocorre em alguns países. Inclusive a Constituição Nacional nos assegura
a liberdade de credo e de culto segundo o art.5º, cap.I, inciso VI.
Isso significa que, ao nascermos, quase sempre seguimos a religião de
nossa família, mas que ao longo da vida podemos escolher uma nova
religião, ou mesmo optarmos pelo ateísmo.
Essa conquista, no entanto, foi obtida por meio de muita luta e de
muita opressão. Relembrando um pouco da história de nosso país, vamos
chegar aos povos nativos que aqui habitavam. Estes povos, assim
como ocorre em todas as sociedades “primitivas”, tinham o pensamento
religioso como eixo central de suas vidas, o sagrado permeando todas as
relações e explicando todos os acontecimentos da comunidade. Tinham
portanto, seus deuses, seus rituais, que davam significado à sua existência.
A chegada dos europeus, povos de tradição católica, na condição de
colonizadores, provocou um verdadeiro massacre cultural.
Os padres jesuítas, representantes do catolicismo, iniciaram, no Brasil,
na primeira metade do século XVI, sua obra de catequização, impondo
novos valores e uma visão de mundo aos curumins, que em nada
correspondiam à cultura daqueles povos.

A visão eurocêntrica fazia-os crer que os indígenas, apesar de estarem
situados numa escala inferior de humanidade, se comparados aos
europeus, ainda assim poderiam ser cristianizados e salvos com intervenção
de um religioso que lhes encaminhasse para a fé.
Logo em seguida, com o processo de colonização, povos africanos
foram trazidos como escravos e consigo carregam também seus cultos,
suas crenças, seus rituais, enfim sistemas religiosos estruturados
há muito tempo. No Brasil, essas pessoas foram tratadas como mercadorias,
como coisas, e portanto, suas crenças também foram desprezadas,
ou pior, proibidas. Mais tarde houve a vinda de outros povos
europeus e asiáticos que imigraram em busca de terras e trabalho. Junto
com seus sonhos, trazem também suas religiões, as quais buscaram
preservar, como forma de manterem-se unidos e mais fortes numa terra
tão estranha a seus hábitos culturais.
No entanto, mesmo com todas essa variedade religiosa, as leis brasileiras
declaravam o catolicismo como a religião oficial do país. Aliás,
a Igreja Católica, no Brasil sempre teve um poder muito grande, não
somente em seu âmbito, mas também nas questões políticas nacionais
e regionais. Até o advento da República, Estado e Igreja legislavam
em conjunto, decidindo os rumos da nação. Ainda no período Vargas
(1930 – 1945), vamos encontrar fortes influências dos chamados setores
católicos na política nacional.

Mas por que a Igreja Católica possui tanto poder?
A origem deste poderio da Igreja Católica pode ser encontrado no
fim do Império Romano do Ocidente, com a legalização do cristianismo
no ano 313. A partir daí, o progresso do cristianismo se acelerou, chegando ao seu auge na Idade Média européia. Nesse período da história,
a Igreja Católica reinou absoluta, decidindo os destinos dos reinos
e dos indivíduos. Todos eram obrigados a professar a mesma religião,
e aqueles que não obedecessem seriam duramente castigados.
Foi um tempo de muito terror e mentiras. Qualquer ato ou sinal que
contrariasse os rígidos preceitos da Igreja eram considerados heresia
ou feitiçaria, motivos para perseguições e castigos.

A Inquisição era um verdadeiro
tribunal que julgava e
condenava as pessoas que
considerava hereges. Qualquer
um que questionasse as
idéias e as práticas da Igreja
poderia ser levado aos tribunais
do Santo Ofício.

Muitos séculos se passaram, e somente no século XVI, veremos o
poder da Igreja Católica ser abalado, com o Movimento da Reforma
Religiosa. A Reforma constituiu-se num rompimento da Igreja Católica
e teve como conseqüência religiosa o surgimento de novas igrejas
– conhecidas como protestantes (luteranismo, calvinismo). O conflito
tem início quando Martinho Lutero (1484–1546), monge alemão rompe
com o Papa porque discordava de algumas práticas da Igreja, como
a venda de indulgências, de relíquias e cargos.
A partir do Iluminismo, teremos o acirramento do conflito entre ciência
e religião. Galileu Galilei (1564–1642) foi obrigado pela Igreja a
negar sua teoria (heliocentrismo), caso não desejasse sofrer as penas
da Inquisição. O Iluminismo introduziu formas inéditas de ver o mundo,
que até então era percebido somente em termos religiosos, e esta
nova visão estava associada a uma nova classe social que se insurgia
contra o poder aristocrático. Neste período (séc.XVIII), a religião está
associada ao poder aristocrático. Portanto, é fácil perceber que a luta
contra o pensamento religioso transformou-se numa luta política, contra
os representantes deste pensamento conservador.
É neste contexto histórico (séc.XIX), que alguns teóricos da Sociologia
iniciam seus estudos sobre a religião. Karl Marx (1818 -1883), Émile Durkheim (1858 -1917) e Max Weber(1864 -1920) mais uma vez
nos auxiliam nesta tarefa da Sociologia de analisar contextualmente e
desnaturalizar as relações sociais. Chegam a conclusões distintas em
suas análises e reflexões sobre as funções da religião nas sociedades.
No entanto, num aspecto é possível observar a convergência entre os
três pensadores: são unânimes em anunciar o previsível fim da religião.
Afirmam que com o desenvolvimento das sociedades industriais,
a religião tenderia a perder espaço para outras atividades sociais. Ou
seja, a modernização e a industrialização levaria ao que a Sociologia
denomina de processo de secularização.
É!! Parece que se equivocaram! Caso contrário não estaríamos neste momento
gastando nossas horas com esse estudo.
Para Durkheim, a religião teria a função de fortalecer os laços de
coesão social, e contribuir para a solidariedade dos membros do grupo.
Por isso, as cerimônias e os rituais ganham uma grande importância,
uma vez que são estes momentos que possibilitam o encontro dos
fiéis e a reafirmação de suas crenças. Durkheim iniciou e baseou suas
análises em uma pesquisa realizada com os povos aborígenes australianos,
na qual abordava a prática do totemismo. Um totem é um objeto
sagrado, um símbolo do grupo, venerado nas cerimônias ritualísticas. Pode
ser uma planta, um animal, ou objeto, que por possuir, em sua origem, um
significado especial para o grupo, adquire o caráter de sagrado. A utilização
do termo Totem está restrito às religiões chamadas “elementares”
ou simples. Reafirmando, podemos concluir que para Durkheim, a religião
possui unicamente a função de conservar e fortalecer a ordem
estabelecida. De forma alguma pode ser associada a questões de poder
político ou ideológico.

“A secularização representa
o processo por meio do qual
a religião perde sua influência
sobre as diversas esferas
da vida social”. (GIDDENS,
2005, p. 437)


Marx muitas vezes foi citado como um crítico mordaz da religião,
devido principalmente à sua famosa frase: “a religião é o ópio do povo”
(MARX, 1991: 106). Mas veremos que isto não é bem assim. Marx foi um
grande pensador e crítico do sistema capitalista. Suas análises e críticas
estão focadas no lucro, na mais-valia, na divisão da sociedade entre
burguesia e proletariado, na luta de classes. Portanto, suas principais
preocupações estavam focadas nas condições materiais das vidas
das pessoas, na concretude do sistema. Para ele, a forma como a sociedade
se organiza para produzir os seus bens materiais, ou seja, a forma de organização do trabalho vai exercer forte influência sobre a forma
como as pessoas pensam. Este pensar é representado pelo conjunto de
valores e conhecimentos impostos pelo Estado e pela religião. Em seu
texto “A questão judaica”, escrito em 1844, Marx discute a respeito do
papel desempenhado por estas instituições no sentido de controlarem
e modelarem o pensamento social.
Para Marx, a sociedade civil só terá condições de alcançar a liberdade,
ou a “emancipação humana” quando tiver condições de participar
efetivamente das decisões políticas do Estado, e por conseguinte
alcançar a verdadeira democracia. Mas atenção! Entenda-se democracia
não somente em sentido político/eleitoral, como nos ensinaram os
liberais do século XVIII, mas sim em seu sentido pleno, como igualdade
na distribuição dos bens socialmente produzidos e materializados na forma
de direitos sociais.
Por esse motivo, podemos afirmar que para Marx, a grande transformação
deveria acontecer no modo da sociedade produzir e distribuir
seus bens, assim como na presença de um Estado que atendesse
aos interesses coletivos, pois uma vez construída uma sociedade justa
e igualitária, não haveria mais necessidade das pessoas sonharem com
um mundo ideal, ou um paraíso. “Ópio do povo” significa que o povo
projeta em seus deuses e no mundo sobrenatural a vida que deseja ter
aqui na Terra. Esta forma de pensar leva à resignação, a aceitação das
condições de nossa vida como um destino que não pode ser modificado.
Mas Marx demonstra grande compreensão pela manifestações religiosas
quando afirma: “a religião é o coração
de um mundo sem coração” (MARX, 1991:106), ou
seja, a religião é o único refúgio, o único consolo
para aqueles a quem a vida é muito dura
e ingrata. Essa é mais uma forma de compreendermos a
religião. Que nos leva à acomodação, à submissão,
à aceitação de nosso lugar na sociedade sem questionamentos
como nos sugere o ensinamento “é
mais fácil um camelo passar num buraco da agulha
que um rico entrar no reino dos céus”.



Weber foi um grande estudioso da religião. Empreendeu análises
comparativas entre as religiões orientais e ocidentais, com o objetivo
de compreender as razões do desenvolvimento do capitalismo na Europa.
Concluiu que o mundo oriental não oferecia condições para este
tipo de organização econômica devido aos seus sistemas religiosos
(que veremos adiante), os quais pregavam valores de harmonia com o
mundo, de passividade em relação às condições de existência, ao contrário
das religiões cristãs que incentivavam o trabalho e a prosperidade.
Em sua obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, Weber
desenvolve um interessante estudo em que demonstra o quanto
os protestantes (em especial os calvinistas) contribuíram para o desenvolvimento
do capitalismo. Esses possuíam um forte espírito empreendedor
baseado na crença de que com o trabalho estariam servindo a
Deus. O enriquecimento e o sucesso material eram sinais de favorecimento
divino.
Esses são, portanto, três possíveis olhares sociológicos sobre a instituição
religiosa.
Como já comentamos anteriormente, saber da existência e conhecer
outras religiões, além de ampliar nosso universo cultural e nos
ensinar a respeitar a diversidade cultural, leva-nos principalmente a
compreender melhor nossa própria religião. Sim, porque só nos percebemos
como construtores de cultura na medida em que conhecemos a
cultura do outro. Quando só conheço o meu mundo este se torna “natural”,
ou o único possível!
Importa ressaltar, antes de conhecermos o quadro das religiões, a
existência de uma postura filosófica denominada Ateísmo. Surge na antigüidade
greco-romana e ganha maior espaço à partir do século XVIII,
com o surgimento das teorias anarquistas, liberais e socialistas. Consiste
na total ausência de explicação divina para a vida.
Vamos, em seguida, apresentar as principais religiões que podemos
encontrar espalhadas por todo o mundo. Apenas citaremos e apontaremos
algumas características de cada uma delas. O interesse e a curiosidade
de vocês poderá levar à pesquisa e ao aprofundamento sobre
o assunto.
Religiões originárias do Extremo-Oriente
Taoísmo
Baseia sua doutrina num livro chamado “Tao Te Ching” – o livro do
Tao (ordem do mundo) e do Te (força vital), escrito presumivelmente
pelo filósofo chinês Lao Tsé, no séc. VI a. C. O Taoísmo prega a passividade
para se alcançar o Tao, ao contrário do confucionismo que propõe
o conhecimento. Para Lao Tsé, o mundo ideal era aquele das antigas
aldeias, onde a simplicidade e a ingenuidade criariam as condições
propícias para o perfeito equilíbrio entre o Tao e o Te.


Xintoísmo
Trata-se da antiga religião oficial do Japão. Originariamente não
possuía um fundador, doutrinas nem dogmas. Estrutura-se por intermédio
de um conjunto de mitos e ritos que estabelecem o contato com
o divino e explicam a origem do mundo, do Japão e da família imperial
japonesa. O universo xintoísta é povoado por milhares de deuses,
denominados kamis – que se manifestam na forma de rios, montanhas,
flores, seres humanos, animais, etc. Kami também pode ser traduzido
por espírito, sendo o culto aos ancestrais uma das práticas mais importantes
do xintoísmo.

Hinduísmo
São surpreendentes a permanência no tempo e a complexidade
desta religião, que perdura há aproximadamente 6 mil anos, e compõe-
se de tão grande variedade de cultos e práticas religiosas, que
pode ser considerada como um grande conjunto formado por várias
pequenas religiões. Mas algumas características unem todos os hinduístas,
quais sejam: o sistema de castas, a adoração às vacas e a crença
no carma. A organização da sociedade em castas parte do princípio de
que os indivíduos vêm ao mundo já ocupando um lugar na hierarquia
social, como resultado de suas encarnações nas vidas passadas. Portanto,
este deve cumprir com resignação a função que lhe coube, porque
um viver com pureza pode resultar como “prêmio”, uma vida futura
numa casta superior. As quatro castas do hinduísmo são: 1º. – os
sacerdotes (brâmanes), 2º. – guerreiros, 3º. – agricultores, comerciantes
e artesãos e 4º. – os servos. Um quinto grupo que não é considerado
casta são os párias. Cada casta tem suas próprias regras de condutas e
suas próprias regras religiosas.
A vaca é considerado um animal sagrado, um símbolo da vida, porque
ela supre tudo que é necessário à sobrevivência humana, portanto,
não é permitido matá-la.

Budismo – criado na Índia, pelo príncipe Sidarta Gautama
O Buda (o iluminado), por volta do séc.
VI a.C.. Este é tratado pelos adeptos do budismo
como um guia espiritual, e não um deus.
Importa ressaltar que Buda era absolutamente
contra o sistema de castas existente na Índia.
Segundo o budismo, o ser humano está
condenado à reencarnação após cada morte,
e a enfrentar novamente os sofrimentos do
mundo (lei do carma). Para encerrar este constante
ciclo, deve-se buscar o estado da perfeita
iluminação, ou nirvana. Este estado é alcançado
por intermédio da meditação e da contemplação, que corresponde à negação dos desejos – fonte de todos os
sofrimentos.

Confucionismo
Foi a doutrina oficial da China durante quase dois mil anos (do séc.II
ao início do séc. XX). Criada pelo filósofo Confúcio (Kung Fu Tzu), seus
ensinamentos apontam no sentido da busca do caminho do Tao – que seria
o equilíbrio e a harmonia entre o universo, a natureza e o indivíduo.
Para alcançar este caminho é necessário o conhecimento e a compreensão,
os quais são obtidos por meio do estudo do passado, da tradição. A
respeito da vida após a morte, Confúcio não ousava comentar, uma vez
que ainda não havíamos compreendido o que é a vida na Terra.

Religiões de origem africana
Citaremos aqui somente as principais religiões afro-brasileiras presentes
hoje no Brasil, não esquecendo de que, na África, encontraremos uma
grande variedade de religiões – as religiões tradicionais ou tribais.

Candomblé
Originário da África, o candomblé chegou ao Brasil junto com os
primeiros escravos africanos, entre os séc. XVI e XVII. Seus deuses
são chamados de Orixás e representam as principais nações africanas
de língua iorubá. Suas cerimônias são realizadas em língua africana,
acompanhadas de cantos e sons de atabaques. Como esta forma de religião
era proibida no Brasil, seus adeptos associaram seus deuses a
santos católicos, criando o que se conhece como sincretismo religioso.
Os deuses do candomblé dão proteção às pessoas, mas não determinam
como essas devem agir, e não castigam caso essas cometam algo
considerado incorreto para a sociedade.

Umbanda
É uma religião brasileira, resultado da
fusão de duas religiões africanas: a cabula
e o candomblé, e de crenças européias.
O universo para os umbandistas é
habitado por entidades espirituais – os
guias, que entram em comunicação com
as pessoas por intermédio dos iniciados,
ou médiuns. Os guias assumem formas
como o caboclo, a pomba-gira, o preto
velho e outros. A umbanda se propagou
por todas as regiões do Brasil, e é freqüentada
por pessoas de todas as classes
sociais e todas as origens étnicas.

Religiões originárias do Oriente-Médio
As religiões comentadas abaixo adotam a prática do monoteísmo,
ou seja, o culto a um único Deus.

Judaísmo
É a mais antiga da três grandes religiões monoteístas, sendo suas
origens encontradas há aproximadamente 1.OOO anos a.C. A palavra
judeu deriva de Judéia, parte de uma região do antigo reino de Israel.
Os judeus crêem num único Deus, onipotente, o qual estabeleceu com
eles um pacto, uma aliança. Por isso, consideram-se “o povo escolhido
por Deus”. O livro sagrado dos judeus é a Bíblia judaica, ou Torá, que
corresponde ao Antigo Testamento dos cristãos, porém organizada de
uma forma um pouco diferente.
A vida dos judeus é regida por normas rígidas estabelecidas por
Deus. O não-cumprimento dos deveres com Deus e com seus semelhantes
implicará em castigos divinos.

Cristianismo
Tem origem no séc.I, na região ocupada
hoje pelos atuais Estados de Israel e territórios
palestinos. Seus primeiros adeptos são os seguidores
de Jesus Cristo e de seus apóstolos.
A doutrina cristã nos ensina que Deus envia à
Terra, seu filho Cristo – o salvador, o qual foi
morto a favor dos homens que estavam distanciado-
se de Deus. Na sua ressurreição Jesus
oferece às pessoas a possibilidade de salvação
eterna após a morte, caso essas aceitem seguir
seus preceitos de amor a Deus e aos seus semelhantes.
O cristianismo segue a Bíblia, que
se divide em Antigo e Novo Testamento. Algumas
vertentes do cristianismo são apresentados
a seguir:
Igreja Católica Romana
Igreja Ortodoxa
Igreja Anglicana
Igreja Luterana
Igreja Presbiteriana
Igreja Metodista
Igreja Batista

Igreja Pentescostais: Congregação Cristã no Brasil
Assembléia de Deus
Evangelho Quadrangular
Deus é Amor
Igrejas Neopentecostais: Igreja Universal do Reino de Deus, entre outras.
Cristianismo de fronteira: Mórmons
Adventistas
Testemunhas de Jeová
Islamismo
Sua origem baseia-se nos ensinamentos do profeta Maomé, assim
como ocorre com o cristianismo. A palavra islã significa submeter-se.
Seu deus é chamado Alá, e seus seguidores são conhecidos como muçulmanos
(em árabe Muslim, aquele que se subordina a Deus). O livro
sagrado do islamismo é o Alcorão, sendo seus principais ensinamentos:
onipotência de Deus e a necessidade de bondade, generosidade e justiça
entre as pessoas. A maioria dos muçulmanos está concentrada no
norte e no leste da África, no Oriente Médio e no Paquistão.
Após elencarmos todo este numeroso rol de religiões e suas subdivisões
em igrejas, que alíás não termina aqui, se você pesquisar, certamente
encontrará outras ramificações destas religiões ou seitas isoladas
e provavelmente você ficará surpreso com a quantidade e a diversidade
de manifestações religiosas existentes no mundo. Este quadro constitui-
se no que se chama de pluralismo religioso,
e certamente nos coloca importantes
questões sociológicas, que não poderão ser
aprofundadas neste momento, mas sobre
as quais vale a pena pensar:
A lógica do mercado que nas últimas décadas
do século XX invadiu todas as esferas
da vida humana nas sociedades capitalistas
não poupou as religiões. Por isso, temos
que estar atentos aos “espertalhões”, que se
aproveitam dos sofrimentos e falta de perspectivas
das pessoas para vender sua “mercadoria”
e ganhar adeptos que favorecerão
seus “negócios”.
O desenvolvimento industrial levaria a uma
perda da influência das religiões, diziam os
teóricos do séc. XIX. A ciência avançou vertiginosamente
no último século, e as religiões,
por sua vez, ganharam uma abrangência e diversidade
nunca antes conhecidas. É importante
observar o papel dos meios de comunicação
na difusão de mensagens religiosas,
que chegam prontas em nossas casas.

Não importam suas crenças religiosas, não importa se você é ateu.
Mas importa que você não espere o mundo acabar para lembrarse
da experiência da vida, do presente, que se acaba e recomeça a
cada dia.

Sugestões de filmes:
“A letra escarlate”,1995,E.U.A,direção: Roland Joffé
“Em nome de Deus”, 2002,Inglaterra, direção: Peter Mullan
“Lutero”, 2003, Alemanha/E.U.A, direção: Eric Till
“O corpo”, 2001, E.U.A., direção: Jonas MC Cord
“Tenda dos Milagres”, 1977, Brasil, direção: Nelson Pereira dos Santos
“O nome da Rosa”, 1986, Alemanha/França/Itália, direção: Jean Jacques Annaud.
“A missão”, 1986, Inglaterra, direção: Roland Joffé
Referências:
ALVES, R. O que é religião. 17 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1998.
DURKHEIM, É. Religião e conhecimento In: Sociologia. 2ª ed. São Paulo: Ática,1981.
FILORAMO,G.; PRANDI,C. As ciências das religiões. São Paulo: Paulus,1999.
GAARDER, J.; HELLERN,V.; NOTAKER, H. O livro das religiões. São Paulo: Companhia das Letras,
2005.
GEERTZ, C. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
GIDDENS, A. Sociologia; 6ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.
MARX, K. A questão judaica. 2ª ed. São Paulo: Moraes, 1991.
MARX, K. Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel. In: A questão judaica. 2 ed. São Paulo: Moraes,
1991.
ORTIZ, R. Iluminismo e religião. In: Revista Religião e Sociedade. São Paulo: Vozes, mar/1986.
PRANDI, R. Mitologia dos orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
RAMINELLI,R. Imagens da colonização: a representação do índio de Caminha a Vieira. Rio de Janeiro:
Zahar,1996.
WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo.15ª ed. São Paulo: Biblioteca Pioneira
de Ciências Sociais. 2000.

AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS NA COMPREENSÃO DO PRESENTE

Muito bem. Segundo os pensadores de tempos
atrás...”
Nossa! Espere um pouco... Tempos atrás?
Essa moçada já não foi para o “andar de cima”?
Como é que eu posso pensar o meu mundo
hoje a partir de quem só viu o passado?
É possível?
Vamos ver se podemos...

Vamos começar por August Comte (1798-1857), pois foi ele quem
criou o termo “sociologia” a partir da organização do curso de Filosofia
Positiva em 1839.
O que desejava Comte com esse curso? Ele pretendia fazer uma
síntese da produção científica, ou seja, verificar aquilo que havia sido
acumulado em termos de conhecimento bem como os métodos das ciências
já existentes, como os da matemática, da física e da biologia. Ele
queria saber se os métodos utilizados nessas ciências, os quais já haviam
alcançado um “status” de positivo, poderiam ser utilizados na física
social, denominada, por ele de Sociologia.
Este pensador era de uma linha positivista, o que quer dizer que
acreditava na superioridade da ciência e no seu poder de explicação
dos fenômenos de maneira desprendida da religiosidade, como era comum
se pensar naquela época. E tem mais... como positivista ele acreditava
que a ciência deveria ser utilizada para organizar a ordem social.
Na visão dele, naquela época, a sociedade estava em desordem, orientada
pelo caos. Devemos considerar que Comte vislumbrava o mundo
moderno que surgia, isto é, científico e industrial, e a crise gerada por
uma certa anarquia moral e política quando da transição do sistema
feudal (baseado nas atividades agrárias, na hierarquia, no patriarcalismo)
para o sistema capitalista (baseado na indústria, no comércio, na
urbanização, na exploração do trabalhador). Era essa positividade (instaurar
a disciplina e a ordem) que ele queria para a Sociologia.
Assim sendo, quando Comte pensava a Sociologia, era como se fosse
numa “criança” sendo gestada, na qual colocava toda sua crença de
que poderia estudar e entender os problemas sociais que surgiam e reestabelecer
a ordem social e o progresso da civilização moderna. Ele
queria que a Sociologia estudasse de forma aprofundada os movimentos
das sociedades no passado para se entender o presente e, inclusive,
para imaginar o futuro da sociedade.
Percebeu? Olhando o passado para compreender o presente.
Os do “andar de cima”, e não só eles, nos ajudarão a ver melhor
o mundo que vivemos hoje.
Comte via a consolidação do sistema capitalista como sendo algo
necessário ao desenvolvimento das sociedades. Esse novo sistema,
bem como o abandono da teologia para explicação do mundo seriam
parte do progresso das civilizações. Já, os problemas sociais ou desordens
que surgiam eram considerados obstáculos que deveriam ser resolvidos
para que o curso do progresso pudesse continuar.
Portanto, a Sociologia se colocaria, na visão deste autor, como uma
ciência para solucionar a crise das sociedades daquela época. Mas
Comte não chegou a viabilizar a sua aplicação. Seu trabalho apenas
iniciou uma discussão que deveria ser continuada, a fim de que a Sociologia
viesse a alcançar um estágio de maturidade e aplicabilidade.

Você já reparou no lema da nossa bandeira? Tem alguma relação
com o pensamento de Comte? O Brasil pode ser visto como uma sociedade
que orienta-se pelo cumprimento da “Ordem e Progresso” inscritos
na nossa bandeira?
ATIVIDADE
Um pouco de História do Brasil: A Bandeira Nacional.
Símbolo nacional idealizado por Raimundo Teixeira Mendes e Miguel Lemos,
baseada na antiga bandeira do Brasil Império. Ela tremulou pela primeira
vez no dia 19 de novembro de 1889, na cidade do Rio de Janeiro.
Este dia ficou marcado como sendo o da sua adoção oficial. E hoje vemos
em nossos calendários que todo 19 de novembro é comemorado o dia da
bandeira.
Bordada em pano de algodão suas estrelas foram projetadas por um
astrônomo. A inscrição ao centro substituiu o símbolo da “coroa” e foi um
resumo feito por Miguel Lemos, um de seus idealizadores, com base em
princípios positivistas de ordem e progresso.
Acervo Icone Audiovisual
Continuando o trabalho iniciado por Comte, o de fazer da Sociologia
uma ciência, numa visão positiva, surge nessa história o sociólogo
francês Émile Durkheim (1858-1917). Dar à Sociologia uma reputação
científica foi o seu principal trabalho.
É a partir desse pensador que a Sociologia ganha um formato mais
“técnico”, sabendo o que e como ela iria buscar na sociedade. Com métodos
próprios, a Sociologia deixou de ser apenas uma idéia e ganhou
“status” de ciência.
Durkheim presenciou boa parte das transformações mundiais, como
a invenção da eletricidade, do cinema, dos carros de passeio, entre
outros. No seu tempo, havia um certo otimismo causado por essas
invenções, mas Durkheim também percebia entraves nessa sociedade
moderna: eram os problemas de ordem social.
E uma das primeiras coisas que ele fez foi criar regras que fizessem
com que a Sociologia fosse capaz de estudar os acontecimentos sociais
de maneira semelhante ao que faz a Biologia quando olha para uma
célula, por exemplo.
Falando em Biologia, nota-se que o seu objeto de estudo é a vida
em toda a sua diversidade de manifestações. Esta ciência caracteriza-se
por um conjunto de processos organizados e integrados, fruto da interação
entre seus elementos constituintes e destes entre si e com o meio no qual estão inseridos. As pesquisas dos fenômenos da natureza feitas
pela Biologia são resultantes de várias observações e experimentações,
manipuláveis ou não.
Já para a Sociologia, manipular os acontecimentos sociais, ou repeti-
los, é muito difícil. Por exemplo, como poderíamos reproduzir uma
festa ou um movimento de greve “em laboratório” e sempre de igual
modo? Seria impossível.
Os fatos sociais – objetos nas mãos
Mas Durkheim acreditava que os acontecimentos sociais poderiam
ser observados como coisas (objetos), pois assim, seria mais fácil de
estudá-los. Então, o que ele fez? Criou as regras que identificariam que
tipo de fenômeno poderia ser estudado pela Sociologia. A esses fenômenos
que poderiam ser estudados por uma ciência da sociedade ele
denominou de fatos sociais.
E as características dos fatos sociais são:
Coletivo ou geral – significa que o fenômeno é comum a todos os
membros de um grupo;
Exterior ao indivíduo – ele acontece independente da vontade individual;
Coercitivo – os indivíduos são “obrigados” a seguir o comportamento
estabelecido pelo grupo.

Para entender melhor, veja o exemplo de um fato social: o casamento
As pessoas pensam, em um dia, se casar. Salvo algumas exceções, pois não pensamos todos da
mesma forma, certo? Mas se fizermos uma pesquisa, veremos que a grande maioria das pessoas
deseja se unir a alguém.

Então podemos dizer que o casamento é um fato coletivo ou geral, pois
existe pela vontade da maioria de um grupo ou de uma sociedade.
Mas ainda que alguém não
queira se casar, a grande maioria
das pessoas vai continuar querendo,
não é mesmo?
Isso significa que o fato social “casamento”
é exterior ao indivíduo. O que
quer dizer que ele não depende de uma
pessoa, apenas, para existir ou não. Ele
precisa da adesão da maioria.

Outra coisa. Não é verdade que os mais velhos ficam nos “incentivando”
a casar? “Não vá ficar pra titia, heim!”, “Onde já se viu! Todo
mundo, um dia, tem que se casar!”. Com certeza você já ouviu alguém
dizendo isso.
Pois é. Esses dizeres nos levam a crer que o casamento também é
coercitivo, pois nos vemos “obrigados” a fazer as mesmas coisas que
fazem os demais membros do grupo ou da sociedade a que pertencemos.
Todo fato que reuna essas três características (generalização, exterioridade
e coerção) é denominado social, segundo Durkheim, e pode
ser estudado pela Sociologia. Quanto ao casamento, poderíamos estudar
e descobrir, por exemplo, quais fatores influem na decisão das
pessoas em se casarem e se divorciarem para depois se casarem novamente.
Perceba, então: Não apenas com o casamento...
Essas regras são da mesma maneira aplicadas ao trabalho, à escola,
à moda, aos costumes do nosso povo, à língua, etc.

Veja que interessante...
Para Durkheim, a sociedade só pode ser entendida pela própria sociedade.
As ações das pessoas não acontecem por acaso. A sociedadeas
influencia. Você concorda com isso? Veja o exemplo na página seguinte
e tire suas conclusões.

O Suicídio = Fato Social
O que leva uma pessoa a se suicidar? Loucura?
Durkheim utilizou sua teoria para explicar o suicídio. O que aparentemente
seria um ato individual, para ele, estava ligado com aquilo
que ocorria na sociedade.
Já vimos que esse pensador compreende a sociedade como um
corpo organizado. Assim como a Biologia que compreende o corpo
humano e todas suas partes em pleno funcionamento.
O médico Joaquim Monte, em seu livro “Promoção da qualidade de
vida” (1997) considera o corpo humano como sendo um “organismo
vivo concebido sob forma de uma estrutura que apresenta constituição
e função (um conjunto organizado de elementos bióticos de anatomia
e fisiologia). A estrutura do corpo humano representa a dimensão orgânica
da pessoa: a carne da qual somos constituídos (matéria orgânica
com suas características constitucionais e suas propriedades funcionais)
e que tem a potencialidade de reproduzir, nascer, maturar,
crescer, desenvolver, agir, adaptar, adoecer, sarar e morrer” (p. 257).
É de maneira semelhante que Durkheim entende a sociedade: com
suas partes em operação e cumprindo suas funções. E, caso a família,
a igreja, o Estado, a escola, o trabalho, os partidos políticos, etc.,
que são elementos da sociedade com funções específicas, venham a
falhar no cumprimento delas, surge no corpo da sociedade aquilo que
Durkheim chamou de anomia, ou seja, uma patologia. Assim, como no
corpo humano, se algo não funcionar bem, em “ordem”, significa que
está doente.
Dê uma olhada nas manchetes abaixo e reflita: o que leva esse fato
a ocorrer com muito mais freqüência no Japão do que aqui no Brasil,
ou em outro país?

Problemas financeiros e de saúde aumentam suicídios no Japão
23/07/2004 – 09h38 - data de publicação.
http://opt.zip.net/arch2004-07-18_2004-07-24.html - acesso em 20/mar/2005.

Nove morrem em suicídio coletivo no Japão
O5/02/2005 – 08h24 – data de publicação.
http://noticias.terra.com.br/mundo/interna/0%2C%2COI467123-EI294%2C00.html - acesso em 20/
Mar/2005




Andar em “desconformidade” com o que seria ideal na sociedade
pode ser sinônimo de suicídio no Japão. Não ser aprovado no vestibular
ou se endividar podem ser exemplos de “desconformidade” em
nossa sociedade.

A propósito desse tema, Durkheim verificou que existem três categorias
de suicídios. Analise-os:

Suicídio Altruísta: ocorre quando um indivíduo valoriza a sociedade
mais do que a ele mesmo, ou seja, os laços que o unem à sociedade
são muito fortes. Deixe-me lembrar você do ocorrido em 11 de
Setembro de 2001. Dois homens, considerados “loucos”, que pilotavam
aviões se chocaram contra o World Trade Center, em Nova
York, lembra? Para Durkheim, esses “loucos” poderiam ser classificados
como suicidas altruístas, pois se identificavam de tal forma
com o grupo Al Qaeda, ao qual pertenciam, que se dispuseram a
morrer por ele. Da mesma maneira aconteceu com os kamikases
japoneses durante a 2º Guerra Mundial (1939-1945) e que, de certa
forma, continua acontecendo com os “homens-bomba” de hoje.
Se você assistir ao filme “O Patriota”, com Mel Gibson, poderá ver
um exemplo de alguém que se dispôs a morrer por uma causa que
acreditava em relação ao seu país, no caso, a Inglaterra.

Suicídio Egoísta: se alguém se desvinculasse das instituições sociais
(família, igreja, escola, partido político, etc.) por conta própria, para
viver de maneira livre, sem regras, qual seria o limite para essa
pessoa, uma vez que ninguém a controlaria? Pois é, segundo
Durkheim, a falta de redes de convívio ou limites para a ação poderia
levar a pessoa a desejar ilimitadas coisas. Mas caso tal pessoa
não consiga realizar os seus desejos, a frustração poderia levá-la a
um suicídio.

Suicídio Anômico: este tipo pode acontecer quando as partes do corpo
social deixam de funcionar e as normas ou laços que poderiam
“abraçar”(solidarizar) os indivíduos perdem sua eficácia, deixandoos
viver de forma desregrada ou em crise. Um exemplo disso pode
ser pensado quando, na nossa sociedade, uma família abandona o
filho, ou o idoso, ou o doente.

E o mundo moderno para Durkheim?
O mundo, para esse autor, está em constante evolução, o que seria
caracterizado pelo aumento dos papéis sociais ou funções. Por exemplo,
para Durkheim, existem sociedades que organizam-se sob a forma
de um tipo de solidariedade denominada mecânica e outras sociedades
organizam-se sob a forma de solidariedade orgânica.
As sociedades organizadas sob a forma de solidariedade mecânica
seriam aquelas nas quais existiriam poucos papéis sociais. Segundo
Durkheim, nessas sociedades, os membros viveriam de maneira semelhante
e, geralmente, ligados por crenças e sentimentos comuns, o que
ele chama de consciência coletiva. Neste tipo de sociedade existiria pouco
espaço para individualidades, pois qualquer tentativa de atitude “individualista”
seria percebida e corrigida pelos demais membros.
A organização de algumas aldeias indígenas poderiam servir de
exemplo de como se dá a solidariedade mecânica: grupos de pessoas
vivendo e trabalhando semelhantemente, ligados por suas crenças e
valores. Nesses grupos, se alguém começasse a agir por conta própria,
seria fácil perceber quem estaria “tumultuando” o modo de vida local.
Outro exemplo que pode caracterizar a solidariedade mecânica são os
mutirões para colheita em regiões agrárias ou para reconstruir casas
devastadas por vendavais e, ainda, são exemplos também as campanhas
para coletar alimentos.
Diferentemente das sociedades organizadas em solidariedade mecânica,
nas sociedades de solidariedade orgânica – típicas do mundo
moderno - existem muitos papéis sociais. Pense na quantidade de tarefas
que pode haver nas áreas urbanas, nas cidades: são muitas as funções
e atividades. Durkheim acreditava que mesmo com uma grande
divisão e variedade de atividades, todas elas deveriam cooperar entre
si. Por isso, deu o nome de orgânica (como se fosse um organismo).
Mas, nessas sociedades, diante da existência de inúmeros papéis
sociais, é muito difícil “controlar” cada pessoa. A individualidade, sem
controle, passa a ser uma porta para que a pessoa pretenda aumentar,
ainda mais, o seu raio de ação ou de posições dentro da sociedade.
A anomia do mundo moderno, segundo Durkheim, seria esta: o
egoísmo das pessoas. E a causa desta atitude seria a falta de normas e
controle sobre a individualidade, normas e controle que nas sociedades
de solidariedade mecânica funcionam com maior eficácia.
Qual seria, então, a solução para o mundo moderno, segundo
Durkheim?
Já que ele compara a sociedade com um corpo, deve haver algo nela
que não está cumprindo sua função e gerando a patologia (a anomia, a doença). O corpo precisa de diagnóstico e remédio. Segundo
ele, a Sociologia teria esse papel, ou seja, o de encontrar as “partes”
da sociedade que estão produzindo fatos sociais patológicos e apontar
para a solução do problema. Neste caso, como estamos falando de
problemas de ordem moral, cabe à Sociologia apontar novos valores
para que a sociedade possa escolher aqueles que poderão ajudar a solucionar
os seus problemas.

Uma outra maneira de ver a sociedade...
O pensamento do sociólogo que estudaremos
a seguir vai em direção diferente ao que
vimos até agora. Max Weber (1864-1920), ao
contrário de Durkheim e Comte, acreditou na
possibilidade de interpretação da sociedade
“não olhando” para ela, mas sim, para o indivíduo
que nela vive, pois entendia que aquilo
que ocorre na sociedade seria a soma das ações
das pessoas.
Entendeu a diferença? Quem é que está certo?
Bem, nosso trabalho não é o de dizer a qual autor você deve se
apegar, mas sim em mostrar as diferentes maneiras de se pensar a sociedade.
Você é quem vai decidir com que ótica vai entender o que
acontece no seu grupo, no bairro e na sociedade. Weber desenvolve
a teoria da Sociologia Compreensiva, ou seja, uma teoria que vai tentar
entender a sociedade a partir da compreensão das ações dos indivíduos.
Partindo do individual, ele quer chegar ao todo, ao social, pois no
entendimento dele, não é o todo que faz com que as pessoas sejam
como são, mas sim as pessoas, individualmente, é que fazem a sociedade
existir e acontecer.
Uma crítica de Weber em relação a Comte e Durkheim, deve-se ao
fato de que eles pretendiam fazer da Sociologia uma ciência positiva, isto
é, com os mesmos métodos das ciências naturais. Segundo Weber, as
ciências naturais conseguem explicar aquilo que estudam (a natureza),
mas a ciência social não pode fazer isso totalmente. Para ele não há como
dizer que uma ação social sempre será de determinada forma.

O que a Sociologia pode fazer, então? Trabalhar para compreender
o sentido da ação do indivíduo. Propor um esquema de probabilidades
de ações, o que ele chama de tipos e, a partir daí, poder melhor
compreender a organização da sociedade.
Vamos tentar ver isso na prática...
Segundo Weber, as pessoas podem atuar de acordo com quatro tipos
básicos de ação social. São eles:

A ação racional: quando alguém age para obter um fim objetivo. Na
ação de um político, por exemplo, podemos ver um foco: o de obter
o cargo com o poder que deseja a fim de... Bom. Aí depende
do político.
Agora, “dando um tempo” nas teorias, veja o que Weber pensa sobre
a política: ele nos fala no livro Ciência e Política – Duas vocações
(2002), que há dois tipos de políticos que por nós são eleitos. Acompanhe:
a) Os políticos que exercem essa profissão por vocação, ou seja, os
que têm o poder como meta para trabalhar arduamente em prol
da sociedade que os elegeu. Podemos dizer, em concordância com
Weber, que estes são os que vivem para a política, certo?
b) E os que são políticos sem vocação, ou seja, que olham para a política
como se fosse um “emprego” apenas. São aqueles que, uma
vez eleitos, geralmente se esquecem dos compromissos sociais que
assumiram, pouco fazem pelo social, trabalham apenas para manter-
se no poder a fim de continuar ganhando o salário. Weber diz
que estes são os que vivem da política.
Bem. Fechados os parênteses teóricos, voltemos aos demais tipos
de ação.
Continuando, a ação racional ocorre porque as pessoas acreditam
em valores. Por esse tipo de ação podemos pensar as religiões. Ninguém
vai a uma igreja ou pertence a determinada religião, de livre
vontade, se não acredita nos valores que lá são pregados. Certo?

Na ação afetiva a pessoa age pelo afeto que possui por alguém ou
algo. Uma serenata pode ser vista como uma ação afetiva para
quem ama, não é mesmo?

A ação social tradicional é um tipo de ação que nos leva a pensar
na existência de um costume. O ato de tomar chimarrão ou pedir a
benção dos pais na hora de dormir são ações que podem ser pensadas
pela ação tradicional.

Agora, entendendo a sociedade por Weber...
Muito bem. A idéia de Weber para se entender a sociedade é a seguinte:
se quisermos compreender a instituição igreja, por exemplo,
vamos ter que olhar os indivíduos que a compõem e suas ações. Provavelmente
haverá outras pessoas que agem do mesmo modo, o que
resultaria no que Weber chama de relação social.
A existência da relação social dos indivíduos é que faz existir a instituição
chamada igreja. Weber sempre parte do indivíduo para compreender
o “porquê” da existência do todo, como neste próprio exemplo
da igreja.
Os tipos de ação, para Weber, sempre serão construções do pensamento,
que o sociólogo fará para se aproximar ao máximo daquilo
que seria a ação real do indivíduo nas circunstâncias ou no grupo em
que vive.
Por exemplo, se há alguém apaixonado que você conheça, qual seria
o tipo ideal de ação desta pessoa? A afetiva! Assim sendo, seria “fácil”
prever quais seriam as possíveis atitudes desta pessoa: mandar flores
e presentes, querer que a hora passe logo para estar com ela(e),
sonhar acordado e coisas do tipo. E assim poderíamos entender, em
parte, como se forma a instituição família. Uma coisa liga a outra.
Outro exemplo. Pode ser que alguém perto de você nem pense em
querer se apaixonar para não atrapalhar os estudos. Sua meta é a universidade
e uma ótima profissão. Então, o que temos aqui? Uma ação
racional! Para esta pessoa nem adiantaria mandar flores ou “torpedos”
certo? O que não significa que não possamos tentar, não é mesmo?

Quanto ao sistema capitalista e mundo moderno...
O que pensa Weber?
Veja que interessante. Segundo a lógica de pensamento de Weber,
o capitalismo teve parte de sua base inicial na ação social dos membros
que seguiam a ética protestante calvinista estudada por ele.
Os calvinistas tinham uma ética de vida voltada ao trabalho e à disciplina
muito forte, pois acreditavam que trabalho e sucesso seriam indícios
de que além de estarem glorificando a Deus estariam garantindo
sua salvação.
Na crença dos calvinistas, os homens já nascem predestinados à salvação
ou ao inferno. Assim sendo, como ninguém poderia fazer nada contra
o destino, para salvar-se, dedicavam-se a glorificar Deus pelo trabalho.
Com o passar dos tempos, essa idéia de que a predestinação e o
sucesso profissional seriam indícios de salvação da alma foi perdendo
força. Mas o interessante é que o trabalho disciplinado e a busca do
sucesso, diga-se, acúmulo de capital, continuaram a existir independente
da motivação religiosa. Isto resultou no aparecimento dos primeiros
capitalistas, segundo Weber.
Para Weber, ser capitalista é sinônimo de ser disciplinado no que
se faz. Seria pela grande dedicação ao trabalho que resultaria o sucesso
e o enriquecimento. Herança da ética protestante.
Mas por que os católicos e as outras religiões orientais não tiveram
parte nesta construção capitalista analisada por Weber?
Os católicos europeus não tinham a idéia da predestinação e não
viam o sucesso no trabalho como indícios de salvação e nem como
forma de glorificar a Deus, como faziam os calvinistas. Assim sendo,
sem motivos divinos para dedicarem-se tanto ao trabalho, não fizeram
parte da lista weberiana dos primeiros capitalistas. Ainda mais porque
a ética católica privilegiava o discurso da pobreza.
Quanto às religiões do mundo oriental,
a explicação seria de que essas tinham
uma imagem de Deus como sendo parte
do mundo, ao contrário da ética protestante
ocidental que o concebia como estando
fora do mundo e puro. Assim sendo, os
orientais valorizavam o mundo, pois Deus
estaria nele. O Budismo e o Confucionismo
são exemplos do que falamos. E daí a
idéia e a prática de não se viver apenas para
o trabalho, mas sim de poder aproveitar
tudo o que se ganha pelo trabalho com as
coisas desta vida, entende?
Em relação ao mundo moderno (científico), Weber demonstrava um certo pessimismo e não encontrava saída
para os problemas culturais que nele surgiam, assim como para a “prisão”
na qual o homem se encontrava por causa do sistema capitalista.
Antes da sociedade moderna, a religião era o que motivava a vida
das pessoas e dava sentido para suas ações, inclusive ao trabalho.
Mas com o pensamento científico tomando espaço como referencial
de mundo, certos apegos culturais – crenças, formas de agir – vindos
da religiosidade foram confrontados. O problema que Weber via era
que a ciência não poderia ocupar por completo o lugar que a religião
tinha ao dar sentido ao mundo.
Se, em contextos históricos anteriores, o trabalho poderia ser motivado
pela religião, como foi explicado anteriormente, e agora não é
mais, devido à racionalização do mundo, por que, então, o homem se
prende tanto ao trabalho?
Porque o sistema capitalista – da produção industrial em série e
da exploração da mão-de-obra – deixou o homem ocidental sem uma
“válvula de escape”. Preso, agora ele vive do e para o trabalho.
E para resolver tal crise? Weber não apresenta solução, apenas refletiu
sobre o problema sem demonstrar como poderia ser superado.


Para relembrar...
O Calvinismo tem sua origem
nas idéias protestantes
pregadas por João Calvino
(1509-1564) que, a exemplo
de Martinho Lutero (1483-
1546), fundador da Igreja
Luterana, romperam com os
ensinamentos da Igreja Católica.
Na intensa busca do conhecimento
bíblico, os calvinistas
tornaram-se altamente
moralistas (puritanos) e muito
disciplinados. Também criam
que os homens eram predestinados
à salvação.
Para lembrar...
Budismo: Sidarta Gautama – o
Buda – (563a.C-486a.C) foi
o fundador do Budismo, uma
religião e filosofia que surgiu
na Índia e que tem como moral
a preservação da vida e a
moderação, além de praticar o
ensino de boas ações, purificação
e treino da mente (meditação).
Os budistas não crêem
que há um Deus criador
de todas as coisas.
Para lembrar...
Confucionismo: Filosofia criada
pelo pensador chinês
Kung-Fu-Tzu – o Confúcio –
(551a.C – 479a.C). Tal filosofia
tem quatro pilares: a religião,
a política, a pedagogia
e a moral.

Seguindo para mais um clássico da Sociologia:
A crítica da sociedade capitalista.
Vamos falar agora de quem também viu a consolidação da sociedade
capitalista e fez uma forte crítica a ela. O alemão, filósofo e economista
Karl Marx (1818–1883), foi um dos responsáveis, se não o maior
deles, em promover uma discussão crítica da sociedade capitalista que
se consolidava, bem como da origem dos problemas sociais que este
tipo de organização social originou.

E veja, também, que interessante. Para ele “a história de todas as sociedades
tem sido a história da luta de classes”.
Mas como assim, lutas de classe? Quais são elas?
A burguesia versus proletariado.
Você se lembra que comentamos no primeiro “Folhas” como foi
que surgiu a chamada burguesia e porque ela ficou conhecida assim?
Pois bem, segundo Marx, a burguesia tomou posse dos meios de produção,
enriqueceu e também obteve o controle do Estado (o controle
político), o qual acabou transformando-se numa espécie de “escritório
burguês”, criando leis para proteger a propriedade privada (particular)
e manter-se no poder, bem como difundindo sua ideologia de classe,
isto é, os seus valores de interpretação do mundo.
Enquanto isso, a classe assalariada (os proletários), sem os meios
de produção e voz política na sociedade, transformavam-se em parte
fundamental no enriquecimento da burguesia, pois ofereciam mão-deobra
para as fábricas.
Marx se empenhava em produzir escritos que ajudasse a classe proletária
a organizar-se e assim sair de sua condição de alienação.
Alienado, segundo Marx, seria o homem que não tem o controle
sobre o seu próprio trabalho, em termos de tempo e em termos daquilo
que é produzido, coisa que o capitalismo faz em larga escala, pois
o tempo do trabalhador e o produto (a mercadoria) pertencem à burguesia,
bem como o lucro.

Ideologia:
Segundo Marx e Engels, o
termo se encaixa na tradução
de “falsa consciência”,
ou seja, um conjunto
de idéias falsas que justificavam
o domínio burguês
e camuflava a existência
da dominação desta classe
sobre a classe trabalhadora.



Falando em lucro...
O objetivo do sistema capitalista é justamente a acumulação de riquezas.
Mas de onde sai essa riqueza? Marx diria que é da força do trabalhador!
Veja um exemplo. Quantos sofás por mês um trabalhador pode fazer?
Vamos imaginar que sejam 15 sofás, os quais multiplicados a um
preço de venda de R$ 300,00 daria o total de R$ 4.500,00.
E quanto ganha um trabalhador numa fábrica? Imagine que seja uns
R$ 1.000,00, para sermos mais ou menos generosos.
Bem, os R$ 4.500,00 da venda dos sofás, menos o valor do salário
do trabalhador, menos a matéria-prima e impostos (imaginemos
R$ 1.000,00) resulta na acumulação de R$ 2.500,00 para o dono
da fábrica.
Esse lucro Marx chama de mais-valia, pois é um excedente que
sai da força de cada trabalhador. Veja, se os meios de produção pertencessem
a ele, o seu salário seria de R$ 3.500,00 e não apenas
R$ 1.000,00.
Então podemos dizer que o trabalhador está sendo roubado? Não
podemos dizer isso, pois o que aqui exemplificamos é conseqüência
da existência da propriedade privada e de os meios de produção nas
mãos de uma classe, a burguesia.

Para entender a sociedade, por Marx.
Devemos partir do entendimento de que as coisas materiais fazem
a sociedade acontecer. De outra maneira, seria dizer que tudo o que
acontece na sociedade tem ligação com a economia e que ela se transforma
na mesma medida em que as formas de produção também se
transformam. Por exemplo, com a consolidação do sistema capitalista,
toda a sociedade teve que organizar-se de acordo com os novos moldes
econômicos.
Marx também via o homem como aquele que pode transformar a
sociedade fazendo sua história, mas enfatiza que nem sempre ele o faz
como deseja, pois as heranças da estrutura social influenciam-no. Assim
sendo, não é unicamente o homem quem faz a história da sociedade,
pois a história da sociedade também constrói o homem, numa
relação recíproca. Entendeu?
Vamos tentar explicar melhor. As condições em que se encontram a
sociedade vão dizer até que ponto o homem pode construir a sua história.
Por essa lógica podemos pensar que a classe dominante, a burguesia,
tem maiores oportunidades de fazer sua história como deseja,
pois tem o poder econômico e político nas mãos, ao contrário da
classe proletária que, por causa da estrutura social, está desprovida de meios para tal transformação. Para modificar essa situação somente
por intermédio de uma revolução, pois assim a classe trabalhadora pode
assumir o controle dos meios de produção e tomar o poder político
e econômico da burguesia.
Para Marx, a classe trabalhadora deveria organizar-se politicamente,
isto é, conscientizar-se de sua condição de explorada e dominada
por meio do trabalho e transformar a sociedade capitalista em socialista
por intermédio da revolução.

Referências:
COMTE, Augusto. Sociologia [organização e tradução de Evaristo de Morais Filho] São Paulo: Ática,
1978.
DURKHEIM, Émile. Sociologia [organizador da coletânea: Albertino Rodrigues]. São Paulo: Ática, 1978.
_______________. Da divisão social do trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
_______________. As regras do método sociológico. Tradução. Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo:
Cia. Editora Nacional, 1974.
_______________. O suicídio. 6. Ed. Lisboa: Presença, 1996.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.
__________. O manifesto do partido comunista: Karl Marx e Friedrich Engels; tradução de Maria Lúcia Como:
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
__________. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
MONTE, Joaquim. Promoção da qualidade de vida. Curitiba: Letras, 1997.
SELL, Carlos Eduardo. Émile Durkheim. In.: Sociologia Clássica: Durkheim, Weber e Marx – 3ª ed. – Itajaí:
Ed. Univali, 2002.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 11ª.Ed. São Paulo: Pioneira, 1996.
___________. Ciência e Política: duas vocações – coleção: A obra-prima de cada autor. São Paulo: Martin
Claret, 2002.
___________. Sociologia [organizador da coletânea: Gabriel Cohn]. São Paulo: Ática, 1979.

Pesquisado em: http://www.estadao.com.br Acesso em: 19.03.05
Pesquisado em: http://www.wikipedia.org/ Acesso em 14.10.05