tag:blogger.com,1999:blog-58524491841327982912023-11-16T05:04:16.916-08:00CIÊNCIAS SOCIAIS - Educação, Cultura e SociedadeBlog criado para proporcionar textos relacionados à Filosofia e Sociologia aos alunos do ensino médio.Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.comBlogger34125tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-53534390228662603432013-11-01T13:50:00.004-07:002013-11-01T13:50:54.532-07:00 O PROCESSO DE DESUMANIZAÇÃO E COISIFICAÇÃO DO OUTRO<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><br />
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Pobreza e Exclusão<br />
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Não há evidências, na história, de que houve alguma sociedade igualitária. Havia idéias de distinção e de discriminação entre grupos sociais. Diferenças de sexo e idade onde grupos discriminados exerciam funções diferentes, tendo certa parcela de poder e determinados direitos e deveres. Na sua “evolução”, as sociedades foram se tornando mais complexas, onde membros não tinham iguais acesso a algumas vantagens como poder de decisão e a liberdade. Durante todo esse processo, tendência marcante foi a “diferença” crescente tornando complexa a sociedade, onde diferentes grupos formados passaram a se distinguir por etnia, nacionalidade, religião, profissão e, de forma mais acentuada, por classe social. Como sociedades plurais, formadas por inúmeros grupos, cada um teriam uma função, um conjunto de direitos, deveres, obrigações e possibilidades de ação social.<br />
Tem-se assistido o resultado desse longo processo histórico, na formação de uma civilização complexa e diferenciada, onde todos procuram conquistar direitos na luta pela igualdade social. O que se vê é que boa parte da população vive à margem dos benefícios do desenvolvimento industrial e sem terem acesso a uma quantidade mínima não só de bens, mas de educação, saúde e segurança.<br />
A modernidade levou a humanidade a acreditar no progresso, na evolução de indivíduos e nações, enfim, onde acreditaram que tudo daria certo. No entanto, a realidade comprovou o contrário. Nessa forma de organização social há contradição quando a desigualdade assume o caráter de privilégio de alguns e de injustiça para com outros. E é essa nova consciência que torna a pobreza tão incômoda.<br />
Muitos defendem que todos os homens têm os mesmos direitos e são iguais perante a lei. Mas como justificar tamanha diferença social?<br />
Em pleno desenvolvimento da indústria de massa, se produz e se coloca em circulação uma quantidade imensa de produtos. Com a concorrência entre os grupos sociais acabam por criar mecanismos de apropriação e monopólio dos bens econômicos e sociais, acabando por gerar crescente concentração de renda. No meio dessa sociedade da abundância, a pobreza adquire um caráter contraditório e, até, paradoxal. E tem como agravante, o apelo ao consumo das campanhas publicitárias veiculadas pelos meios de comunicação de massa criando uma distância social maior entre ricos e pobres. É trágico e inaceitável, já que, consumismo e abundância fazem parte do desejo de bem-estar social no interior de cada pessoa carente.<br />
Com uma economia organizada e globalizada, podemos medir os índices de analfabetismo, dívida externa, renda per capita, produto interno bruto, que são análise freqüente para a classificação das regiões e nações onde adquirem grande importância já que medem características presumidamente presentes em diferentes agrupamentos sociais e populações. É no cálculo estatístico que a pobreza deixa de ser uma característica abstrata ou um conceito para se tornar uma grandeza. Pessoas, grupos sociais e países passam a ser considerados pobres não só em relação a si mesmos, como também em relação aos outros grupos ou países, com os quais são permanentemente comparados.<br />
Carência de bens materiais e carência de recursos de sobrevivência são formas clássicas de pobreza. John Friedmann e Leonie Sandercock, especialistas em planificação urbana, em artigo intitulado “Os desvalidos”, na publicação de maio de 1995, pelo O Correio da UNESCO, revelaram três diferentes formas de pobreza:<br />
1. Despossessão Psicológica - diz respeito a um sentimento de autodesvalorização da população pobre em relação à rica, ou de um país pobre em relação a um país rico.<br />
2. Despossessão Social - se manifesta pela completa impossibilidade, de certa cota da população, ter acesso aos mecanismos de êxito social, de atingirem o mínimo de prestígio e manterem relações sociais estruturadas e permanentes.<br />
3. Despossessão Política - é outro lado da pobreza contemporânea e diz respeito à incapacidade de certos grupos sociais terem qualquer participação na vida pública. Não tem acesso aos mecanismos de interferência e ação política.<br />
Atualmente, com a informática e a integração das diversas atividades de mídias digitais, aparece um novo tipo de pobreza, a tecnológica. A pobreza tecnológica se dá quando pessoas, que não possuem "alfabetização digital”, estando excluídas dos mais diferentes espaços e da comunicação globalizada e, o mais importante, do mercado de trabalho também. A pobreza tecnológica aflige, envergonha e exclui.<br />
Muitos economistas e sociólogos tentam descobrir tendências para o futuro das populações carentes. As teorias políticas tentam explicam sua natureza, estudos econômicos e sociais reservam suas análises à compreensão desse problema e o Estado preocupa-se com a questão da pobreza. Mas qualquer que seja a medida a serem adotados os prognósticos é sempre pessimista.<br />
“O capitalismo Industrial alcançará tal nível de desenvolvimento que os recursos naturais do planeta se esgotarão e as populações serão assoladas pela fome.” (Thomas Malthus e David Ricardo)<br />
“O desenvolvimento do modo de produção capitalista levará a uma constante e irreversível concentração de propriedade e riqueza, monopolizada por poucos, enquanto o restante da população estará reduzido a um nível econômico de subsistência.” (Karl Marx, no Manifesto do Partido Comunista)<br />
“Haverá degradação dos níveis de vida da humanidade, com um aumento constante do trabalho árduo, da falta de instrução e saúde e da baixa expectativa de realização pessoal.” (Alfred Marshall, 1927)<br />
As teorias possuíam um caráter de alerta e denúncia, assumiam uma função quase profética, espalhando pessimismo e desconfiança, por se fundamentarem nas leis que regulam o desenvolvimento dos sistemas sociais.<br />
Ao longo dos anos, estas teorias mostraram-se falhas em seus prognósticos, pois vivemos numa sociedade de abundância e não de escassez. E dispomos de meios para uma distribuição mais igualitária de bens. Mas, para que isso ocorra, tem de haver vontade política. Mas o que vemos são homens que participam de maneira consciente dos sistemas econômicos e sociais e que podiam interferir nessa dinâmica problemática, mas nada fazem.<br />
Procurar no perfil da população as justificativas para sua condição subalterna seria uma atitude preconceituosa. Muitas teorias encontram explicações "naturais" e biológicas para a condição social das populações carentes. A título de exemplos temos:<br />
1. Nos Estados Unidos, desenvolveu-se uma teoria que se popularizou como “Curva do Sino”, atribuindo a pobreza dos negros a uma possível inferioridade mental de origem genética. Os índices utilizados para medir esse desempenho intelectual foram influenciados pela situação de pobreza.<br />
2. Herdeiros do etnocentrismo e do eurocentrismo, foi outro estudo que identificava como causas das desigualdades sociais indicadores que nada mais eram do que conseqüências do estado de carência de determinados grupos sociais. Onde esses indicadores revelavam o estado de indigência da população e a complexidade do conceito de pobreza.<br />
3. No Nordeste brasileiro foi evidenciada a pequena estatura da população, conseqüência do baixo poder calórico da alimentação nas faixas sociais mais carentes. Dando, a população como característica, a pobreza e a baixa produtividade local.<br />
Apesar dos avanços tecnológicos e conquistas inimagináveis da sociedade do século XXI, nada tem impedido que a pobreza continue resistente às análises e aos esforços que os Estados dizem estar desenvolvendo. Enquanto isso, as favelas se multiplicam, caracterizando a paisagem urbana; o desemprego aumenta juntamente com a criminalidade e a mendicância.<br />
Os excluídos, grande parte da população, permanece à margem do desenvolvimento e não usufrui dos benefícios alcançados pela sociedade, onde trabalham desde criança, desenvolvendo atividades sem qualificação, não tendo instrução nem acesso a eventos culturais, não desfrutando de saneamento básico e, às vezes, nem de um teto. Às crianças abandonadas na rua, durante décadas, sucedendo uma geração de crianças de rua, geradas sem família e sem moradia, alimentando-se de forma irregular e precariamente, vivem na indigência e são vítimas de violência policial.<br />
A presença constante, próxima e crescente dessa massa de pobres, que chegam a dois terços da população do terceiro Mundo, incomoda e constrange por vários motivos:<br />
1. Demonstra a ineficiência da administração do Estado, do qual se espera medidas racionais;<br />
2. Parece crescer a quantidade de pessoas excluídas do contingente de consumidores nacionais;<br />
3. É temido que essa população crescente se organize e aja politicamente contra um sistema que os marginaliza;<br />
A percepção de incompetência, do sistema econômico e político, se somam ao desconforto de saber que, nos grandes centros, milhares de pessoas não se encontram sob a vigilância das instituições sociais, vivem como podem, à deriva e à revelia dos planejamentos oficiais; Cria-se, em relação a essa população, um sentimento de desconfiança e de insegurança, já que há uma relação entre o crescimento dessa população e o aumento da criminalidade nos grandes centros urbanos. Evidenciado tanto na mídia como nos estudos de caráter científico, o perfil social, dos criminosos, ajudam a reforçar essa associação entre pobreza e criminalidade. Os autores dos crimes, oficialmente denunciados, são geralmente analfabetos, trabalhadores braçais e predominantemente de cor negra. Entretanto, sociólogos mais cuidadosos têm estabelecido outras relações, como o cientista social brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, diz que Contra a população pobre e estigmatizada, a prática policial preconceituosa, somada à desproteção das classes subalternas, torna a relação entre pobreza e criminalidade que já era esperado (profetizado). Acabando por formar um círculo vicioso onde, o indivíduo, para ter trabalho, precisa ter domicílio, registro, carteira profissional e uma situação civil legal. Podem, classes subalternas, atender tais exigências? Não podem, ficam impossibilitados de trabalhar por não cumprir tais exigências, passando a engrossar as fileiras de marginalizados que vivem sob constante vigilância policial.<br />
As estatísticas demonstram que o desenvolvimento econômico tem aumentado a pobreza e a desigualdade social, evidenciando a incompetência do Estado, no combate à pobreza, quando toma só medidas públicas de policiamento, vigilância e violência do que de resolução do problema. E com a globalização dos meios de comunicação, a pobreza, dos países em desenvolvimento, são transformadas em manchete internacional.<br />
A pobreza é estigmatizada, seja pelo caráter de denúncia da falência da sociedade e do Estado em relação às suas funções junto à população, seja pelo contraste com a abundância de produtos, seja pelo perigo iminente de convulsão social. A violência e a agressividade criam um clima de guerra civil nas grandes cidades, onde os índices de criminalidade são alarmantes.<br />
Medo e insegurança associado ao preconceito e discriminação contra as camadas pobres, generaliza medidas arbitrárias de violência e brutalidade, chacinas, linchamentos e assassinatos. Medidas arbitrárias que não resolvem o problema.<br />
Estudos procuram caracterizar de maneira científica a pobreza, buscando causas, denunciando responsáveis, procurando tratá-la como um fenômeno dissociado da sociedade. Chegou-se a falar em "cultura da pobreza”. Realmente, os excluídos dos benefícios da civilização tecnológica acabam por criar mecanismos próprios de sociabilidade. Sua estratégia de defesa e sobrevivência já que a pobreza é constantemente afastada e excluída do convívio social, eximindo-se de responsabilidade os que com ela se relacionam direta ou indiretamente. Estudos teóricos refletem essa política de exclusão, ao analisar a pobreza como um fenômeno em si mesmo. Se essa população não participa dos benefícios dos “privilegiados” e não consome os bens produzidos, certamente algum segmento o faz por ele.<br />
Análises econômicas preocupadas com o desenvolvimento do mercado, elemento fundamental e necessário ao desenvolvimento das nações, têm procurado alertar que a população carente representa uma fragilidade e uma ameaça à estrutura social como um todo. Esses excluídos representam um desperdício de recursos humanos e uma disfunção do sistema econômico.<br />
O distanciamento, social e ideológico, a alienação, a discriminação e a estigmatização, que recaem sobre a pobreza, não ajudam a encontrar soluções para o problema nem evitam que as desigualdades sociais aumentem.<br />
Precisamos entender que o desemprego não é condição de quem não quer ou não está apto ao trabalho, mas resultado de uma inelasticidade na oferta de emprego. Os sem qualificação, sem emprego, sem assistência são operários virtuais, recrutáveis a qualquer momento, um reduto de mão-de-obra barata que anseia por uma situação regular. O que Karl Marx conceituou de "exército industrial de reserva". Só que com a robotização da indústria, que coloca em disponibilidade massas de trabalhadores, e com a exigência cada vez maior de trabalhadores qualificados, o conceito de exército de reserva precisa ser reavaliado. Por quê?<br />
1. O desemprego cresce em número e em diferentes parcelas da população, agora chamado desemprego estrutural.<br />
2. A tecnologia de vanguarda torna a população marginalizada inaproveitável na indústria.<br />
3. Abre-se, nos países mais ricos, uma tendência de permanente diminuição da jornada de trabalho na indústria. Novas relações e novos conceitos de trabalho emergem no mundo: terceirização, trabalho autônomo, desemprego, subemprego, emprego temporário.<br />
Não podemos esquecer o dumping social, um dos principais problemas da competição internacional onde alguns buscam preços competitivos no mercado à custa de exploração de crianças e adolescentes, onde propicia uma competição internacional injusta e cria uma crise no sistema produtivo aumentando a quantidade de produtos e diminuindo, perversamente, a capacidade de consumo de um número cada vez mais crescente de pessoas.<br />
A pobreza é complexa, difícil, pública, patente, estigmatizada e incômoda, ela aflige, envergonha e exclui. É um fenômeno constante e assustador, que exige medidas conscientes e responsáveis. Os esforços serão conjunto, envolvendo políticas estatais (os Bancos do Povo e a criação de Organizações Não-Governamentais), onde deverão desenvolver projetos de assistência social, alfabetização e capacitação para o trabalho, programas comunitaristas, na tentativa de envolver a sociedade em atividades de ajuda à população carente.<br />
A economia tende a crescer e a se desenvolver, a jornada de trabalho e o número de empregados tende a diminuir, restando no futuro, pessoas e tempo, que poderão se envolver em atividades de ajuda à população carente, onde o sistema político vai favorecer uma integração maior da população em geral à sociedade como forma mais eficiente de combate à pobreza.<br />
É inconcebível que, depois de séculos de individualismo onde o homem buscou entender, criticar e participar da vida social e do desenvolvimento de instituições democráticas, como cidadão, sendo-lhe permitida a atuação política, que ele ainda seja considerado vítima da história e dos sistemas sociais.<br />
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Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-79038690713176624092013-10-29T03:17:00.001-07:002014-02-18T11:00:11.086-08:00Karl Marx, materialismo histórico e o comunismo <br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 1;"><b><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 24pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 18.0pt;"><o:p></o:p></span></b> </div><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"> <o:p></o:p></span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">A contribuição de Karl Marx para a compreensão da vida em sociedade é uma das mais importantes de toda a história. Inserido em um contexto de grande instabilidade política e imbuído da tarefa de revolucionar o mundo tal como se mostrava até então, Marx e seus seguidores legaram um conjunto de explicações que influencia o pensamento social até os dias de hoje.<o:p></o:p></span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Marx nasceu em 1818 na cidade de Triers, que fazia parte do então reino da Prússia (atual Alemanha). Após ter estudado Direito e tomado contato com o pensamento de Hegel e com a economia clássica, Marx passa a elaborar, em parceria com seu colega </span><a href="http://blog.aprendebrasil.com.br/secao_sociologia/2010/03/10/friedrich-engels/" target="_self"><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Friedrich Engels</span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">, uma série de ideias e conceitos que caracterizarão o chamado <i>materialismo histórico</i>.Essa corrente de pensamento e o projeto político comunistapelo qual irá militar são as principais contribuições de Marx ao desenvolvimento da sociologia.<o:p></o:p></span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">E o que é o materialismo histórico? E o que significa o comunismo para Marx e a Sociologia? É a resposta a essas perguntas que nos interessa aqui.<o:p></o:p></span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 0pt; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">De maneira bastante simplificada, podemos afirmar que o pensamento de Marx é uma crítica radical à sociedade capitalista; nessa crítica, ele tanto procura demonstrar os fundamentos da vida social no capitalismo (a contribuição teórica) como propor meios e caminhos para a superação das contradições desse sistema (a contribuição política). Os fundamentos da vida social deveriam ser buscados nas relações materiais dos indivíduos em sociedade, ou seja, nas formas pelas quais os seres humanos satisfazem suas necessidades materiais. Nesse ponto, Marx inverte o argumento de Hegel, que propunha a explicação da vida em sociedade a partir das ideias e/ou da consciência humana; no marxismo, a consciência humana e as ideias que existem na sociedade são o resultado, direto ou indireto, das necessidades da vida. Ou, como ele afirma em uma de suas passagens mais famosas, “não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”.<span style="background: white;"> MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martin Claret, 2004.</span><o:p></o:p></span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Partindo das ideias de Marx, podemos imaginar a sociedade como um edifício de vários andares: nas fundações, ou seja, naquilo que dá sustentação a todo o edifício, estão as relações materiais: a forma pela qual as pessoas possuem algo, a maneira como produzem e consomem os bens, a maneira como trabalham e são remuneradas, as técnicas utilizadas na produção; acima de tais relações (ou da estrutura), encontram-se ideias tais como a religião, a cultura, a política, etc. As relações materiais (a estrutura do edifício) sustentam e tornam possível a superestrutura (o conjunto das ideias e manifestações sociais).<o:p></o:p></span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">“(…) A história de toda a sociedade até hoje é a história da luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, burguês da corporação e oficial, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante antagonismo entre si, travaram uma luta ininterrupta, umas vezes oculta, aberta outras, uma luta que acabou sempre com uma transformação revolucionária de toda a sociedade ou com o declínio comum das classes em luta.” MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martin Claret, 2004.<o:p></o:p></span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Um conceito fundamental nas explicações marxistas é o de classe social. Para Marx e seus seguidores, a sociedade não é uma “coisa” una, homogênea e sem divisões: na realidade, qualquer agrupamento social, em qualquer época, sempre teve em seu interior divisões entre os homens que o compunham. Na Antiguidade Clássica, na Idade Média ou nos nossos dias, há uma parcela minoritária da população que controla, de maneiras mais ou menos explícitas, as demais parcelas (ou classes). Ou seja, há classes que dominam e classes que são dominadas. Nesse esquema explicativo, as transformações históricas seriam o reflexo do inevitável conflito que existe entre as classes sociais.<o:p></o:p></span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Nas palavras de Marx, “o modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral”; “na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais”. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martin Claret, </span><a href="http://2004.com/" target="_blank" title="http://2004. "><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">2004.Com</span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">preendida tal concepção, torna-se mais fácil entender o projeto político empreendido por Marx. O século XIX na Europa já foi chamado por um historiador como “a era das revoluções”, devido às inúmeras perturbações políticas e sociais que aquele continente sofreu como desdobramentos da </span><a href="http://www.aprendebrasil.com.br/enciclopedia/renciclopedia.asp?idpag=1&id=172717" target="_blank"><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Revolução Francesa</span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"> e das ideias liberais. A perda da hegemonia das grandes dinastias hereditárias, a agitação das classes trabalhadoras, a difusão das ideias socialistas e liberais e os anseios imperialistas mostravam-se para Marx como o momento histórico no qual uma classe (os trabalhadores) poderia romper a hegemonia burguesa e superar o </span><a href="http://blog.aprendebrasil.com.br/secao_sociologia/2010/01/28/modos-de-producao-historicos/" target="_self"><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">modo de produção</span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"> capitalista. Ou seja, a interpretação do mundo empreendida por Marx e Engels (o materialismo histórico) não se esgotava em si, pois era preciso transformar o mundo (através da militância comunista). Os ideais políticos de Marx e Engels estão expressos no <i>Manifesto do Partido Comunista, </i>publicado em 1848.<o:p></o:p></span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Se fôssemos resumir, em uma lista, os conceitos fundamentais para entender o pensamento de Karl Marx, veríamos que vários deles incorporaram-se ao vocabulário corrente quando falamos sobre a vida social: a classe, o modo de produção, a ideologia e a alienação são conceitos que, se não foram criados por Marx, ganharam um novo e importante significado a partir dele.<o:p></o:p></span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">O pensamento marxista, dessa forma, abriu as portas do conhecimento sobre a sociedade a partir de uma perspectiva inédita, ainda que usasse muitas ideias de outros autores. Ao colocar novas perguntas, o marxismo abre a possibilidade de que o homem interprete fenômenos como o </span><a href="http://blog.aprendebrasil.com.br/secao_sociologia/2010/01/28/capitalismo/" target="_self"><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">capitalismo</span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">, o trabalho, a política e o </span><a href="http://blog.aprendebrasil.com.br/secao_sociologia/2010/01/28/sobre-o-estado/" target="_self"><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Estado</span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">. Ao lado de </span><a href="http://blog.aprendebrasil.com.br/secao_sociologia/2010/03/10/david-emile-durkheim/" target="_self"><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Durkheim</span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"> e </span><a href="http://blog.aprendebrasil.com.br/secao_sociologia/2010/03/10/maximilian-carl-emil-weber/" target="_self"><span style="color: blue; font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Max Weber</span></a><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">, as obras de Marx vão ajudar a definir o campo e o objeto de estudo da sociologia.<o:p></o:p></span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Professor colaborador: Christiano E. Ferreira<o:p></o:p></span></div><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;"><a href="http://www.blogger.com/null" name="_GoBack"></a><o:p><span style="font-family: Calibri;"> </span></o:p></div><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjK_Bnt5PbfvYSfhytOp74O-7NkNS_hxixS9Q7WX5fnbkh2I1kcwRYLT2qfeWD2P8q0knc4B_XarizhzMbx3oxE0hJ8YItDZXSMNTnLtJkFGhtLHrCYRmRt39z262ekYPp5jsyj8fe264Q/s1600/Marx.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjK_Bnt5PbfvYSfhytOp74O-7NkNS_hxixS9Q7WX5fnbkh2I1kcwRYLT2qfeWD2P8q0knc4B_XarizhzMbx3oxE0hJ8YItDZXSMNTnLtJkFGhtLHrCYRmRt39z262ekYPp5jsyj8fe264Q/s320/Marx.png" width="222" /></a></div>Profº Ozorhttp://www.blogger.com/profile/11665703854497980048noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-89199810011598114742013-04-16T11:38:00.000-07:002013-04-16T11:38:06.225-07:00LIBERDADE<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">Djaci Pereira Leal1<b><i></i></b><br />
</div><br />
Liberdade - essa palavra<br />
que o sonho humano alimenta:<br />
que não há ninguém que a explique,<br />
e ninguém que não entenda!<br />
Cecília Meirelles<br />
<br />
O que é liberdade?<br />
O que é ser livre?<br />
<br />
Liberdade<br />
A discussão em torno da liberdade tem se apresentado, historicamente,<br />
como um problema para a humanidade. Recorremos aqui a<br />
dois filósofos, distantes de nós em termos de tempo, mas não em relação<br />
à discussão e preocupação que demonstraram em relação à liberdade.<br />
O primeiro, Guilherme de Ockham, nascido na vila de Ockham,<br />
condado de Surrey, próximo de Londres, entre 1280 e 1290. O segundo,<br />
Etienne de La Boétie, nascido em Serlat, na França, em 1530. São<br />
dois autores de épocas e lugares diferentes que discutem o mesmo<br />
problema – a liberdade.<br />
Vamos buscar o que acontecia no mundo Ocidental cristão naquele<br />
momento que fez com que, Guilherme de Ockham, escrevesse a obra<br />
Brevilóquio sobre o principado tirânico, com uma nítida preocupação<br />
com a liberdade dos homens e mulheres que viviam naquele momento<br />
histórico.<br />
Com 30 anos de idade estava em Oxford estudando para obter o título<br />
de Mestre em Teologia. Na época empenhou-se em comentar os<br />
quatro livros das Sentenças, de Pedro Lombardo. Mas como afirma De<br />
Boni nas notas introdutórias a tradução do Brevilóquio sobre o principado<br />
tirânico: “(...) desde logo percebeu-se que o jovem bacharel setenciário<br />
não era um simples comentador ou repetidor, mas um inovador<br />
disposto a rever até mesmo posições de seu ilustre confrade Duns<br />
Scotus, cuja doutrina campeava soberana em Oxford e Cambridge”.<br />
(OCKHAM, 1988, p. 11) A partir de sua atitude questionadora e independente,<br />
Guilherme de Ockham enfrentou problemas na sua formação e na divulgação<br />
de seus trabalhos, que sofreram a censura da Igreja.<br />
Guilherme de Ockham, pela sua proximidade com os franciscanos,<br />
acabou por tomar partido nas disputas desses frades e a cúria pontifícia<br />
acerca da pobreza.<br />
Como destaca De Boni, neste debate, “(...) atingia-se diretamente a própria Igreja, cuja riqueza estava sendo questionada: uma Igreja rica estava longe da perfeição evangélica, e nem mesmo era a Igreja de Cristo”. (OCKHAM, 1988, p. 12) A participação de Ockham nessa polêmica gerou a necessidade de asilar-se, com outros frades franciscanos, junto a Luís da Baviera, que se encontrava em Pisa. A partir desse momento, Guilherme de Ockham passou e se ocupar mais de temas religiosospolíticos, referentes à pobreza e ao poder papal e poder imperial, deixando de lado os estudos de Teologia e de Metafísica. Guilherme de Ockham faleceu em abril de 1349 ou de 1350, não se sabe se reconciliado oficialmente com a Igreja, pois havia recebido a excomunhão papal em 1328. Sua morte é bem provável que tenha sido devido a Peste Negra.<br />
<br />
Liberdade: a Contribuição<br />
de Guilherme de Ockham<br />
<br />
A vida de Guilherme de Ockham foi bastante agitada e marcada pela luta contra o autoritarismo. Observe que se ordenara padre em 1306, vai a Oxford estudar teologia e depara-se com o autoritarismo das idéias, pois não pôde discordar ou discutir as idéias dos grandes mestres da época, no caso, Pedro Lombardo e Duns Scotus, e em decorrência disso acabou por lutar contra o autoritarismo papal, e tomar o partido dos franciscanos nas discussões com o papa João XXII.<br />
É preciso ressaltar que Guilherme de Ockham é um autor que deixa transparecer sua intensa luta pela liberdade e que ao longo de sua vida jamais permitiu que lha tirassem e, mais, buscou através de suas obras orientar para que os homens de sua época também não o permitissem. Não é por acaso que o pensamento de Guilherme de Ockham ficou relegado nos compêndios e seu nome citado entre os adversários da Igreja juntamente com outros nomes bem conhecidos, tais como, Pelágio, Ario, Berengário e Lutero. Para a ética a liberdade é o assunto por excelência.<br />
<br />
A liberdade é muito importante para a ética, porque se ocupa do agir humano, da finalidade de nossa vida e existência; a ética sempre é a orientação para que possamos fazer nossas escolhas e fazê-las de forma acertada que é o que de fato vai nos garantir a felicidade. Para Ockham, a liberdade apresenta-se como a possibilidade que se tem de escolher entre o sim ou o não, de poder escolher entre o que me convém ou não e decidir e dar conta da decisão tomada ou de simplesmente deixar acontecer. E o que é mais impressionante é o fato de que a cada escolha que se faz determina e constrói nossa existência, aproximando- nos ou não da própria felicidade. É essa a ótica da discussão de Guilherme de Ockham no seu Beviláquio sobre o principado tirânico.<br />
Aflijo-me com não menor angústia porque não procurais inquirir quão contrário à honra divina é este principado tirânico usurpado de vós iniquamente, embora seja tão perigoso à fé católica, tão oposto aos direitos e a liberdade que Deus e a natureza vos concederam; e o que é mais lamentável, recusais, confundis e julgais os que tencionam informar-vos da verdade<br />
(OCKAHM, 1988, p. 27)<br />
<br />
A preocupação de Guilherme de Ockham é com o fato de que o poder tirânico é contrário a liberdade a nós concedida por Deus e a natureza. Isto não é admitido como verdade por todos os filósofos, mas para o pensamento medieval do qual Guilherme de Ockham é um representante, mesmo que tenha sido rejeitado ao romper com algumas questões medievais, isso é uma verdade, pois o filósofo medieval aceita a verdade revelada como verdade e a fé como critério de conhecimento.<br />
Guilherme de Ockham denuncia aqueles que em nome da religião passaram a usurpar a liberdade. E que tais usurpadores entendem, assim como ele, a liberdade como um dom de Deus da natureza.<br />
<br />
Discussão em torno da Liberdade<br />
<br />
Para entender um pouco o contexto do pensamento medieval, vale<br />
a pena destacar o que nos apresenta De Boni:<br />
Na ânsia de fundamentar filosoficamente a fé cristã, os teólogos do século<br />
XIII haviam se valido da ética, do De Anima e da Metafísica aristotélicos.<br />
Ockham [...] percebe que é necessário salvar a liberdade absoluta de Deus, cuja vontade se determina apenas por si mesma, e com isso abre espaço para o conhecimento da realidade humana como realidade contingente. Os pensadores do século XIII haviam construído uma teoria do conhecimento na qual, após explicar-se a abstração, pergunta-se: como é possível o conhecimento das coisas em sua singularidade? Ockham inverte a questão, [...] e constata: o que temos são coisas individuais, numericamente diferenciadas entre si: que valor tem então nosso conhecimento universal? Um mundo de indivíduos iguais entre si e sem intermediários é, porém, um mundo que se desprende totalmente das agonizantes hierarquias medievais; um mundo que encontra sua própria explicação dentro de si mesmo, sem receio de seus membros constituintes. (OCKHAM, 1988, p. 15-16)<br />
Guilherme de Ockham pergunta-se, ao contrário dos pensadores do século XIII, pela validade do conhecimento universal enquanto aqueles perguntavam pelo conhecimento das coisas singulares. Ao fazer isso, chama a atenção para o mundo dos indivíduos. Guilherme de Ockham, situa a ação humana no indivíduo e suas escolhas reais e concretas, presentes não em verdade ou entes universais, mas nas coisas e situações particulares, singulares.<br />
“Também a razão natural dita que, como o gênero humano deve viver pela arte e pela razão, como afirma o filósofo pagão, ninguém deve ignorar o que está obrigado a fazer através de suas faculdades humanas, não pelas animais”. (OCKHAM, 1988, p. 33) Guilherme de Ockham distingue faculdades humanas de faculdades animais, ou seja, o homem possui a capacidade de viver pela arte e pela razão, que no entendimento do filósofo seriam as faculdades humanas e é por elas que deve agir e não pelas faculdades animais, ou seja, seus instintos. Pressupõe-se assim que é de nossa própria natureza a capacidade de escolha exercida por meio da liberdade, entendida como presente de Deus e da natureza.<br />
Após questionar o poder papal busca apresentar a liberdade fundando- a na lei evangélica, é o que pretende fazer ao dizer que:<br />
A lei evangélica não é de maior, mas de menor servidão, se comparada com a mosaica, e por isso é chamada por Tiago de lei da liberdade (Tg 1,25).<br />
A lei mosaica, devido ao peso da servidão, segundo sentença de São Pedro (At 15, 7s), não devia ser imposta aos fiéis. Diz ele, falando do jugo da lei de Moisés (At 15, 10): “Por que provocais agora a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais, nem nós pudemos suportar? Destas palavras conclui-se que um jugo tão pesado e de tamanha servidão, como foi a lei mosaica, não foi imposto aos cristãos. (OCKHAM 1988, p. 47-48) Guilherme de Ockham, assim como os demais filósofos medievais, faz uso da revelação cristã, portanto da Bíblia como verdade revelada.<br />
É por isso que constantemente utiliza citações bíblicas para fundamentar suas teses. Na citação acima, Guilherme de Ockham está discutindo que com Moisés houve uma legislação que era opressiva e que Jesus veio justamente libertar o homem de tal jugo e servidão. Portanto, o poder papal não pode apresentar-se de forma alguma como um peso aos homens, já que Guilherme de Ockham afirma que a opressão do poder papal é lesiva não somente aos cristãos, mas a toda sociedade.<br />
A lei de Cristo seria uma servidão de todo horrorosa, e muito maior que a da lei antiga, se o papa, por preceito e ordenação de Cristo, tivesse tal plenitude de poder que lhe fosse permitido por direito, tanto no temporal como no espiritual, sem exceção, tudo o que não se opõe à lei divina e ao direito natural. Se assim fosse, todos os cristãos, tanto os imperadores como os reis e seus súditos, seriam escravos do papa, no mais estrito sentido do termo, porque nunca houve nem haverá alguém que, de direito, tenha maior poder sobre qualquer homem do que aquele que sobre ele pode tudo o que não repugna ao direito natural e ao divino. (OCKHAM, 1988, p. 48-49)<br />
Guilherme de Ockham tem a nítida preocupação de limitar o poder papal ao direito natural e divino. Isto ocorre porque no século XIV o poder da Igreja era imenso e havia a afirmação de que o poder papal estava acima do poder temporal, pelo fato de ser aquele de origem divina; procura desmontar a tese da superioridade do poder espiritual sobre o temporal, situando-os como poderes distintos e legítimos, e que ambos não podem ir além de seus limites, pois isto contraria o direito à liberdade dos homens, algo também pressuposto por Deus e pela natureza.<br />
[...] Pela lei evangélica não só os cristãos não se tornam servos do papa, como também o papa não pode, pela plenitude do poder, onerar qualquer cristão, contra a vontade deste, sem culpa e sem causa, com cerimônias cultuais de tanto peso como o foram as da velha lei. E se o tentar fazer, tal fato não tem valor jurídico e, pelo direito divino, é nulo. (OCKHAM, 1988, p. 50)<br />
Guilherme de Ockham coloca no seu devido lugar o poder papal, ou seja, pela lei evangélica somos livres e como tal devemos ser respeitados e qualquer tentativa de imposição de jugos contrários a mesma lei são nulos, sem valor e pesam na responsabilidade de quem o fizer, mesmo que seja o papa.<br />
Hannah Arendt, (1906 – 1975) na obra Entre o passado e o futuro, ao discutir no capítulo, O que é liberdade? afirma:<br />
O campo em que a liberdade sempre foi conhecido, não como um problema, é claro, mas como um fato da vida cotidiana, é o âmbito da política.<br />
E mesmo hoje em dia, quer saibamos ou não, devemos ter sempre em mente, ao falarmos do problema da liberdade, o problema da política e o fato de o homem ser dotado com o dom da ação; pois ação e política, entre todas as capacidades e potencialidades da vida humana, são as únicas coisas que não poderíamos sequer conceber sem ao menos admitir a existência da liberdade, e é difícil tocar em um problema político particular sem, implícita ou explicitamente, tocar em um problema da liberdade humana. A liberdade, além disso, não é apenas um dos inúmeros problemas e fenômenos da esfera política propriamente dita, tais como a justiça, o poder ou a igualdade; a liberdade, que só raramente – em épocas de crise ou de revolução<br />
– se torna o alvo direto da ação política, é na verdade o motivo porque os homens convivem politicamente organizados. Sem ela, a vida política como tal seria destituída de significado. A raison d‘être da política é a liberdade, e seu domínio de experiência é a ação (Arendt, 2003, p. 191-192)<br />
<br />
<br />
<br />
Liberdade: Contribuição<br />
de Etienne de La Boétie<br />
<br />
A obra Discurso da servidão voluntária, de Etienne de La Boétie é de um momento histórico bastante distinto do de Guilherme de Ockham.<br />
Enquanto Guilherme de Ockham discutia e apresentava idéias que serviam a destruição dos pilares da época em que vivia e acentuando determinadas mudanças que pareciam ser necessárias; por sua vez Etienne de La Boétie vivenciava as mudanças, necessárias na época de Guilherme de Ockham. Porém, as mudanças haviam produzido um mundo social distinto, nem mais nem menos caótico que anteriormente, pelo menos a primeira vista.<br />
A publicação do Discurso da servidão voluntária tem sua data um tanto controvertida, pois na realidade Etienne de La Boétie entregou os manuscritos a Montaigne, seu amigo, que tinha como intenção publicá- lo no primeiro livro dos Ensaios. Porém, os huguenotes lançaram o texto antes, em 1574, incluso em um panfleto tiranicida. Montaigne afirmou que o texto fora escrito em 1544, quando Etienne de La Boétie era ainda estudante e contava com apenas 18 anos. Porém, existem vestígios que na realidade datam a obra posterior a 1544, como afirmara Montaigne. E acredita-se que o fato de Montaigne haver antecipado sua data se deu pelo fato de distanciá-lo de um acontecimento histórico francês bastante polêmico que foi a Noite de São Bartolomeu, fato relacionado ao massacre de protestantes na França. Portanto, o tempo em que surge e é divulgado o Discurso da servidão voluntária é marcado pelo que denomina o historiador Nicolau Sevcenko, de nova ordem social. Diz ele:<br />
Nos termos desse quadro, deparamo-nos com uma nova ordem social.<br />
Sem a mediação das corporações, empresários e empregados situamse como indivíduos isolados na sociedade. Seus padrões de ajustamento à realidade passam a ser as condições do mercado, a ordem jurídica imposta e defendida pelo Estado e a livre associação com seus companheiros de interesse. A ruptura dos antigos laços sociais de dependência social e das regras corporativas promovem, portanto, a liberação do indivíduo e o empurram para a luta da concorrência com outros indivíduos, conforme as condições postas pelo Estado e pelo capitalismo. O sucesso ou o fracasso nessa nova luta dependeria [...] de quatro fatores básicos: acaso, engenho, astúcia e riqueza. Para os pensadores renascentistas, a educação seria o fato decisivo. (SEVCENKO, 1988, p. 11)<br />
Percebe-se que é um tempo onde as mudanças estão produzindo novas necessidades. É nesse contexto que é escrito o Discurso da servidão voluntária. É preciso atenção, sobretudo a questão da liberdade. E a liberdade como princípio ético para a ação humana diante das circunstâncias por ele vivenciada.<br />
<br />
<br />
Por que os homens<br />
entregam sua liberdade?<br />
<br />
Etienne de La Boétie começa a discutir buscando entender porque os homens abrem mão de sua liberdade concedendo a um, no caso o rei, o direito de decidir e a todos comandar. Nossa natureza é de tal modo feita que os deveres comuns da amizade levam uma boa parte de nossa vida; é razoável amar a virtude, estimar os belos feitos, reconhecer o bem de onde recebemos, e muitas vezes diminuir nosso bem-estar para aumentar a honra e a vantagem daquele que se ama e que o merece. Em conseqüência, se os habitantes de um país encontraram algum grande personagem que lhes tenha dado provas de grande providência para protegê-los, grande cuidado para governá-los, se doravante cativam-se em obedecê-lo e se fiam tanto nisso a ponto de lhe dar algumas vantagens, não sei se seria sábio tirá-lo de onde fazia o bem para colocá-lo num lugar onde poderá malfazer; mas certamente não poderia deixar de haver bondade em não temer o mal de quem só se recebeu o bem. (LA BOÉTIE, 2001, p. 12)<br />
A questão que intriga Etienne de La Boétie é o fato de os homens abrirem mão de sua liberdade em benefício de outrem. Pensa ser estranho até mesmo quando este outro é alguém que sempre tenha a todos feito o bem, tenha agido como amigo. Ao fazer uma análise ao longo da história, observou o fato de que apesar “(...) da bravura que a liberdade põe no coração daqueles que a defendem(...), e mesmo assim “(...) em todos os países, em todos os homens, todos os dias, faz com que um homem trate cem mil como cachorros e os prive de sua liberdade?” (LA BOÉTIE, 2001, p. 14).<br />
<br />
Isto é tão ilógico e irracional para Etienne de La Boétie que ele assim pergunta: “Quem acreditaria nisso se em vez de ver apenas ouvisse dizer?” (LA BOÉTIE, 2001, p. 14) Está falando diretamente a seus contemporâneos, procurando sensibilizá-los a lutar pela liberdade, a romperem com a servidão. Passa a indicar o que no seu entendimento faz com que os homens estejam sobre pesados jugos, afirmando que:<br />
Portanto são os próprios povos que se deixam, ou melhor, se fazem dominar, pois cessando de servir estariam quites; é o povo que se sujeita, que se degola, que, tendo a escolha entre ser servo ou ser livre, abandona sua franquia e aceita o jugo; que consente seu mal – melhor dizendo, persegue- o. Eu não o exortaria se recobrar sua liberdade lhe custasse alguma coisa; como o homem pode ter algo mais caro que restabelecer-se em seu direito natural e, por assim dizer, de bicho voltar a ser homem? Mas ainda não desejo nele tamanha audácia, permito-lhe que prefira não sei que segurança de viver miseravelmente a uma duvidosa esperança de viver à sua vontade. Que! Se para ter liberdade basta desejá-la, se basta um simples querer, haverá nação no mundo que ainda a estime cara demais, podendo ganhá-la com uma única aspiração, e que lastime sua vontade para recobrar o bem que deveria resgatar com seu sangue – o qual, uma vez perdido, toda a gente honrada deve estimar a vida desprezível e a morte salutar?<br />
(LA BOÉTIE, 2001, p. 14-15).<br />
Etienne de La Boétie afirma que são os próprios homens quem se fazem dominar, pois bastaria rebelarem-se que teriam de volta a liberdade que lhes fora roubada. Nesse sentido, trabalha com uma idéia revolucionária, que é o fato de atribuir ao povo, a população o papel de sujeito da própria História. Alerta para o fato de que se não o faz, talvez o seja pela segurança que sente sob o jugo do poder dos reis e príncipes. Porém, ao agir dessa forma, os homens vivem como se fossem bichos.<br />
<br />
O que faz com que o<br />
homem não seja livre?<br />
<br />
E qual seria a causa de todas as mazelas que o homem sofre no seu dia-a-dia? Segundo Etienne de La Boétie:<br />
<br />
É a liberdade, todavia um bem tão grande e tão aprazível que, uma vez perdido, todos os males seguem de enfiada; e os próprios bens que ficam depois dela perdem inteiramente seu gosto e sabor, corrompidos pela servidão. Só a liberdade os homens não desejam; ao que parece não há outra razão senão que, se a desejassem, tê-la-iam; como se se recusassem a fazer essa; bela aquisição só porque ela é demasiado fácil. (LA BOÉTIE, 2001, p. 15)<br />
<br />
Insiste na idéia de que se não temos liberdade é porque não a queremos.<br />
E que todos os males que sofremos são decorrência de a havermos perdido-a, e, no entanto, não nos dispomos a recuperá-la. Para sermos felizes, segundo ele, bastaria que “(...) vivêssemos com os direitos que a natureza nos deu e com as lições que nos ensina, seríamos naturalmente obedientes aos pais, sujeitos à razão e servos de ninguém”. (LA BOÉTIE, 2001, p. 17) Pressupõe que é de nossa própria natureza ser livre. Mas, por certo se há algo claro e notório na natureza, e ao qual não se pode ser cego é que a natureza, ministra de deus e governante dos homens, fez-nos todos da mesma forma e, ao que parece, na mesma fôrma, para que nos entreconhecêssemos todos como companheiros, ou melhor, como irmãos. (LA BOÉTIE, 2001, p. 17)<br />
<br />
Rejeita a tese de que uns sejam mais que outros, como alguns teóricos da Teoria do Direito Divino, que pressupunham que o rei e a família real eram mais em dignidade que o restante dos homens, o que justificava a obediência e reverência a eles prestada. Por isso, procura de forma contundente denunciar o marasmo diante da servidão.<br />
<br />
É incrível como o povo, quando se sujeita, de repente cai no esquecimento da franquia tanto e tão profundamente que não lhe é possível acordar para recobrá-la, servindo tão francamente e de tão bom grado que ao considerá-lo dir-se-ia que não perdeu sua liberdade e sim ganhou sua servidão”. (LA BOÉTIE, 2001, p. 20).<br />
<br />
Embora fale para o conjunto da população, como os que detêm o poder em relação a rebelar-se contra o jugo da servidão, Etienne de<br />
La Boétie tem o cuidado de distinguir entre aqueles que jamais conheceram a liberdade, pode-se aqui entender a população a quem sempre foi negado tais direitos, daqueles que tornam o povo objeto de tirania.<br />
Por certo não porque eu estime que o país e a terra queiram dizer alguma coisa; pois em todas as regiões, em todos os ares, amarga é a sujeição e aprazível ser livre; mas porque em meu entender deve-se ter piedade daqueles que ao nascer viram-se com o jugo no pescoço; ou então que sejam desculpados, que sejam perdoados, pois não tendo visto da liberdade sequer a sombra e dela não estando avisados, não percebem que ser escravos lhes é um mal. (LA BOÉTIE, 2001, p. 23)<br />
<br />
Procura ser mais enfático ao falar daqueles que são instrumentos da tirania:<br />
Vendo porém essa gente que gera o tirano para se encarregar de sua tirania e da servidão do povo, com freqüência sou tomado de espanto por sua maldade e às vezes de piedade por sua tolice. Pois, em verdade, o que é aproximar-se do tirano senão recuar mais de sua liberdade e, por assim dizer, apertar com as duas mãos e abraçar a servidão? Que ponham um pouco de lado sua ambição e que se livrem um pouco de sua avareza, e depois, que olhem-se a si mesmos e se reconheçam; e verão claramente que os aldeões, os camponeses que espezinham o quanto podem e os tratam pior do que a forçados ou escravos – verão que esses, assim maltratados, são no entanto felizes e mais livres do que eles. (LA BOÉTIE, 2001, p. 33)<br />
<br />
Etienne de La Boétie não condena o povo de uma forma geral por não exercitar o seu direito primordial a liberdade, pois tem a clareza de que se assim age a população, é também por falta de consciência e de conhecimento da situação em que realmente se encontra. Também demonstra saber que todo o poder, mesmo que exercido por apenas um, tem sua sustentação em grupos que são favorecidos pelo poder instituído.<br />
Em relação aos que favorecem os tiranos deixa transparecer sua indignação e preocupa-se também em orientá-los ao dizer-lhes que são menos livres que o próprio povo, pois sabem o que é ser livre, já foram livres e no entanto, recusam-se a ser.<br />
<br />
1968: o Brasil e os Limites à Liberdade<br />
No Brasil, no ano de 1968, no mês de dezembro, o governo militar que, através do Golpe de 64, havia tomado o poder, decreta o Ato Institucional no 5, AI-5, como forma de manter a ordem ante as manifestações contrárias a ditadura que se estabelecera no país. Segundo o historiador Boris Fausto, o AI-5 representou:<br />
<br />
Governo militar.<br />
Uma verdadeira revolução dentro da revolução, ou, se quiserem, uma contra-revolução dentro da contra-revolução. Em dezembro de 1968, a edição do AI-5 restabeleceu uma série de medidas excepcionais suspensas pela Constituição de 67. Voltaram as cassações e o fechamento político e todo esse fechamento não tinha prazo, quer dizer, o AI-5 veio para ficar. Há quem diga que o AI-5 foi uma espécie de resposta ao início da luta armada, mas em 68 as ações armadas eram poucas. Ao que parece, o fator desencadeante pode ter sido a mobilização geral da sociedade brasileira em 1968 e a convicção ideológica de que qualquer abertura redundava em desordem. Então era preciso endurecer, fechar, recorrer a poderes excepcionais para combater a subversão. (FAUSTO, 2002, p. 99-100)<br />
<br />
O nome que se deu para a luta da sociedade brasileira pela liberdade foi subversão. Na realidade os Atos Institucionais aos poucos mudavam a Constituição, retirando-lhe todos os direitos pressupostos à existência de um regime democrático, pois com o Golpe de 64, tais direitos eram inviáveis à manutenção da ditadura militar.<br />
Na época do AI-5, a partir de 1968, haviam diversos setores da sociedade que se manifestavam e exigiam a reabertura democrática, porém com a edição do AI-5 foi autorizada a cassação de todos os direitos políticos e a perseguição e prisão de todos os que se manifestassem publicamente contrários às medidas do governo.<br />
Com o AI-5, “(...) todos os setores da vida brasileira, sobretudo imprensa, criações artísticas e culturais, deveriam se submeter ao controle absoluto do governo, e as instituições civis não poderiam esboçar a menor crítica ao comportamento das autoridades”. (BARROS, 1991, p. 42) O que caracterizou, nesse período, a perda total da liberdade e dos direitos civis.<br />
Diante do controle que o Estado passa a fazer das manifestações artísticas não restou aos artistas a não ser a tentativa de driblar a censura.<br />
Na música popular foi muito comum o uso de metáforas e analogias, que, às vezes, até conseguiam passar pela censura, outras eram recolhidas em seguida, após terem sido autorizadas. Um dos movimentos que se destaca nesse momento histórico é o Tropicalismo, que surgiu como uma ruptura contra a Bossa Nova. Entre os anos 1967 e 1970, o Tropicalismo traz irreverência e informalidade com um objetivo, similar ao apregoado por Oswald de Andrade, no Manifesto Pau-Brasil, que é o de incorporar o estrangeiro (o diferente e estranho) e transformá-lo. É claro que além dessa característica e devido a isso, o Tropicalismo servir-se-á das diversas manifestações musicais, então presentes, sobretudo a música de protesto. A importância do Tropicalismo e sua abrangência evidenciam-se pela grandeza de seus músicos e compositores e a variedade das músicas com temáticas e estilos diferenciados e, sobretudo a eletrificação dos instrumentos.<br />
Além do Tropicalismo, destaca-se nesse momento, a Arte Engajada, que era um movimento que seus membros eram oriundos do meio universitário e que tinha nos festivais a forma de divulgar e buscar apoio popular as suas idéias. Entre os compositores ligados a Arte Engajada, já que não era um movimento restrito a MPB, destacam-se Geraldo Azevedo, Geraldo Vandré e Chico Buarque. Apresenta-se para exemplificar o teor das composições da MPB na época duas canções que, inclusive, foram proibidas pela censura, Apesar de Você, de Chico Buarque, que havia passado pela censura, mas em seguida foi recolhida e, a Canção da Despedida, de Geraldo Azevedo e Geraldo Vandré, que foi imediatamente barrada pela censura e, segundo<br />
o autor, tentou várias vezes incluí-la em seus discos, mas sem sucesso.<br />
É interessante que ao fazer uma primeira leitura, ou ao ouví-las sem maior atenção ao contexto em que foram produzidas, tem-se a impressão de reclamações banais existentes entre amigos e amantes. Para que se possa ter uma idéia do teor das duas composições:<br />
Já vou embora, mas sei que vou voltar / Amor não chora se eu volto é pra ficar / Amor não chora que a hora é de deixar / O amor de agora pra sempre ele fica. (Geraldo Azevedo e Geraldo Vandré - Canção da Despedida)<br />
Hoje você é quem manda / Falou, ta falado, não tem discussão / A minha gente hoje anda falando de lado / E olhando pro chão / Você que inventou o pecado / Que inventou de inventar / Toda a escuridão / Você vai pagar e é dobrado / Cada lágrima rolada / Desse meu penar<br />
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(Chico Buarque - Apesar de Você).<br />
É claro que a censura não se limitou apenas às músicas populares. Optamos por exemplificar a censura por meio da música porque é mais fácil analisar e entender o caráter subversivo das mesmas. Perceber o uso de metáforas que os compositores fizeram para driblar a censura, mesmo que isso lhes custasse os riscos de prisão e tortura, além de terem suas obras proibidas e recolhidas.<br />
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Referências<br />
<br />
ARENDT, H. Que é liberdade? In.: Entre o passado e o futuro. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva,<br />
2003.<br />
BARROS, E. L. de. Os governos militares. O Brasil de 1964 a 1985 – os generais e a sociedade<br />
a luta pela democracia. São Paulo: Contexto, 1991.<br />
FAUSTO, B. História do Brasil / por Boris Fausto. Brasília: MEC/SEED, 2002.<br />
LA BOÉTIE, E. Discurso da Servidão Voluntária. 4ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2001.<br />
OCKHAM, G. de. Brevilóquio sobre o principado tirânico. Traduçano e nota de Luis Alberto de<br />
Boni. Petrópolis: Vozes, 1988.<br />
SEVCENKO, N. O Renascimento. 11ª ed. Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas,1988.<br />
Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-24487200463343873862013-04-13T06:10:00.002-07:002013-04-13T06:10:10.364-07:00Mito e FilosofiaO homem pode ser identificado e caracterizado como um ser que pensa e cria explicações. Criando explicações, cria pensamentos. Na criação do pensamento, estão presentes tanto o mito como a racionalidade, ou seja, a base mitológica, enquanto pensamento por figuras, e a base racional, enquanto pensamento por conceitos. Esses elementos são constituintes do processo de formação do conhecimento filosófico.<br />
Este fato não pode deixar de ser considerado, pois é a partir dele que o homem desenvolve suas idéias, cria sistemas, elabora leis, códigos, práticas.<br />
Compreender que o surgimento do pensamento racional, conceitual, entre os gregos, foi decisivo no desenvolvimento da cultura da civilização ocidental é condição para que se entenda a conquista da autonomia da razão (lógos) diante do mito. Isso marca o advento de uma etapa fundamental na história do pensamento e do desenvolvimento de todas as concepções científicas produzidas ao longo da história humana.<br />
O conhecimento de como isso se deu e quais foram as condições que permitiram a passagem do mito à filosofia elucidam uma das questões fundamentais para a compreensão das grandes linhas de pensamento que dominam todas as nossas tradições culturais. Deste modo, é de fundamental importância que o estudante do Ensino Médio conheça o contexto histórico e político do surgimento da filosofia e o que ela significou para a cultura. Esta passagem do pensamento mítico ao pensamento racional no contexto grego é importante para que o estudante perceba que os mesmos conflitos entre mito e razão, vividos pelos gregos, são problemas presentes, ainda hoje, em nossa sociedade, na qual a própria ciência depara-se com o elemento da crença mitológica ao apresentar-se como neutra, escondendo interesses políticos ou econômicos em sua roupagem sistemática, por exemplo.<br />
Ao escrever sobre o conteúdo estruturante Mito e Filosofia, os autores preocupam-se em desenvolver textos que permitam aos estudantes de filosofia fazerem a experiência filosófica a partir de três recortes, que são: Mito e Filosofia; O Deserto do Real; Ironia e Filosofia. Além destes, muitos outros recortes são possíveis dentro deste Conteúdo<br />
Estruturante.<br />
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Mito e Filosofia: trata do problema da ordem e da desordem no mundo.<br />
O homem, ao procurar a ordem do mundo, cria tanto o mito como a filosofia. Muitos povos da antigüidade experimentaram o mito, que é um pensamento por imagens. Os gregos também fizeram a experiência de ordenar o mundo por meio do Mito. Estes perceberam que o Mito era um jeito de ordenar o mundo. A experiência política grega, ao longo dos anos, trouxe a possibilidade do pensamento como logos (razão), pois a vida na pólis impôs exigências que o mito já não satisfazia.<br />
Mas será que com a filosofia o mito desaparece? Será que em nossa sociedade ainda nos orientamos pelo pensamento mítico? Além dessas e outras questões, esse conteúdo procurará as conexões sociológicas e históricas para entender o mito e o nascimento da filosofia na Grécia.<br />
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O Deserto do Real: trata do problema da distinção entre pensamento crítico e não crítico. O que é real, o que parece ser real? Neste Folhas é proposto que se pense na realidade virtual, tão presente em nosso cotidiano. Quais as conseqüências disso para a constituição do nosso pensamento? Além disso, trata-se da condição histórica do surgimento da Filosofia, o que nos permite perceber a importância da Filosofia para a constituição da democracia e do pensamento político. O texto propõe interdisciplinaridade com a Sociologia e a História.<br />
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Ironia e Filosofia: propõe a ironia como experiência do método filosófico.<br />
Basta olhar para nosso dia-a-dia para perceber a ironia. O mundo é irônico, enquanto alguns se fecham em suas casas outros estão presos em sua condição social. É neste contexto que a ironia torna-se uma possibilidade de exercício do pensamento filosófico. Sócrates é apresentado como o primeiro filósofo a utilizar a ironia para levar seus discípulos rumo à aporia para que melhor se apropriassem do pensamento, a maiêutica. Além de Sócrates, Marx é um filósofo que mostra a sociedade capitalista como sendo uma grande ironia, com seus ideais de liberdade e democracia, mas que de fato não dá a todos esse direito.<br />
A música e a literatura são possibilidades de se desenvolver a ironia, seja para lutar contra o poder político autoritário, seja para questionar e criticar a sociedade burguesa falso moralista e conservadora.<br />
Os autores apresentam propostas de atividades que podem possibilitar o exercício do pensamento, do estudo e da criação de conceitos.<br />
Essas atividades levam estudantes e professores a filosofar por meio dos conteúdos da História da Filosofia.<br />
Esse exercício do filosofar ocorrerá por meio da leitura, do debate, da argumentação, da exposição e análise do pensamento. A escrita constitui-se como elemento importante de registro e sistematização, sem a qual o discurso pode perder-se no vazio. É importante lembrar que o processo do filosofar se dá por meio da investigação na qual estudantes e professores descobrem problemas, mobilizam-se na obtenção de soluções filosóficas, estudam a História da Filosofia buscando no trabalho com os conceitos o caminho do filosofar e recriar conceitos.<br />
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<b>Mito e Filosofia</b><br />
<b>Eloi Corrêa dos Santos1, Osvaldo Cardoso2<i></i></b><br />
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Guernica de Pablo Picasso no Museu Reina Sofia – Madrid.<br />
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Certa vez li um livro do poeta Louis<br />
Aragon (1897-1982), e uma frase<br />
sua despertou-me a reflexão. A<br />
frase era: “o espírito do homem não<br />
suporta a desordem porque não pode<br />
pensá-la” (ARAGON, 1996, p. 215 e 241). E várias perguntas<br />
povoaram meu pensamento: o que é<br />
ordem? E a desordem? Ordem e desordem<br />
existem na realidade ou são representações<br />
de mundo criadas pelo pensamento, imaginação<br />
ou preconceito?<br />
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Ordem e Desordem<br />
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Ordem e desordem fazem parte da formação do senso comum e dos processos da razão e, a partir desses conceitos, tratemos de efetuar uma avaliação social e histórica. Vivemos inseridos em certas ordens ou organizações (sociais, políticas, religiosas, econômicas), as quais não dependem de nossa escolha. Pensemos, pode ser que não exista desordem, mas ordens diferentes daquela que costumamos pensar que seja a ordem verdadeira, uma razão imutável, que reina imperativa. Por exemplo: a civilização ocidental é diferente da civilização oriental, o sul da América e o norte da América possuem culturas diferenciadas, ou seja, o mundo é culturalmente diverso e isto enriquece os contatos e as relações, é preciso aprender a conviver com essas diferenças para evitar confrontos, conflitos, guerras e sofrimentos.<br />
Assim também podemos pensar a origem do pensamento moderno ocidental: uma ordem social que se construiu com elementos das mais antigas civilizações ocidentais e orientais. Entre a herança que os antigos como Sófocles, Aristófanes, Hesíodo e Homero nos legaram estão os mitos, maravilhosas narrativas sobre a origem dos tempos, que encantam, principalmente, porque fogem aos parâmetros do modo de pensar racional que deu origem ao pensamento contemporâneo.<br />
É certo que as tradições, os mitos, e a religiosidade respondiam a todos os questionamentos. Contudo, essas explicações não davam mais conta de problemas, como a permanência, a mudança, a continuidade dos seres entre outras questões. Suas respostas perderam convencimento e não respondiam aos interesses da aristocracia que se estabelecia na pólis.<br />
Dessa forma, determinadas condições históricas, do século V e IV a.C., como o estabelecimento da vida urbana na pólis grega, as expansões marítimas, a invenção da política e da moeda, do espaço público e da igualdade entre os cidadãos gestaram juntamente com alguma influência oriental uma nova modalidade de pensamento. Os gregos depuraram de tal forma o que apreenderam dos orientais, que até parece que criaram a própria cultura de forma original.<br />
Podemos afirmar que a filosofia nasceu de um processo de superação do mito, numa busca por explicações racionais rigorosas e metódicas, condizentes com a vida política e social dos gregos antigos, bem como do melhoramento de alguns conhecimentos já existentes, adaptados e transformados em ciência.<br />
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O Mito de Édipo<br />
Os mitos cumpriam uma função social moralizante de tal forma que essas narrativas ocupavam o imaginário dos cidadãos da pólis grega direcionando suas condutas. Na Atenas do século V a.C. existia também o espaço para as comédias que satirizavam os poderosos e personagens célebres, e as tragédias que narravam as aventuras e prodígios dos heróis, bem como suas desventuras e fracassos. Haviam festivais em que os poetas e escritores competiam elegendo as melhores peças e textos, estes festivais eram muito importantes na vida da “pólis” grega, era por meio destes eventos sociais que as narrativas míticas se difundiam.<br />
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O soberano consulta o Oráculo, o que era comum na cultura grega antiga.<br />
O Oráculo afirma que seu primogênito irá desposar a própria mãe e assassinar seu pai, o Rei Laio. Então, Laio manda que eliminem o menino, mas a pessoa encarregada não cumpre a ordem e envia o menino para um reino distante onde ele se torna um grande guerreiro e herói, numa de suas andanças ele encontra um homem arrogante e o mata; chegando ao Reino de Jocasta, Édipo se apaixona e a desposa. Anos mais tarde, Édipo descobre que ele próprio é o personagem da profecia, e num gesto de desespero, arranca os próprios olhos e sai a vagar pelo mundo a fora. A profecia se cumpriu, porque o rei se recusou a matar a criança.<br />
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Esta narrativa possui um fundo moral, o alerta para os desígnios dos deuses, que não devem ser contrariados, e o percurso de Édipo, de toda sua saga, de ter vencido a Esfinge e decifrado seu enigma, seu destino não o poupou. Contudo, um novo pensamento se formava e a vida na pólis cada vez mais é direcionada pela política, e aos poucos a moral estabelecida pelas narrativas míticas foram sendo substituídas pela ética e pelos valores da cidadania grega. O cidadão grego cada vez mais participativo não considerava a idéia de não controlar a própria vida. Na vida da pólis, os homens livres manifestavam suas posições escolhendo entre iguais o direcionamento das decisões e das ações da cidade-estado.<br />
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O Nascimento da Filosofia<br />
O nascimento da filosofia pode ser entendido como o surgimento de uma nova ordem do pensamento, complementar ao mito, que era a forma de pensar dos gregos. Uma visão de mundo que se formou de um conjunto de narrativas contadas de geração a geração por séculos e que transmitiam aos jovens a experiência dos anciãos. Como narrativas, os mitos falavam de deuses e heróis de outros tempos e, dessa forma, misturavam a sabedoria e os procedimentos práticos do trabalho e da vida com a religião e as crenças mais antigas.<br />
Nesse contexto, os mitos eram um modo de pensamento essencial à vida da comunidade, ao universo pleno de riquezas e complexidades que constituía a sua experiência. Enquanto narrativa oral, o mito era um modo de entender o mundo que foi sendo construído a cada nova narração.<br />
As crenças que eles transmitiam ajudavam a comunidade a criar uma base de compreensão da realidade e um solo firme de certezas. Os mitos apresentavam uma religião politeísta, sem doutrina revelada, sem teoria escrita, isto é, um sistema religioso, sem corpo sacerdotal e sem livro sagrado, apenas concentrada na tradição oral, é isso que se entende por teogonia. Vale salientar que essas narrativas foram sistematizadas no século IX por Homero e por Hesíodo no século VII a.C.<br />
Ao aliar crenças, religião, trabalho, poesia, os mitos traduziam o modo que o grego encontrava para expressar sua integração ao cosmos e à vida coletiva. Os gregos a partir do século V a.C. viveram uma experiência social que modificou a cotidianidade grega: a vivência do espaço público e da cidadania. A cidade constituía-se da união de seus membros para os quais tudo era comum. O sentimento que ligava os cidadãos entre si era a amizade, a filia, resultado de uma vida compartilhada.<br />
A Vida Cotidiana na Sociedade Grega<br />
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Quando dizemos que a filosofia nasceu na Grécia, pontuamos que a Grécia do século V a.C. não possuía um Estado unificado, mas eraformada por Cidades-Estados independentes, as chamadas pólis, que foram o berço da política, da democracia e das ciências no ocidente.<br />
Transformaram a matemática herdada dos orientais em aritmética, geometria, harmonia e lapidaram o conceito de razão como um pensar metódico, sistemático, regido por regras e leis universais.<br />
Os gregos eram um povo comerciante, propensos a navegação e ao contato com outras civilizações. A filosofia nascera das adaptações que os pensadores gregos regimentaram aos conhecimentos adquiridos por meio dessas influências, e da superação do pensamento mitológico buscando racionalmente aliar essa nova ordem de pensamento propriamente grega, a vida na pólis. Mas afinal, o que é a pólis? Como se constituía?<br />
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Uma certa extensão territorial, nunca muito grande, continha uma cidade, onde havia o lar com o fogo sagrado, os templos, as repartições dos magistrados principais, a Ágora, onde se efetuavam as transações; e, habitualmente,<br />
a cidadela na acrópole. A cidade vivia do seu território e a sua economia era essencialmente agrária. Competiam-lhe três espécies de atividade: legislativa, judiciária e administrativa. Não menores eram os deveres para com os deuses, pois a “pólis” assentava em bases religiosas e as cerimônias do culto eram ao mesmo tempo obrigações cívicas desempenhadas pelos magistrados. A sua constituição dependia da assembléia popular, do conselho, e dos tribunais formados pelos cidadãos. (PEREIRA, In: GOMES & FIGUEIREDO, 1983 p. 94 - 95)<br />
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O Mito e a Origem de Todas as Coisas<br />
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A multiplicidade de idéias e vertentes que formam o mito pode aparecer, muitas vezes, como desordem. A filosofia pode ser entendida como a tentativa de subordinar a multiplicidade de expressões à ordem racional, de enfrentar a dificuldade de entender os contrários misturados que povoam a vida. Entre mito e filosofia têm-se duas ordens ou duas concepções de mundo e a passagem da primeira à segunda expressa uma mudança estrutural da sociedade. Identificar ou pensar as várias ordens seria como identificar as constelações na imensidão do céu.<br />
As narrativas míticas tentavam responder as questões fundamentais, como: a origem de todas as coisas, a condição do homem e suas relações com a natureza, com o outro e com o mundo, enfim, a vida e a morte, questões que a filosofia desenvolveu no decorrer de sua história. Mas aqui podemos formular outra questão: a filosofia nasceu da superação dos mitos, mas foi uma superação gradual ou um rompimento súbito? Para tanto, temos que primeiramente identificar algumas diferenças básicas entre os mitos e a filosofia.<br />
O Mito (Mythos) é narrado pelo poeta-rapsodo, que escolhido pelos deuses transmitia o testemunho incontestável sobre a origem de todas as coisas, oriundas da relação sexual entre os deuses, gerando assim, tudo que existe e que existiu. Os mitos também narram o duelo entre as forças divinas que interferiam diretamente na vida dos homens, em suas guerras e no seu dia-a-dia, bem como explicava a origem dos castigos e dos males do mundo. Ou seja, a narrativa mítica é uma genealogia da origem das coisas a partir de lutas e alianças entre as forças que regem o universo.<br />
A filosofia, por outro lado, trata de problematizar o porquê das coisas de maneira universal, isto é, na sua totalidade. Buscando estruturar explicações para a origem de tudo nos elementos naturais e primordiais (água, fogo, terra e ar) por meio de combinações e movimentos. Enquanto o mito está no campo do fantástico e do maravilhoso, a filosofia não admite contradição, exige lógica e coerência racional e a autoridade destes conceitos não advém do narrador como no mito, mas da razão humana, natural em todos os homens.<br />
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Numa Perspectiva Filosófica<br />
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Na origem da filosofia encontramos o mito e a poesia. Entre estas, as que chegaram até nós são as poesias de Homero e Hesíodo, que contam detalhes da vida das sociedades gregas antigas. Os mitos dos quais temos notícia são formas de narrativa oral sobre os tempos primordiais, isto é, sobre a origem ou a criação, é o modo como as sociedades arcaicas representavam coletivamente a geração de todas as coisas, isto é, a sua maneira de exprimir suas experiências.<br />
É preciso esclarecer que os chamados primeiros filósofos oriundos da Jônia, mais ou menos no século IV a.C, foram também astrônomos, geômetras, matemáticos, médicos e físicos, isto é, as divisões do saber, as quais estamos acostumados, são modernas e não faziam parte do universo dos antigos. A distinção entre o que é a filosofia e o que é poesia, física, etc., é herança platônica.<br />
Existem duas versões principais sobre a origem da filosofia: a versão mais conhecida é aquela que acentua o surgimento de uma metodologia nova de abordagem dos problemas no esforço de certos pensadores em explicar os fenômenos naturais com métodos que possibilitavam medir, verificar e prever os fenômenos. Nessa versão a filosofia ao nascer, opõe-se ao mito e o substitui, a partir de uma nova racionalidade.<br />
A segunda versão diz que não houve um rompimento com o mito e a religiosidade dos antigos continuou a aparecer nas formas de conhecimento filosófico.<br />
<br />
Não sabemos se os contemporâneos dos primeiros filósofos gregos acreditavam verdadeiramente que a Via Láctea era o leite espalhado pelo seio de Hera, mas quando Demócrito afirma que não se trata senão de uma concentração de estrelas, a maioria considera isso como uma blasfêmia. Quanto a Anaxágoras, que deu como certo ser o Sol um aglomerado de pedras, chegou mesmo a ter conflitos com os poderes públicos. É verdade que as doutrinas dos primeiros filósofos estavam ainda marcadas pela mitologia, mas isso não deve esconder-nos a sua orientação fundamentalmente antimitológica. (OIZERMAN, in: GOMES & FIGUEIREDO, 1983 p. 80 -81)<br />
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As duas respostas podem ser consideradas extremadas. A filosofiasurgiu gradualmente a partir da superação dos mitos, rompendo em parte com a teodicéia. Outras civilizações apresentaram alguma forma de pensamento filosófico, contudo, sempre ligado à tradição religiosa. A filosofia, por sua vez, abandona e supera a crença mítica e abraça a razão e a lógica como pressupostos básicos para o pensar. Então podemos dizer que a filosofia surgiu por meio da racionalização dos mitos, mas sob a influência dos conhecimentos adquiridos de outros povos gerando algo novo, ou seja, houve uma superação e transformação do antigo, gestando o novo de maneira diferente.<br />
Mito e Lógos<br />
Como as pesquisas atuais entendem o mito? Conforme Vernant<br />
(2001) parece que os estudiosos do mito não conseguem definir seu objeto de estudo e o vêem desvanecer-se:<br />
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(...) o tempo de reflexão – esse olhar lançado para trás sobre o caminho<br />
percorrido – não marcaria, para o mitólogo, o momento em que, acreditando<br />
como Orfeu ter tirado sua Eurídice das trevas, impaciente de contemplála<br />
na claridade da luz, ele se volta para vê-la desvanecer e desaparecer para<br />
sempre a seus olhos? (VERNANT, 2001, p. 289)<br />
<br />
Os mitólogos questionam a própria existência dos mitos, percebendo que, no mundo grego, “(...)eles existiram não pelo que eram em si, e sim como relação àquilo que, por uma razão ou outra, os excluíam e os negavam(...)”. (VERNANT, 2001, p. 289) Em outras palavras, o mito existe do ponto de vista de uma razão que pretende separar-se da narrativa oral e da religião. À medida que a razão filosófica constitui-se como método lógico de argumentação e discurso verdadeiro sobre o real, rejeita<br />
“(...) o ilusório, o absurdo e o falacioso. Ele (o mito) é a sombra que toda forma de discurso verdadeiro projeta, por contraste, na hora em que a verdade não aparece mais como mensurável (...)” (VERNANT, 2001, p.291) e perde-se nas brumas da narrativa. É, portanto, ao discurso metódico que o mito deve a sua existência.<br />
<br />
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O Mito Hoje<br />
<br />
Na modernidade, podemos pensar filosoficamente outros conceitos para o mito. Um dos modos de entender o mito é pensá-lo como fantasmagoria, isto é, aquilo que a sociedade imagina de si mesma a partir de uma aparência que acredita ser a realidade. Por exemplo: é mítica a idéia de progresso, porque é uma idéia que nos move e alimenta nossa ação, mas, na realidade não se concretiza. A sociedade moderna não progride no sentido que tudo o que é novo é absorvido para a manutenção e ampliação das estruturas do sistema capitalista. O progresso apresenta-se como um mito porque alimenta o nosso imaginário.<br />
Boaventura, (2003), defende que todo conhecimento científico é socialmente construído, que o rigor da ciência tem limites inultrapassáveis e que sua pretensa objetividade não implica em neutralidade, daí resulta que acreditar que a ciência leva ao progresso e que o progresso e a história são de alguma forma linear, pode ser considerado como o mito moderno da cientificidade. Quando, ao procurarmos analisar a situação presente nas ciências no seu conjunto, olhamos para o passado, a primeira imagem é talvez a de que os progressos científicos dos últimos 30 anos são de uma ordem espetacular que os séculos que nos precederam não se aproximam em complexidade. Então juntamente com Rousseau (1712 - 1778) perguntamos: o progresso das ciências e das artes contribuirão para purificar ou para corromper os nossos costumes? Há uma relação entre ciência e virtude? Há uma razão de peso para substituirmos o conhecimento vulgar pelo conhecimento científico?<br />
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Desde sempre o iluminismo, no sentido mais abrangente de um pensar que faz progressos, perseguiu o objetivo de livrar os homens do medo e de fazer deles senhores. Mas completamente iluminada, a terra resplandece sob o signo do infortúnio triunfal. O programa do iluminismo era o de livrar o mundo do feitiço. Sua pretensão, a de dissolver os mitos e anular a imaginação, por meio do saber. Bacon, “o pai da filosofia experimental” (cofr. Voltaire), já havia coligido as suas idéias diretrizes. (...) Apesar de alheio à matemática, Bacon, captou muito bem o espírito da ciência que se seguiu a ele. O casamento feliz entre o entendimento humano e a natureza das coisas, que ele tem em vista, é patriarcal: o entendimento, que venceu a superstição, deve ter voz de comando sobre a natureza desenfeitiçada. Na escravização da criatura ou na capacidade de oposição voluntária aos senhores do mundo, o saber que é poder não conhece limites. Esse saber serve aos empreendimentos de qualquer um, sem distinção de origem, assim como, na fábrica e no campo de batalha, está a serviço de todos os fins da economia burguesa. Os reis não dispõem sobre a técnica de maneira mais direta do que os comerciantes: o saber é tão democrático quanto o sistema econômico juntamente com o qual se desenvolve. A técnica é a essência desse saber. Seu objetivo não são os conceitos ou imagens nem a felicidade da contemplação, mas o método, a exploração do trabalho dos outros, o capital. (ADORNO e HORKHEIMER, 1975, p. 97-98)<br />
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O iluminismo partiu do pensamento de que a razão seria um instrumento capaz de iluminar a realidade, libertando os homens das trevas da ignorância, da ingenuidade da imaginação e do mito. O animismo, a magia e o fetichismo teriam sido finalmente superados e o mundo estaria livre desses flagelos. O entendimento e a razão assumiriam o comando sobre a natureza e transformar-se-iam em senhores absolutos e imperativos.<br />
No entanto, o iluminismo não deu conta da tarefa que se propôs. Suas luzes não iluminaram tanto quanto se pretendia e a libertação do mito, do dogma e da magia medieval não teve o êxito afirmado por alguns autores. O iluminismo pretendeu retirar o mito e a fantasia de seu altar, mas colocou a razão e a técnica em seu lugar, logo, não derrubou o mito, apenas inverteu, dando à ciência e à técnica o brilho da “verdade”, gestando, assim, o mito moderno da racionalidade.<br />
Para Nietzsche (1844 – 1900) o iluminismo não cumpriu o que se propôs a fazer. Não libertou os homens de seus prejuízos, os mitos não foram abandonados, mas substituídos por novos e mais elaborados heróis. O que pode ser tão escravizador quanto o dogma, isso porque a técnica e o saber científico podem estar a serviço do capital. Além disso, este saber técnico pode coisificar o homem e neste sentido os mitos modernos apresentam-se camuflados. Por isso, a crença na razão de forma absoluta gera um mito, o que caracterizaria um retrocesso no percurso do mito ao logos que, de certo modo, não era a intenção.<br />
<br />
Mas enfim o que é o mito?<br />
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O pensamento mítico é por natureza uma explicação da realidade que não necessita de metodologia e rigor, enquanto que o logos caracteriza-se pela tentativa de dar resposta a esta mesma realidade, a partir de conceitos racionais. Mas existe razão nos mitos?<br />
Não seria também a racionalidade, um mito moderno disfarçado? Assim como na antigüidade, o mito estava a serviço dos interesses da aristocracia rural e, portanto não interessava à aristocracia ateniense, surgindo assim o pensamento racional ligado à “pólis”, no mundo contemporâneo, não estariam o pensamento tecnicista e a ciência, a serviço do capital e das elites que financiam a produção do conhecimento científico?<br />
O homem moderno continua ainda a mover-se em direção a um valor que o apaixona e só posteriormente é que busca explicitá-lo pela razão. Entende-se, pois, que o mito manifesta-se por meio de elementos figurativos, enquanto que o logos utiliza-se de elementos racionais, portanto é preciso deixar bem claro que não se pretende aqui colocar o pensamento racional no mesmo plano do pensamento mítico, mas sim, que a partir de uma releitura percebemos que o Iluminismo não deu conta nem mesmo de realizar a tarefa de que se propôs: iluminar as trevas da ignorância; quanto mais dissolver os mitos e anular a imaginação.<br />
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Referências:<br />
<br />
ARAGON, L. O camponês de Paris. Rio de Janeiro: Editora Imago,<br />
1996.<br />
BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge<br />
Zahar, 1994.<br />
GOMES, L. C.; FIGUEIREDO, Ilda. Antologia filosófica: a reflexão filosófica,<br />
do mito à razão; dialética da acção e do conhecimento; valores<br />
ético-políticos. Lisboa: Livros Horizonte, 1983.<br />
HORKHEIMER, M. e ADORNO, T. W. Conceito de Iluminismo., São Paulo:<br />
Pensadores, 1975.<br />
SANTOS, B. de S. Um discurso sobre as ciências. São Paulo, Cortez,<br />
2003.<br />
VERNANT, J. P. Entre Mito e Política. São Paulo: Editora da USP, 2001.<br />
_________. Mito e Pensamento entre os gregos. São Paulo: Editora da<br />
USP, 1973.<br />
Imagem de abertura: Teseu – o herói de Atenas. 440-430 BC – Feito em<br />
Atenas e encontrado na Itália – Lazio. www.thebritishmuseum.ac.uk<br />
Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-15721064953584158342013-04-13T05:21:00.003-07:002013-04-13T05:21:55.349-07:00FILOSOFIA E MÉTODO<b>Anderson de Paula Borges<i></i></b><br />
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“Todo dia ela faz tudo sempre igual<br />
Me sacode às seis horas da manhã<br />
Me sorri um sorriso pontual<br />
E me beija com a boca de hortelã.”<br />
(Chico Buarque, Cotidiano, 1971)<br />
Na vida diária realizamos tantas tarefas e,muitas vezes, não percebemos que uma parcela significativa delas é feita com alguma metodologia. Considere, a título de exemplo, as atividades que o ser humano realiza diariamente: o ato de vestir-se, tomar banho, preparar a alimentação, amarrar o cadarço do sapato, etc. Esses procedimentos domésticos exigem método. Mas o que é método? Será que o trecho da música de Chico Buarque se refere a uma pessoa metódica? Que diferença há na ação de quem “segue um método” e de quem “faz tudo sempre igual”?<br />
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As Críticas de Aristóteles a Platão<br />
<br />
A teoria do conhecimento se caracteriza por uma preocupação com<br />
a busca de princípios gerais que permitam formular crenças verdadeiras<br />
sobre a realidade. Essa idéia está presente na obra de Platão e é, em<br />
larga medida, o que caracteriza também o pensamento de Aristóteles.<br />
É com Aristóteles que a filosofia ganha uma consciência mais definida<br />
acerca do método a ser adotado quando o assunto é o conhecimento.<br />
Aristóteles contestou Platão porque via problemas em alguns pontos<br />
da explicação platônica do conhecimento. Platão tinha chegado<br />
numa tese importante: para haver conhecimento da realidade, é preciso<br />
encontrar um caminho que dê acesso a idéias que sejam imutáveis,<br />
que não sofram transformações decorrentes da interpretação ou do capricho.<br />
Aristóteles concorda com isso, mas dirige uma crítica a Platão:<br />
para garantir a certeza e validade do conhecimento não é necessário<br />
postular uma teoria que duplique o real, isto é, que crie duas dimensões<br />
na realidade: o sensível e o inteligível, como fez Platão.<br />
Para entendermos bem a crítica de Aristóteles é necessário demorar-<br />
se um pouco mais na teoria platônica que Aristóteles ataca: a chamada<br />
“teoria das Formas.” Com efeito, em obras como República e<br />
Fédon, Platão defende que o conhecimento só é alcançado quando<br />
atingimos a “idéia” ou “conceito” do objeto. Platão utilizava, prioritariamente,<br />
o termo “Forma” para referir-se a essa idéia. Por Forma Platão<br />
entende um núcleo de características de um determinado objeto<br />
ou realidade que mantém seus componentes independentemente dos<br />
exemplares destes objetos encontrados no mundo ou na linguagem.<br />
Um exemplo que nos ajuda a entender isso é pensar naquilo que<br />
você compreende quando houve a palavra Justiça. Se relacionarmos o<br />
que as pessoas entendem por justiça, teremos uma gama variada de<br />
definições, muitas contraditórias entre si. Além disso, a própria aplicação<br />
do conceito à realidade, no sentido de esforçar-se por ser justo,<br />
não é condição suficiente para que saibamos exatamente o que é justiça.<br />
Suponhamos que você diz que agir com justiça é devolver a alguém o<br />
que lhe pertence (cf. República 331e-332c), e dá como exemplo a devolução,<br />
ao dono, de uma arma que você encontrou. Alguém pode protestar<br />
que teria sido mais racional e justo evitar a devolução, pois a arma<br />
poderia ser usada para ferir alguém. É isso que preocupava Platão.<br />
Muitas noções que temos sobre justiça e outros conceitos importantes<br />
esfacelam-se diante de certas circunstâncias. Platão se perguntava se<br />
não haveria um meio de evitar essa ambigüidade em que diferentes situações<br />
exigirão de nós diferentes noções disto ou daquilo. Ele estava<br />
consciente de que se não houvesse um modo de chegar a uma visão<br />
unitária da justiça, jamais haveria possibilidade de entendermos a real<br />
essência do conceito. Pior que isso, os que cometem crimes ou violência<br />
teriam sempre à mão um argumento para justificar suas ações.<br />
<br />
A importância vital das Formas vai muito além da República. Na concepção<br />
platônica da filosofia, todas as inquirições em termos abstratos, que afinal<br />
se destinam a informar a nossa visão do mundo não-abstrato, necessitam<br />
de um objeto de estudo; as Formas oferecem algo de lúcido e real a<br />
examinar, ao passo que o mundo físico, devido a sua ambigüidade, imperfeição<br />
e corruptibilidade, é aparentemente insusceptível de estudo. Isto é,<br />
compreender a justiça das leis do nosso mundo ou a beleza das pessoas<br />
pressupõe um claro conhecimento especulativo da justiça e da beleza “em<br />
si mesmas”. A questão continua a ser a compreensão deste mundo. Mas<br />
o que é a justiça de uma lei e a de uma pessoa? Que estudamos realmente,<br />
quando estudamos uma lei justa? Platão apela para as Formas: a “participação”<br />
da Forma da Justiça, numa pessoa ou numa lei, torna justo quanto<br />
exista nessa pessoa, nessa lei. Por outras palavras, tudo o que é justo, numa<br />
pessoa ou numa lei, reflete as propriedades da Forma da Justiça, tal como<br />
a massa de uma mesa e as propriedades dessa massa são realmente<br />
a massa dos átomos constituintes. (PAPPAS, 1996)<br />
<br />
Daí porque Platão defendia que, para um conjunto específico de<br />
coisas como Justiça, Beleza, Conhecimento, Coragem, Igualdade, etc.,<br />
deveria existir uma única Forma que desse sustentação ao pensamento<br />
sobre essas coisas. Desse modo, ao aplicar o conceito de Justiça a<br />
determinada realidade, no entendimento de Platão, estaríamos aplicando<br />
o conhecimento do objeto aos casos particulares. Dito de outra<br />
forma: não é porque uma cidade foi devastada que a população local<br />
deve se unir e reconstruí-la novamente. Antes mesmo da devastação a<br />
população deve saber que o que define a justiça é cada um fazer a sua<br />
parte (cf. República, livro IV) com vistas ao bem comum. Desse modo,<br />
no momento em que a cidade for arruinada não será necessário nenhum<br />
esforço de conscientização para que uns ajudem os outros, uma<br />
vez que aquela população já sabia agir assim bem antes do acontecimento<br />
trágico.<br />
Isto posto, voltemos às críticas de Aristóteles. Elas estão, sobretudo,<br />
no capítulo 9 da Metafísica. Aristóteles critica vários pontos da teoria.<br />
Vamos nos deter no núcleo comum de suas análises. A preocupação<br />
de Aristóteles é que a teoria das Formas de Platão conduz a um tipo<br />
bem particular de problema: ela torna o pensamento de um objeto independente<br />
deste objeto, ou seja, faz pairar acima dos objetos conceitos<br />
abstratos. Isso não é necessário, pensa Aristóteles. Ele concorda,<br />
por exemplo, que a observação e comparação de diferentes tipos de<br />
cavalo levam a um grupo de aspectos que definem o “conceito de cavalo”.<br />
Isso só pode ser feito pelo pensamento. Mas Aristóteles não concorda<br />
quando Platão imagina que existe algo abstrato e formal como<br />
“a cavalidade”, independentemente da existência de cavalos particulares.<br />
Para Aristóteles, chegamos ao conceito de cavalo mediante estudo<br />
dos exemplares existentes, chegamos ao conceito de humanidade me-<br />
diante estudo de homens concretos e assim por diante. Aristóteles se<br />
pergunta: por que postular propriedades essenciais de cada objeto que<br />
existam separadamente quando sabemos que conceitos, termos, palavras,<br />
frases são produto do próprio pensamento e só existem enquanto<br />
pensamento? Para Aristóteles um homem é mais real que a humanidade,<br />
e é por meio do primeiro que chegamos ao conceito do segundo.<br />
<br />
do particular ao geral: 1º movimento do entendimento<br />
<br />
Numa obra chamada “Física” Aristóteles esclarece o passo do conhecimento:<br />
“o percurso naturalmente vai desde o mais cognoscível e mais claro<br />
para nós em direção ao mais claro e mais cognoscível por natureza...”<br />
(Física I,184a16-17)<br />
Não é difícil entender o que Aristóteles está dizendo. Se você é um<br />
especialista em teoria da relatividade e foi chamado para uma palestra<br />
a um público que não entende coisa alguma de física, será melhor<br />
iniciar sua fala por alguns exemplos triviais do cotidiano para cativar<br />
o público e só então arriscar conceitos mais técnicos ou fórmulas. Em<br />
outras palavras, você fará um caminho que vai do “particular” (o que<br />
faz parte da experiência do público) ao “geral” (a visão de conjunto,<br />
mais técnica e elaborada, sobre a qual você vai falar). A marcha do nosso<br />
entendimento vai do simples ao complexo. Isso significa que compreendemos<br />
melhor um assunto quando podemos fazer a passagem daquilo<br />
que conhecemos para aquilo que desconhecemos. Observe como os<br />
grandes oradores começam seus discursos por analogias ou casos que<br />
a platéia logo se identifica.<br />
No texto da “Física” Aristóteles dá o exemplo da criança para ilustrar<br />
sua tese: inicialmente ela chama qualquer homem ou mulher de<br />
pai e mãe. Só mais tarde aprenderá a identificar quem é pai e mãe, e<br />
com o tempo formará um conceito de paternidade e maternidade. Há<br />
aqui um curso do entendimento que vai do particular ao universal, fazendo<br />
com que o conhecimento amplie-se. Aristóteles, que era considerado<br />
um professor brilhante, já dominava em seu tempo noções de<br />
psicologia e pedagogia para saber que ser humano algum adquire conhecimento<br />
se não puder partir daquilo que já sabe.<br />
do universal ao particular: 2º movimento do entendimento<br />
<br />
Atenção: a regra anterior é absoluta no que toca ao aprendizado,<br />
mas ela não diz tudo. O texto da Física também indica que o “claro”<br />
para nós é, freqüentemente, um dado muito geral e simplista. O conhecimento<br />
só é efetivo quando puder descer às minúcias. É isso que<br />
Aristóteles quer dizer com “(...) mais claro e mais cognoscível para nós<br />
em direção ao mais claro e mais cognoscível por natureza”. A marcha é do que nós sabemos em direção ao que as coisas são de fato. Procure não fazer confusão sobre esse ponto. Essa é a razão pela qual os melhores alunos na escola são aqueles que desenvolvem o hábito de acompanhar os pontos principais do conteúdo. A regra de ouro é: compreenda os conceitos principais, mais gerais, só então se dedique ao estudo dos pontos particulares. Muitas vezes esses alunos são tomados por “inteligentes”, mas não é nada disso. Adquirir conhecimento é uma questão de saber como procede o aprendizado. Muitos que tiram os primeiros lugares nos vestibulares não dedicam mais do que 4 horas de estudo por dia no período de preparação, o que escandaliza os demais que no mesmo período chegam a estudar 10 horas por dia e não alcançam os mesmos resultados.<br />
<br />
<br />
A Lógica Aristotélica<br />
<br />
Os limites deste texto não permitem expor de forma detalhada muitos<br />
pontos importantes da visão aristotélica do conhecimento. Mas não<br />
poderíamos deixar de dizer uma palavrinha sobre a lógica aristotélica.<br />
Antes de Aristóteles não houve nenhum filósofo que se preocupasse<br />
com a formalização de regras que pudessem garantir a validade de raciocínios<br />
e argumentos. Este é propriamente o objeto da lógica. Como<br />
destaca Zingano (2002), para Aristóteles era mais desafiante encontrar<br />
uma forma de organizar a massa de dados do conhecimento do que<br />
propriamente reuní-los. Nesse sentido, Aristóteles percebeu que se fazia<br />
necessária uma classificação dos conhecimentos: ele dividiu as ciências<br />
em teóricas (matemática, física e metafísica), práticas (ética e política) e produtivas (agricultura, metalurgia, culinária, pintura, engenharia,<br />
etc.). Mas o filósofo também concluiu que é fundamental estudar<br />
o procedimento correto que deve orientar uma investigação em<br />
qualquer destas áreas. Foi então que nasceu a lógica, conjunto de regras<br />
formais que servem para ensinar a maneira adequada de se produzir<br />
argumentos, raciocínios, proposições, frases e juízos.<br />
Aristóteles em vida não pôde organizar sua obra. Essa tarefa ficou<br />
a cargo de seus alunos. Os escritos que tratavam do raciocínio foram<br />
reunidos num único volume que recebeu o título de Organon, literalmente<br />
“instrumento”. O Organon é um conjunto de diferentes tratados<br />
(exposição sistemática de um tema): Categorias, Tópicos, Dos Argumentos<br />
Sofísticos, Primeiros Analíticos, Segundos Analíticos e Da Interpretação.<br />
Segundo o historiador da filosofia Giovanni Reale, Aristóteles sabia<br />
que estava sendo pioneiro quando começou a estudar uma forma de<br />
argumentação chamada silogismo. Por meio das análises que o filósofo<br />
fazia de textos de sofistas, de Sócrates e do pensamento de Platão,<br />
a lógica aristotélica:<br />
(...)assinala o momento no qual o logos filosófico, depois de ter amadurecido<br />
completamente através da estruturação de todos os problemas, como<br />
vimos, torna-se capaz de pôr-se a si mesmo e ao próprio modo de proceder<br />
como problema e assim, depois de ter aprendido a raciocinar, chega<br />
a estabelecer o que é a própria razão, ou seja, como se raciocina, quando<br />
e sobre o que é possível raciocinar. (REALE, 1994)<br />
Aristóteles chegou num ponto em que não se tratava mais de desenvolver<br />
conteúdos filosóficos, mas de examinar a forma como a razão<br />
procede. Durante séculos a humanidade dependeu dos escritos de<br />
Aristóteles para estudar áreas tão distintas como a física e a metafísica.<br />
Ao ensinar os princípios básicos do pensamento, Aristóteles forneceu<br />
à humanidade regras de argumentação que permanecem válidas ainda<br />
hoje, sobretudo em domínios como a ética e a política.<br />
<br />
O que caracteriza a lógica?<br />
“Uma vez que a lógica não<br />
é apenas argumento válido,<br />
mas também reflexão sobre<br />
os princípios da validade, esta<br />
só aparecerá naturalmente<br />
quando já existe à disposição<br />
um corpo considerável de inferências<br />
ou argumentos. A<br />
investigação lógica, a de pura<br />
narrativa, não é suscitada<br />
por qualquer tipo de linguagem.<br />
A linguagem literária,<br />
por exemplo, não fornece suficiente<br />
material de argumentos<br />
e inferências. As investigações<br />
em que se pretende<br />
ou procura uma demonstração<br />
é que naturalmente dão<br />
origem à reflexão lógica, uma<br />
vez que demonstrar uma proposição<br />
é inferi-la validamente<br />
de premissas verdadeiras.<br />
“(KNEALE, 1991, p. 03)<br />
<br />
Descartes e as Regras para<br />
Bem Conduzir a Razão<br />
<br />
Uma das obras mais fundamentais da filosofia chama-se Discurso<br />
do Método e traz o seguinte subtítulo: “para bem conduzir sua razão<br />
e buscar a verdade nas ciências”. Será que não é pretensão demais para<br />
um texto escrito de forma autobiográfica? A trajetória do texto e o poder<br />
que exerceu sobre a tradição posterior revelam que não. O Discurso<br />
do Método é uma obra destinada, inicialmente, a servir de prefácio<br />
a três ensaios do filósofo e matemático Descartes: a Dióptrica, os<br />
Meteoros e a Geometria. Os dois primeiros só interessam hoje aos historiadores<br />
do pensamento cartesiano. Já o terceiro teve ampla divulgação<br />
entre os matemáticos, por razões que veremos mais tarde. Quanto<br />
ao Discurso, dividido em seis partes, apesar de Descartes dizer que<br />
seu propósito era apenas “(...) mostrar de que maneira ele se esforçou<br />
para bem conduzir sua razão.” (Descartes, 1962) frase que devemos<br />
atribuir à modéstia de Descartes, na verdade a obra expõe com clareza<br />
uma série de argumentos que permitem à filosofia fundamentar todo<br />
o edifício do saber.<br />
Na segunda parte do Discurso, Descartes enumera quatro preceitos<br />
que devem conduzir a ciência. Acompanhemos o texto do filósofo:<br />
<br />
René Descartes (1596-1650).<br />
O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que<br />
eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente<br />
a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que<br />
não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito, que eu<br />
não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida. O segundo, o de dividir<br />
cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas<br />
possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las. O terceiro,<br />
o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos<br />
mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco, como por degraus,<br />
até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma<br />
ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. E o último,<br />
o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão<br />
gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir. (DESCARTES, 1962)<br />
A primeira regra, também conhecida por “regra da evidência”, sintetiza<br />
um ponto muito importante na filosofia cartesiana. Descartes entende<br />
que a razão é uma capacidade que o homem possui para examinar<br />
os dados que os sentidos captam. Nisto ele não se distingue de<br />
filósofos anteriores. Mas, Descartes também pensa que a verdade e a<br />
certeza são condições sem as quais um homem não pode dizer que possui conhecimento. O filósofo foi educado em La Flèche, uma escola<br />
jesuíta que reunia o que havia de melhor em termos de Metafísica<br />
e Teologia do século XVII. Por meio dessa instrução, Descartes pôde<br />
exercitar-se durante anos em investigações metafísicas oriundas da<br />
Idade Média cujas teses e argumentos são, em sua maior parte, raciocínios<br />
prováveis. É contra esse tipo de procedimento que o método<br />
cartesiano ganha força. Para Descartes é importante rejeitar todos os<br />
juízos, demonstrações e dados que não possam ser tidos como verdadeiros<br />
e indubitáveis. Quando Descartes recomenda a certeza ele pensa<br />
naquela “luz natural” que cada homem possui, permitindo-lhe “intuir”<br />
(no sentido preciso de ver) a verdade de cada coisa. Veja como o<br />
filósofo delineia o método que orienta essa “visão mental”:<br />
Todo método consiste inteiramente em ordenar e em agrupar os objetos<br />
nos quais deveremos concentrar o nosso poder mental se pretendermos<br />
descobrir alguma verdade. Seguiremos este método com exatidão se<br />
desse início reduzirmos as questões complicadas e obscuras, substituindo-<br />
as, passo a passo, por outras mais simples e depois, começando pela<br />
intuição das mais simples de todas, tentarmos conhecer todas as outras,<br />
através dos mesmos processos. (in: COTTINGHAM, 1989)<br />
Você pode aplicar esse método no estudo de qualquer coisa, mas<br />
não deixe de atentar para o seguinte: a mensagem de Descartes é que<br />
sua razão segue um passo que vai do simples ao complexo por meio<br />
de graus de entendimento na matéria. Além disso, o trecho acima revela<br />
que o entendimento é uma espécie de visão mental, ou intuição,<br />
termo redefinido por Descartes e cujo significado não pode ser confundido<br />
com a tradição aristotélica. Em Descartes intuição é uma capacidade<br />
análoga à faculdade da visão. A clareza que o entendimento<br />
busca é uma capacidade de ver mentalmente as estruturas e qualidades<br />
dos corpos existentes, do mesmo modo que a projeção de mais<br />
luz sobre um corpo permite uma visão mais detalhada e precisa desse<br />
corpo.<br />
Segundo Granger, o espírito do cartesianismo é o espírito da matemática:<br />
Dividir a dificuldade, ir do simples ao complexo, efetuar enumerações<br />
completas, é o que observa rigorosamente o geômetra quando analisa um<br />
problema em suas incógnitas, estabelece e resolve suas equações. A originalidade<br />
de Descartes consiste em ter determinado, de forma por assim dizer<br />
canônica, essas regras de manipulação que somente se esboçam em<br />
seus contemporâneos na sua aplicação particular às grandezas, e de havêlas<br />
ao mesmo tempo oposto e substituído à Lógica da Escola, na qual vê<br />
apenas um instrumento de Retórica, inutilmente sofisticado. (DESCARTES, 1962)<br />
<br />
Como se vê, o método cartesiano é uma projeção de princípios e<br />
regras que orientam o raciocínio matemático-geométrico. A terceira e<br />
quarta regras, respectivamente, apenas confirmam um procedimento<br />
de resolução de problemas na geometria: as linhas e as figuras simples<br />
estão contidas nas compostas, etc.<br />
Vale ressaltar uma caracterização do conhecimento em Descartes<br />
que podemos chamar de “unitária”. Talvez sem o saber, Descartes retoma<br />
a opinião de Platão, para quem é possível identificar uma natureza<br />
comum do conhecimento, e se põe contra Aristóteles nesse ponto,<br />
o qual defendia a necessidade de distintas metodologias e perfis diferentes<br />
para cada ramo do saber.<br />
<br />
Filosofia e Matemática<br />
<br />
Na escola você aprende que geometria significa, etimologicamente,<br />
“medir a terra”. É uma definição que está na origem das noções geométricas,<br />
quando egípcios e babilônios desenvolveram técnicas para<br />
medir a extensão de rios, terras e observar o movimento dos astros.<br />
Aos poucos essa noção rudimentar foi sendo aprimorada pelas matemáticas<br />
dedutivas gregas que chegaram, até Euclides, num nível de<br />
abstração bastante sofisticado.<br />
Mas é no século XVII, quando o matemático Fermat (1601-1665) e<br />
o próprio Descartes desenvolvem a álgebra, que a geometria dá um<br />
passo decisivo rumo àquilo que é hoje. Os historiadores da matemática<br />
divergem sobre o fato de Descartes e Fermat terem sido os reais pioneiros<br />
da chamada “geometria analítica”. O certo é que na obra Geometria,<br />
de 1637, na terceira parte, Descartes simplifica bastante o simbolismo usado pelas matemáticas anteriores. Como atesta Granger:<br />
<br />
Para convencer-se disso, bastaria compará-lo com uma página da Álgebra<br />
de Clavius, onde nenhuma equação é completamente formulada em<br />
símbolos e onde signos cabalísticos representam as diversas potências da<br />
coisa, isto é, da incógnita. (DESCARTES,1962)<br />
<br />
<br />
<br />
Essa inovação deve-se à firmeza de Descartes em exigir uma clareza nas demonstrações matemáticas. A Geometria permitiu que Descartes estudasse a natureza do mundo físico pela ótica do pensamento matemático. O que Descartes mais apreciava na geometria é o poder que ela possui de rejeitar as “noções qualitativas indeterminadas em favor das de quantidades rigorosamente determinadas”. (COTTINGHAM, 1989)<br />
<br />
A geometria analítica<br />
Segundo o racionalismo de Descartes, o melhor caminho para a compreensão de um problema é a ordem e a clareza com que processamos nossas reflexões. Um problema sempre será mais bem compreendido se o dividirmos em uma série de pequenos problemas que serão analisados isoladamente do todo. Com intuito de ilustrar o alcance do método filosófico para o raciocínio e a busca da verdade, Descartes utilizou o terceiro apêndice de sua obra para a descrição de um tratado geométrico com os fundamentos daquilo que conhecemos hoje como geometria analítica.<br />
Em essência, a geometria analítica pensada por Descartes seria uma tradução das operações algébricas em linguagem geométrica, e a essa nova forma de proceder segue uma enorme crença do autor no novo método como uma forma organizada e clara de resolver problemas de natureza geométrica.<br />
Vejamos como a idéia central do método cartesiano está impregnada nos procedimentos de resolução do seguinte problema geométrico sem uso da fórmula de distância de ponto a reta: determinar a altura relativa ao vértice C do triângulo de vértices A(xa,ya), B(xb,yb) e C(xc,yc).<br />
<br />
Dividiremos o problema em 5 problemas menores:<br />
<br />
Primeira etapa: determinar a equação da reta que passa pelos pontos<br />
A e B.<br />
<br />
Segunda etapa: encontrar o coeficiente angular de uma reta perpendicular<br />
à reta que passa por A e B.<br />
<br />
Terceira etapa: determinar a equação da reta que passa por C e tem<br />
o coeficiente angular igual ao encontrado na segunda etapa.<br />
<br />
Quarta etapa: encontrar o ponto P de intersecção das retas da primeira<br />
e terceira etapas.<br />
<br />
Quinta etapa: calcular a distância entre os pontos P e C (a altura do triângulo).<br />
<br />
“Sem dúvida, o projeto filosófico de Descartes trouxe inegáveis contribuições para o desenvolvimento da ciência de modo geral e da matemática em particular, contudo vale ressaltar que a fragmentação do conhecimento que dele decorre é um dos mais sérios problemas a serem enfrentados pelo homem contemporâneo.”<br />
<br />
(José Luiz Pastore Mello, in: Folha Online - 26/12/2000)<br />
<br />
<br />
Quando Descartes nasceu, em 1596, a Europa passava por uma revolução importante nas ciências. Galileu já usava em 1610 o telescópio para detectar as fases de Vênus e publicava, no mesmo ano, uma obra chamada O mensageiro das Estrelas na qual dava conta da descoberta de quatro satélites ao redor de Júpiter. Esse dado, conjugado com muitos outros, chocava-se com a astronomia ptolomaica, segundo a qual todos os astros giravam em torno da Terra. A Europa de Descartes ainda estava, no entanto, sob o efeito da longa tradição medieval que durante séculos valorizou os estudos teológicos em detrimento dos fenômenos naturais. O que teria levado a Igreja a retardar durante tanto tempo o avanço do conhecimento científico?<br />
Segundo o físico e historiador da ciência Marcelo Gleiser, para se entender esse fato é preciso entender o contexto político que se formou desde o século IV d.C. Devemos lembrar que a Igreja sempre foi uma guardiã, no sentido literal, de todo o saber que foi transmitido pelos antigos.<br />
Mas esse zelo também impedia que teorias modernas ganhassem espaço e ameaçassem o conhecimento tradicional. O pensamento cartesiano não deixa de se chocar com esse panorama. Sua física, por exemplo, diz que os dois principais conceitos do universo são “matéria” e “movimento”. Não há para Descartes, como havia para os teólogos católicos e aristotélicos, algum tipo de finalidade no mundo, ou seja, um sentido e função prévios definidos por alguma inteligência divina.<br />
A biologia cartesiana também entra em conflito com a descrição medieval do homem. Para Descartes o corpo humano tem a estrutura de uma máquina, funcionando em perfeita harmonia como um relógio.<br />
Para os medievais o que move o corpo é a alma, mas Descartes não aceita isso. Para ele o corpo deve ser explicado a partir de sua estrutura física: veias, sangue, circulação, cérebro, músculos, membros, etc. É uma revolução que deixou perplexa sua época. O corpo em Descartes deixava de ser um receptáculo do espírito para se tornar um mecanismo complexo ao alcance da compreensão e estudo humanos.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Referências<br />
<br />
ANGIONI, L. Aristóteles – Cadernos de Tradução 1: Física livros I e II. Campinas:<br />
IFCH-Unicamp, 2002.<br />
COTTINGHAM, J. A filosofia de Descartes. Rio de Janeiro: Edições Setenta,<br />
1989.<br />
DESCARTES, R. Obra Escolhida. São Paulo: Difusão Européia do Livro,<br />
1962.<br />
FARIA, M. C. B. Aristóteles: a plenitude do Ser. São Paulo: Moderna,<br />
1994.<br />
GLEISER, M. A Dança do Universo: dos mitos da criação ao Big-Bang.<br />
São Paulo: Companhia das Letras, 2002.<br />
IDE, P. A arte de Pensar. São Paulo: Martins Fontes, 2000.<br />
ROSS, D. Aristóteles. Lisboa: Dom Quixote, 1987<br />
ZINGANO, M. Platão e Aristóteles; os caminhos do conhecimento. São<br />
Paulo: Odysseus, 2002.<br />
<br />
Documentos consultados online:<br />
<br />
BUARQUE, C. Cotidiano. Disponível em: http://chico-buarque.letras.terra.<br />
com.br. Acesso: 15/03/2006.<br />
<br />
Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-21677777653988483472013-03-30T14:24:00.000-07:002013-03-30T14:25:50.097-07:00MOVIMENTOS AGRÁRIOS NO BRASILValéria Pilão<br />
<br />
<br />
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0joNjZtuP0gbpgnuRFXA2otwCr9LdxuqaZzV2DT45iM2RJrFbPRCWBI5sgxVltW5eoX0XxYFfS8uMghxnXd3-Ezgg-qkUx_2iCKk8-xyCbHrKe2aoCXql0c9kFJ8A_A51efV7Z7OD8QQ/s1600/MST.jpg" imageanchor="1" ><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0joNjZtuP0gbpgnuRFXA2otwCr9LdxuqaZzV2DT45iM2RJrFbPRCWBI5sgxVltW5eoX0XxYFfS8uMghxnXd3-Ezgg-qkUx_2iCKk8-xyCbHrKe2aoCXql0c9kFJ8A_A51efV7Z7OD8QQ/s320/MST.jpg" /></a><br />
<br />
<br />
<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><br />
</div>Se você fosse um latifundiário, o<br />
que pensaria sobre os movimentos<br />
sociais que lutam pela reforma<br />
agrária?<br />
E se você fosse um trabalhador rural<br />
sem lugar para morar e trabalhar,<br />
você participaria desses movimentos?<br />
<br />
“- Essa cova em que estás,<br />
com palmos medida,<br />
é a cota menor<br />
que tiraste em vida.<br />
- É de bom tamanho,<br />
nem largo nem fundo,<br />
é a parte que te cabe<br />
neste latifúndio.<br />
- Não é cova grande.<br />
é cova medida,<br />
é a terra que querias<br />
ver dividida.<br />
[...]<br />
- Viverás, e para sempre<br />
na terra que aqui aforas:<br />
e terás enfim tua roça.<br />
- Aí ficarás para sempre,<br />
livre do sol e da chuva,<br />
criando tuas saúvas.<br />
- Agora trabalharás<br />
só para ti, não a meias,<br />
como antes em terra alheia.<br />
- Trabalharás uma terra<br />
da qual, além de senhor,<br />
serás homem de eito e trator.<br />
- Trabalhando nessa terra,<br />
tu sozinho tudo empreitas:<br />
serás semente, adubo, colheita”.<br />
(João Cabral de Mello Neto, “Morte e Vida Severina”)<br />
<br />
Reforma Agrária: Processo<br />
de redistribuição de<br />
terras (latifúndios), em pequenas<br />
propriedades realizado<br />
pelo governo.<br />
<br />
Vamos refletir sobre estes problemas conhecendo<br />
os movimentos sociais que lutam pela<br />
posse da terra!<br />
Como foi dito no “Folhas” anterior com relação aos movimentos sociais,<br />
para que possamos compreender um movimento temos que entender<br />
as necessidades históricas que possibilitaram o surgimento deste.<br />
Ou seja, para abordarmos a questão dos movimentos sociais rurais<br />
no Brasil é necessário analisar e entender o desenvolvimento do capitalismo<br />
brasileiro e suas formas de produção agrária.<br />
Para alguns autores das Ciências Humanas, houve pelo menos três<br />
formas de desenvolvimento do capitalismo. Isto quer dizer que ao longo da história os países tornaram-se capitalistas, mas cada um com características<br />
específicas. Para ilustrar o que estamos discutindo, podemos<br />
exemplificar perguntando por que o Brasil é diferente dos EUA,<br />
ou da Itália, e assim por diante. E é por conta desta maneira diferenciada<br />
de desenvolvimento do sistema capitalista, que temos, por exemplo,<br />
movimentos sociais que lutam pela Reforma Agrária no Brasil e<br />
não na Europa.<br />
<br />
<br />
Vejamos como isso aconteceu!<br />
<br />
Em países como a França e a Inglaterra têm-se a chamada via clássica<br />
do desenvolvimento do capitalismo. Isso quer dizer que nesses países,<br />
a burguesia realizou rupturas radicais com o antigo mundo feudal<br />
e absolutista, cujas bandeiras de luta desejavam não só o progresso,<br />
mas também, a liberdade, a igualdade e a fraternidade para todos os<br />
indivíduos. Em outras palavras, nestes ocorreu uma revolução, a Revolução<br />
Francesa (1789) e a Revolução Industrial (século XVIII).<br />
Em locais onde esses processos revolucionários aconteceram, especialmente<br />
na Revolução Francesa, a burguesia tomou o poder junto a<br />
outros segmentos sociais e, posteriormente, renegou a classe que antes<br />
havia conduzido a queda do mundo absolutista, a saber, a classe de<br />
camponeses expropriadas de suas terras, um número significativo de<br />
pequenos comerciantes e aos trabalhadores assalariados da cidade (ainda<br />
em número reduzido), que mais tarde resultaria no proletariado.<br />
No restante da Europa e, em destaque, na Alemanha, a transição<br />
para o sistema capitalista não se deu pelo movimento de massas populares,<br />
mas sim num acordo entre a burguesia ascendente e a nobreza<br />
feudal decadente. Este processo foi descrito por Marx e Engels como<br />
aburguesamento da nobreza e enobrecimento da burguesia.<br />
Esse caminho de desenvolvimento do capitalismo foi denominado<br />
por Lênin de via prussiana do desenvolvimento burguês. Diferentemente<br />
do ocorrido na França e Inglaterra, não há ruptura revolucionária<br />
com as antigas classes dominantes de proprietários rurais.<br />
Apresentamos até agora, duas formas de desenvolvimento do capitalismo,<br />
no entanto, dependendo da leitura que se faça sobre o desenvolvimento<br />
do mesmo, ainda é possível tratar a respeito de uma terceira<br />
forma. Esta terceira forma está diretamente vinculada à maneira<br />
como o capitalismo desenvolveu-se no Brasil, que teve início no Período<br />
Colonial, a partir do século XVI.<br />
Não só o “descobrimento” do Brasil, bem como todo o processo<br />
produtivo que aqui foi desenvolvido, esteve necessariamente vinculado<br />
com as necessidades políticas e econômicas da metrópole portuguesa.<br />
Tanto a extração de pau-brasil, quanto a produção de cana-deaçúcar<br />
eram atividades realizadas de acordo com as necessidades da<br />
economia da coroa portuguesa.<br />
<br />
Lênin: Vladimir Ilitch Lênin<br />
(1870-1924) Um dos<br />
participantes da Revolução<br />
Russa (1917) — revolução<br />
esta que teve por objetivo<br />
criar um sistema socialista<br />
—, desenvolveu importantes<br />
discussões a respeito do<br />
desenvolvimento do capitalismo<br />
e sobre a implementação<br />
do socialismo na Rússia.<br />
<br />
Os latifúndios de monocultura formam a base da organização agrária<br />
do nosso país. Desde o início de nossa formação social temos na<br />
constituição do Brasil a presença de latifúndios vinculados à monocultura.<br />
Esta característica, apresentada desde o princípio, mantém-se predominantemente<br />
em toda a história brasileira.<br />
A história do Brasil agrário é marcada por uma característica peculiar:<br />
o fato de nossa produção sempre ter ocorrido vinculado às necessidades<br />
dos países europeus, seja no período de transição do mundo<br />
medieval para o capitalista, seja posteriormente, já com o efetivo desenvolvimento<br />
do capitalismo. São as necessidades do capital internacional<br />
que direcionam nossa produção.<br />
Assim, desde o período no qual a economia baseava-se na produção<br />
canavieira, passando pela produção de algodão (mercadoria produzida<br />
em larga escala, devido à demanda oriunda da revolução industrial),<br />
produção cafeeira e atualmente, da soja e do gado de corte,<br />
dentre outras mercadorias produzidas, o Brasil manteve-se com uma<br />
economia agrária subordinada aos interesses externos e, portanto, dentro<br />
de um modelo agro-exportador.<br />
Se por um lado, afirma-se que tais empreendimentos são positivos<br />
para o desenvolvimento da economia nacional, do PIB (Produto Interno<br />
Bruto) e da balança comercial, por outro, uma série de fatores negativos<br />
podem ser evidenciados nesta forma de desenvolvimento agrário.<br />
Dentre estes fatores podemos citar:<br />
a) este é um tipo de produção que por estar vinculado a interesses externos<br />
ao do país pode, a qualquer momento, em função de uma<br />
crise da economia mundial, por exemplo, tornar-se desinteressante,<br />
e por conta disso criar uma situação de crise econômica nacional;<br />
b) este tipo de modelo agrário, por necessitar de grandes extensões de<br />
terras, torna a propriedade rural restrita a uma pequena parcela da<br />
população;<br />
c) realiza uma produção que não satisfaz as necessidades imediatas<br />
(subsistência) da população nacional.<br />
Esses fatores são as principais explicações que nos mostram a necessidade<br />
de uma Reforma Agrária no Brasil. E também demonstram<br />
porque tal fato não acontece, por exemplo, nos países europeus.<br />
Vimos, mesmo que brevemente, que nos países de via clássica<br />
(França e Inglaterra) houve uma revolução que rompe com o antigo<br />
mundo medieval, e ainda, nesses países a produção agrícola não foi a<br />
da monocultura, caracterizando a formação do latifúndio, muito pelo<br />
contrário, esses países compravam a produção das colônias (monocultura)<br />
para a sua produção industrial.<br />
<br />
Capital Internacional:<br />
Acúmulo de riqueza, reproduzido<br />
no desenvolvimento<br />
industrial, financeiro e<br />
agrário de um país diferente<br />
do seu local de origem<br />
(geralmente países periféricos<br />
como o Brasil), visando<br />
sempre a geração de mais<br />
riqueza e lucro, que retornará<br />
ao seu país inicial.<br />
<br />
Balança Comercial: Relação<br />
final entre a exportação<br />
e importação de mercadorias<br />
por um país.<br />
<br />
PIB: Valor total da produção<br />
e riqueza produzida em<br />
um país.<br />
<br />
Quando houve a revolução industrial na Europa, e a Inglaterra iniciou<br />
com a produção têxtil, foi o Brasil um dos fornecedores de algodão.<br />
Hoje, a produção de laranja em larga escala é exportada aos Estados<br />
Unidos, e também a soja é exportada para vários países.<br />
Na atualidade, essa realidade da produção agrícola baseada em<br />
enormes extensões de terras com uma pequena variação do tipo de<br />
produto proporciona uma sociedade na qual a quantidade de proprietários<br />
de terra é reduzida, e ainda, a produção da pequena propriedade<br />
rural é praticamente massacrada no mercado nacional.<br />
Há pelo menos de 4 a 6 milhões de famílias sem-terra, cerca de 1%<br />
dos proprietários rurais possuem 46% das terras produtivas e cadastradas<br />
no Brasil (Censo do IBGE – 1996). As propriedades com menos de<br />
100 ha representam neste último censo, 89,3% das propriedades, mas<br />
representam cerca de 20% das terras brasileiras. Neste mesmo Censo<br />
foram registradas 17.930.890 pessoas ocupando atividades no campo,<br />
contrapondo-se aos dados de 1985 — que registram 23.394.881 trabalhadores<br />
— portanto, percebe-se uma redução do trabalho no campo<br />
em 23%.<br />
Existe um outro indicativo que contribui para destacarmos a importância<br />
da pequena propriedade na produção agrícola no Brasil. Segundo<br />
os dados estatísticos sobre o montante da produção das pequenas<br />
e médias propriedades produzidos pelo IBGE no Censo Agropecuário<br />
de 1996, temos que: a produção de áreas com menos de 100 ha<br />
correspondem a 47% da produção nacional, os estabelecimentos entre<br />
100 ha a 1.000 ha correspondem a 32%; já as áreas com 1.000 ha<br />
a 10.000 ha correspondem a 17% da produção, e ainda, as áreas acima<br />
de 10.000 ha produzem apenas 4% do valor total da produção no<br />
Brasil.<br />
Segundo esses dados, é possível observar que mesmo a produção<br />
da pequena e média propriedade sendo desvalorizada pela existência<br />
de atividades rurais agro-exportadoras, ela é responsável pela maior<br />
parte da produção agrária realizada no país. Isso em última instância<br />
reforça a discussão e a necessidade de realização de uma grande Reforma<br />
Agrária neste território.<br />
São consideradas no Brasil, segundo a chamada Lei de Reforma<br />
Agrária, pequenas propriedades, áreas que possuam menos de 5 módulos<br />
fiscais, médias propriedades, aquelas que tenham de 5 a 15 módulos<br />
e grandes propriedades, áreas que tenham mais de 15 módulos.<br />
Os valores dos módulos fiscais variam de Estado para Estado, de região<br />
para região, pois para a determinação do valor em hectares são<br />
levados em consideração o tipo de exploração predominante no município,<br />
a renda obtida com tal exploração, outras atividades produtivas<br />
na área, e ainda, o conceito de propriedade familiar.<br />
<br />
Bom, até aqui explicamos, mesmo que brevemente, porque um país<br />
como o Brasil possui movimentos sociais cujo objetivo é a Reforma<br />
Agrária. Mas temos ainda de entender quando e como esses movimentos<br />
sociais se organizam para tal.<br />
Primeiros Movimentos de luta pela terra:<br />
As Ligas Camponesas<br />
Vamos descrever um quadro social bastante peculiar quanto às suas<br />
características agrárias. Características estas que colocam em xeque<br />
a forma como a organização do campo encontra-se na atualidade, pelo<br />
menos no que diz respeito à distribuição de terras. Se por um lado,<br />
tem-se um país cuja formação capitalista permitiu uma desigualdade<br />
social ímpar, e certamente necessita de uma reformulação para atender<br />
às necessidades de toda a população; por outro, essa transformação<br />
pode ser alcançada de diversas maneiras.<br />
Ao longo da história brasileira, principalmente no que diz respeito<br />
ao século XX, várias propostas de Reforma Agrária foram discutidas<br />
pelos mais diversos movimentos e governos. Hoje o movimento<br />
de maior destaque e evidência é o Movimento dos Trabalhadores Rurais<br />
Sem-Terra (MST).<br />
Mas antes de seu surgimento, houve uma série de movimentos que<br />
discutiram e lutaram pela reforma agrária. Dentre eles podemos citar<br />
as Ligas Camponesas; a Comissão Pastoral da Terra (CPT) criada em<br />
1975; ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil)<br />
criada em São Paulo, final de 1955; e o MST.<br />
A história das Ligas Camponesas pode ser compreendida em três<br />
momentos: o primeiro, que começa em 1945 e vai até 1947; um segundo,<br />
que se inicia em 1948 até 1954; e um último momento, com certeza,<br />
o mais expressivo do movimento, que foi de 1954 até o seu final,<br />
em 1964.<br />
As chamadas Ligas Camponesas têm sua origem entre os anos de<br />
1945 – 1947. Neste período, nosso país estava passando por um regime<br />
de relativa democracia. Havia chegado ao fim a ditadura do 2° governo de Getúlio Vargas, que reprimiu toda e qualquer forma de manifestação<br />
social contrária as suas idéias, inclusive colocando na ilegalidade<br />
o Partido Comunista Brasileiro.<br />
E foi justamente a partir dos integrantes do Partido Comunista que<br />
as primeiras Ligas Camponesas se formaram. Em quase todos os Estados<br />
brasileiros os trabalhadores rurais organizaram-se, no entanto, devido<br />
ao fato do Partido ter sido colocado novamente na ilegalidade no<br />
ano de 1947, houve uma certa desmobilização do movimento, que, no<br />
entanto, continuou resistindo até meados dos anos de 1950 em alguns<br />
lugares.<br />
Alguns fatos marcaram este segundo período: a guerrilha de Porecatu<br />
(conflito entre posseiros e latifundiários na divisa de São Paulo e<br />
Paraná — 1950), a revolta de Dona Noca (conflito no interior do Maranhão<br />
— 1951), o território livre de Formoso (conflito entre posseiros<br />
e latifundiários por uma área de quase 10 mil quilômetros quadrados)<br />
e o primeiro Congresso Nordestino de Trabalhadores Agrícolas (ocorrido<br />
em Recife, sob a orientação do Partido Comunista de Pernambuco<br />
— 1954).<br />
Após o ano de 1954, as Ligas Camponesas organizaram-se ainda<br />
com mais força, principalmente no estado de Pernambuco. De modo<br />
geral, será esse o principal foco de resistência e atuação desse movimento<br />
rural. Isto porque havia uma série de fatores que contribuíram<br />
para o desenvolvimento do movimento no local, destacam-se: o fenômeno<br />
da seca, altos índices de mortalidade, a decadência da economia<br />
da região, dentre outros.<br />
A atuação das Ligas desenvolveu-se no sentido de conscientização<br />
e politização dos trabalhadores do campo e a busca pela reforma agrária<br />
também estava vinculada a melhores condições de trabalho.<br />
O movimento das Ligas Camponesas adquiriu tamanha importância<br />
no cenário nacional que muitos de seus integrantes visitaram a ex-<br />
União Soviética, a China e Cuba, em diversos momentos. Isso com o<br />
intuito de melhor organizar o movimento e articulá-lo com outros, como<br />
também, conhecer a produção agrícola desses países e a forma como<br />
se dava a distribuição de terras.<br />
A passagem por esses países citados pelos membros das Ligas Camponesas<br />
também se deve ao fato dessas nações terem como forma de<br />
organização social e do trabalho uma forma diferenciada da existente no<br />
capitalismo. O socialismo aparecia no horizonte como possibilidade de<br />
se efetivar um sistema no qual os valores humanistas poderiam ser vivenciados<br />
e as desigualdades sociais poderiam ser superadas, não existindo<br />
inclusive a luta de classes entre os trabalhadores e a burguesia.<br />
Esta nova forma de organização social era claramente percebida<br />
quando, portanto, conhecia-se a maneira pela qual se dava a distribuição<br />
das terras. No caso de Cuba, por exemplo, logo após a Revolução (1959), estabeleceu-se no país uma Reforma Agrária que nacionalizava<br />
as propriedades com mais de 420 hectares e as redistribuía aos trabalhadores<br />
rurais e arrendatários.<br />
Portanto, tinha-se em Cuba pós-revolucionária, uma distribuição<br />
das terras diferenciadas do sistema capitalista (e do Brasil) e ainda, por<br />
mais que nestes solos a maior parte da produção fosse a da cana-deaçúcar,<br />
lá não havia a concentração de terras, nem a distribuição concentrada<br />
da renda, pois o trabalho era organizado de forma coletiva.<br />
Estes eram exemplos de organizações sociais que os integrantes das<br />
Ligas Camponesas estavam buscando conhecer, para que assim, de alguma<br />
forma, pudessem desenvolver novas experiências em solo brasileiro.<br />
Para que tudo isso acontecesse no Brasil uma série de fatores políticos<br />
e sociais nacionais e internacionais colaboraram para o desenvolvimento<br />
e ampliação não só da Ligas Camponesas, no início da década<br />
de 1960, mas de uma série de movimentos tanto no campo quanto<br />
na cidade. Estamos falando da eleição de um governo progressista para<br />
governo federal, nas figuras de Jânio Quadros e João Goulart – 1961,<br />
e também da Revolução Cubana (já citada no primeiro Folhas de movimentos<br />
sociais – 1959).<br />
Por um momento as Ligas Camponesas aglutinaram em sua volta<br />
uma série de outras manifestações sociais, como por exemplo: Ligas de<br />
Estudantes; Ligas Urbanas; Ligas Feministas; dentre outras. Houve ainda<br />
na Liga Camponesa a formação de guerrilhas para organizar a resistência<br />
à oligarquia agrária, tendo a participação não só do homem do<br />
campo, mas também, o da cidade.<br />
Na organização dos movimentos utiliza-se uma série de mecanismos<br />
para sensibilizar o homem do campo e mobilizá-lo pela luta da<br />
terra e da Reforma Agrária. Seus integrantes discutiam a necessidade<br />
da existência desse movimento utilizando-se da Bíblia, do Código Civil,<br />
e da Poesia Popular (violeiro, cantador e folhetista); isto porque<br />
estas eram linguagens que faziam parte daquele cotidiano, ao mesmo<br />
tempo, que se tornavam grandes facilitadores, considerando que uma<br />
grande quantidade da população era analfabeta.<br />
No estatuto das Ligas é possível compreender a finalidade da existência<br />
do movimento. Consta no Artigo 2°:<br />
“A liga tem por objetivos:<br />
1° Prestar assistência social aos arrendatários, assalariados e pequenos<br />
proprietários agrícolas.<br />
2° Criar, instalar e manter serviços de assistência jurídica, médica, odontológica<br />
e educacional, segundo suas possibilidades.<br />
Parágrafo Único: A Liga não fará discriminação de cor, credo político,<br />
religioso ou filosófico entre seus filiados.” (ESTATUTO DAS LIGAS, 2002:183).<br />
<br />
Guerrilha: organização<br />
política, cujo objetivo<br />
de transfomação pode ser<br />
atingido através da luta armada.<br />
<br />
Desta forma, tem-se que na organização e reivindicações das Ligas<br />
estava presente além da luta por uma redistribuição dos latifúndios,<br />
antes de tudo, uma melhor condição do homem do campo e a sua devida<br />
assistência. As Ligas Camponesas sofreram um revés e chega ao<br />
seu fim quando ocorre o golpe militar de 1964, impossibilitando qualquer<br />
atuação do movimento.<br />
As causas do golpe militar foram as mais diversas, mas podemos<br />
colocar que a existência de um governo progressista no Estado Federal,<br />
aliada a uma série de manifestações sociais que colocavam em risco<br />
a burguesia nacional, bem como suas propriedades, inclusive as<br />
rurais, associado à existência do Partido Comunista, e de um cenário<br />
internacional que apontava, de certa forma, para uma possível expansão<br />
do socialismo na América Latina, criou condições para a efetivação<br />
do golpe político da direita que tomou o poder e decretou o fim<br />
de todos esses movimentos.<br />
Daí que podemos compreender que a história do Brasil é marcada por<br />
uma série de atos políticos e sociais tanto da classe trabalhadora quanto<br />
da burguesia à procura de melhores condições para a sua existência. Como<br />
já foi mencionado no “Folhas” anterior, esta situação geralmente leva<br />
ao conflito, sendo que os movimentos sociais são a expressão dos mesmos,<br />
ao mesmo tempo que o golpe militar em 1964 também o é.<br />
<br />
Burguesia Nacional:<br />
detentores de capital e dos<br />
meios de produção cuja origem<br />
é a mesma do país no<br />
qual investem.<br />
<br />
Bom, é fato: a ditadura militar brasileira impediu uma maior expansão<br />
dos movimentos sociais no pós-1964, mas, no entanto, estes nunca<br />
deixaram de existir efetivamente, pois, se por um lado o golpe os<br />
abafou, por outro, ele não resolveu uma série de questões sociais que<br />
estavam presentes na nossa realidade como, por exemplo, a Reforma<br />
Agrária, pelo contrário, o problema agravou-se.<br />
Assim, as necessidades que poderiam contribuir para a formação<br />
de uma nova organização social continuaram a existir.<br />
<br />
A reorganização dos trabalhadores rurais:<br />
A retomada da luta pelo MST<br />
Entre 1964 e 1985, durante o período de ditadura militar, o capitalismo<br />
no Brasil conheceu um certo tipo de “crescimento”; hoje, também<br />
fruto desse crescimento o país é verdadeiramente um gigante, mas é<br />
um gigante na ordem dos países que se subordinam aos interesses do<br />
capital internacional e dos países centrais.<br />
A partir de 1964, a economia nacional conheceu uma forma de desenvolvimento<br />
na qual a sua produção passou a ser direcionada para<br />
dois pólos principais. De um lado a intensificação da produção dos<br />
bens de consumo duráveis (automóveis, eletro-eletrônicos), e de outro,<br />
o esforço para uma produção com caráter exportador. Tais medidas<br />
econômicas proporcionaram um surto de desenvolvimento econômico,<br />
que só teria fim nos anos 70.<br />
Entretanto, assim como em outros períodos da história nacional, os<br />
mesmos mecanismos que asseguraram o êxito do chamado “milagre<br />
econômico” do período militar, condicionaram e conduziram ao seu<br />
próprio fim. Se o regime militar proporcionou, de uma forma ou de<br />
outra, um suposto desenvolvimento econômico nacional, por outro lado,<br />
este mesmo governo trouxe diversas mazelas para a Nação.<br />
Entre os problemas desencadeados pelos governos militares, sem<br />
dúvida, a questão do “arrocho salarial” foi a mais significativa. Por<br />
meio de medidas constitucionais, o governo proibiu o aumento dos salários<br />
em períodos menores que um ano; e quando os reajustes eram<br />
efetivados, quem fornecia os índices era o próprio governo (Justiça do Trabalho – Federal), certamente manipulando-os, sendo estes sempre<br />
inferiores ao da inflação do ano anterior.<br />
Assim, as custas dos trabalhadores e de um regime no qual qualquer<br />
manifestação contrária ao governo era absolutamente proibida, o<br />
Brasil, na década de 1970, teve elevados índices de crescimento, que<br />
se tornaram conhecidos como o “milagre econômico”.<br />
No entanto, este surto de aceleração da economia entrou em colapso<br />
a partir de 1973, quando se tem no âmbito internacional a chamada<br />
“crise do petróleo”. E em alguma medida foi tornando-se cada<br />
vez mais difícil sustentar as formas manipulatórias do Estado brasileiro,<br />
já que em determinado momento, boa parte da burguesia nacional<br />
tornou-se contrária aos militares, pois estes não estavam satisfazendoos<br />
tanto como desejavam. Tais insatisfações aumentaram ainda mais,<br />
quando no ano de 1978, ocorre a “2ª crise do petróleo”, deixando a<br />
economia mais vulnerável, tanto pensando na ótica dos trabalhadores<br />
como da burguesia, pois o crescimento nacional a altos índices não<br />
mais ocorrem, ao mesmo tempo que se mantém o “arrocho” salarial.<br />
É neste momento que se tem no plano nacional dois conhecidos movimentos,<br />
que ocorreram concomitantes: de um lado o Estado — tendo<br />
como presidente o general Geisel — já propondo, em vista da sua pouca<br />
legitimidade, uma transição a um regime democrático de forma “lenta,<br />
gradual e segura”; e de outro lado, a efervescência de vários movimentos<br />
sociais, pois a sociedade apresentava-se cada vez mais caótica e conflituosa<br />
para os trabalhadores, fossem eles do campo ou das cidades.<br />
Inegavelmente, a segunda metade da década de 1970 foi marcada<br />
por profundas tentativas de oposição ao regime militar: se de um lado,<br />
a própria burguesia começava a se incomodar em alguns momentos<br />
com o regime, de outro, as contestações por parte do movimento estudantil,<br />
das articulações nos bairros (por meio da Igreja Católica) contra<br />
a carestia começam a tomar fôlego.<br />
Iniciava-se um processo de manifestações e a tentativa de mais uma<br />
vez inserir os intelectuais, políticos e militantes (que estiveram, ou ainda<br />
estavam exilados), na cena nacional. Uma das discussões que se<br />
processam neste período já era a tentativa de se reestabelecer os antigos<br />
partidos de esquerda (que até este momento, tinham um pequeno<br />
espaço legal apenas por intermédio do MDB), e ainda, a criação de<br />
novas organizações sociais e partidos.<br />
É marca desse período o surgimento não só do Movimento dos Trabalhadores<br />
Rurais Sem-Terra – MST, mas também dos Partidos dos Trabalhadores<br />
– PT, no final da década de 1970.<br />
Nesse momento de crise econômica e política nacional, junto à<br />
possibilidade novamente de organização coletiva é que o MST surgiu,<br />
a princípio, não havia uma forma de organização centralizada; uma série<br />
de conflitos de terras aconteceram durante o regime militar, mas só com o surgimento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 1975, o movimento<br />
começou a se articular.<br />
O movimento, embora já existisse desde o final da década de 1970,<br />
só ganha estatuto de movimento organizado nacionalmente em 1984<br />
com o 1° Encontro Nacional, na cidade de Cascavel, no estado do Paraná.<br />
Em 1985, acontece o 1° Congresso Nacional do MST, na cidade<br />
de Curitiba, também, no estado do Paraná. (Documentos e mais informações<br />
sobre o MST visitem o site www.mst.org.br).<br />
Esses dois momentos marcaram o surgimento<br />
de um movimento que ao longo da década<br />
de 1980 e 1990 deixou marcas profundas<br />
na história nacional. Se estas marcas são questionáveis<br />
ou não, o fato é que a produção agrária<br />
no Brasil volta a ser discutida, bem como a<br />
distribuição de terras, e ainda, as desigualdades<br />
sociais existentes nesta sociedade.<br />
A forma de atuação do MST é feita a partir<br />
de ocupações de terras públicas ou particulares<br />
(latifúndios improdutivos ou que possuem<br />
dívidas com o Estado) criando um fato político que pressiona os órgãos<br />
públicos a negociarem a concessão da posse da terra. Certamente,<br />
este processo de ocupação nem sempre é harmonioso, grandes<br />
conflitos armados e sangrentos já ocorreram.<br />
Como foi dito no “Folhas” anterior sobre os movimentos sociais, cada<br />
movimento defende interesses e ideologias que surgem a partir de<br />
suas condições de classe, portanto, no caso do MST, seu interesse, a<br />
saber a Reforma Agrária, entra em conflito necessariamente com a burguesia<br />
proprietária dos latifúndios.<br />
Poucos são os casos em que não há conflito com a polícia, que detendo<br />
da ordem de despejo, enfrenta os trabalhadores rurais acampados,<br />
na tentativa de expulsá-los das terras, ou ainda, são os próprios latifundiários<br />
que se organizam, para enfrentar os “sem-terra”. Os latifundiários<br />
no Brasil possuem uma organização própria criada em 1985, chamada<br />
UDR (União Democrática Ruralista), cujo objetivo é a defesa da propriedade<br />
fundiária, que seus possuidores julgam estar ameaçadas pelo MST.<br />
Quando a ocupação é considerada legal ainda demora um período<br />
para que os integrantes do movimento consigam a posse da terra. Por<br />
mais que grandes dificuldades sejam encontradas nesses processos de<br />
ocupação até o da conquista do direito da posse da terra, uma outra<br />
série de problemas é criada a partir do momento em que se conquista<br />
o direito da terra.<br />
Um desses problemas é o de como organizar a produção agrícola,<br />
agora que o latifúndio foi dividido em uma série de pequenas propriedades?<br />
E ainda, como criar possibilidades para que esses “novos” pequenos proprietários sobrevivam e consigam tirar da terra o seu “pão”?<br />
Uma das saídas que vem sendo gerida pelo movimento é o de organizar<br />
a pequena propriedade em cooperativas, ou mesmo os agricultores<br />
se unirem para produzirem coletivamente, buscando assim uma<br />
maior inserção destes produtos no mercado.<br />
Mas nem sempre isso acaba por acontecer de forma perfeita, muitas<br />
vezes por conta do pouco incentivo dado pelos governos o pequeno<br />
produtor não resiste e acaba por vender a terra. Esta é a crítica mais<br />
comum realizada pela população em geral ao movimento; no entanto,<br />
não podemos deixar de mencionar o papel da mídia na construção<br />
desse ideário, pois o seu papel no processo de veiculação das notícias<br />
é quase sempre tendencioso – favoravelmente aos latifundiários – tratando<br />
os integrantes do MST como “baderneiros”.<br />
<br />
No entanto, deve-se levar em consideração que a concorrência com<br />
a produção em larga escala e mecanizada no campo, na maioria das<br />
vezes, é desleal, já que o latifundiário não só possui toda uma infra-estrutura<br />
para sua produção como também, consegue muito mais facilmente<br />
créditos dos governos, geralmente por sua produção ter como<br />
finalidade a exportação.<br />
Dentre as tentativas de superação destes obstáculos, o MST também<br />
possui como alternativa não só a capacitação política, mas também<br />
técnica do assentado, formação preocupada em fornecer conhecimentos<br />
adequados para um melhor aproveitamento da terra.<br />
O MST, além de ser contrário a um único tipo de produção agro-exportadora<br />
(monocultura), também incentiva a realização de culturas que<br />
deixem de utilizar agrotóxicos em seus produtos, bem como o de sementes<br />
transgênicas, realizando inclusive encontros agroecológicos, na<br />
tentativa de gerir novas experiências.<br />
Certamente, a repercussão no Brasil do MST aumentou em muito a partir<br />
de meados dos anos de 1990, quando uma série de conflitos ocorreram<br />
em diversas ocupações. Tendo em vista sua capacidade de articulação, o<br />
movimento também aumentou sua atuação na sociedade, participando de<br />
uma série de outras discussões, como, por exemplo, colocando-se contra<br />
a criação do ALCA (Livre comércio entre as Américas), discutindo o papel<br />
da mulher e produzindo um projeto político-pedagógico para o processo<br />
educacional que acontece nos seus assentamentos.<br />
O MST certamente é fruto de um conjunto de fatores históricos nacionais<br />
e internacionais do desenvolvimento do capitalismo que criaram<br />
uma realidade social cheia de conflitos e contradições, da mesma<br />
forma que as Ligas Camponesas foram uma tentativa de luta e reivindicação<br />
por melhores condições do trabalhador rural.<br />
Portanto, tanto o MST quanto as Ligas Camponesas são frutos de<br />
uma sociedade ímpar e que desencadeia movimentos sociais que por<br />
mais que possuam diferenças em suas constituições têm em comum o<br />
fato de colocar em destaque a necessidade de melhores condições do<br />
trabalhador rural, bem como de toda a sociedade brasileira.<br />
<br />
Fato Político:<br />
Atividade realizada por um<br />
grupo que desencadeia<br />
uma série de conseqüências,<br />
dentre elas, tornar pública<br />
a sua reivindicação,<br />
tendo como principal objetivo<br />
a atenção da imprensa<br />
e do Estado para uma resolução<br />
mais rápida do problema.<br />
<br />
<br />
<br />
Referências:<br />
BASTOS, Elide R. As ligas camponesas. Petrópolis: Editora Vozes,<br />
1984.<br />
GOHN, Maria da Glória. Os sem-terra, ONG’s e cidadania. São Paulo:<br />
Editora Cortez, 2003.<br />
_______. Movimentos sociais e luta pela moradia. São Paulo: Edições<br />
Loyola, 1991.<br />
JUNIOR, Caio Prado. História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora<br />
Brasiliense, 1973.<br />
MELO NETO, João Cabral. Morte e vida severina. Rio de Janeiro: Ed. Nova<br />
Fronteira, 2000.<br />
MELO, Denise Mesquita de. Subjetividade e gênero no MST: observações<br />
sobre documentos publicados entre 1979-2000. In.: GOHN, M. da Gloria<br />
(org.). Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos<br />
atores sociais. Petrópolis: Editora Vozes, 2003.<br />
MORAES, Claudomir. História das ligas camponesas do Brasil. In: STEDILE,<br />
J. Pedro (org.). História e natureza das ligas camponesas. São Paulo:<br />
Expressão Popular, 2002.<br />
STEDILE, J. Pedro (org.). História e natureza das ligas camponesas.<br />
São Paulo: Expressão Popular, 2002.<br />
______ (org.). A questão agrária no Brasil: o debate tradicional 1500-<br />
1960. São Paulo: Expressão Popular, 2005.<br />
Sites<br />
www.mst.org.br. Acesso em 25/11/2005<br />
www.incra.gov.br. Acesso em 30/11/2005<br />
www.ibge.gov.br. Acesso em 02/12/2005<br />
Vídeos<br />
Cabra marcado para morrer, 1984, Brasil, direção: Eduardo Coutinho.<br />
O bem e o mal, 2001, Brasil, Direção: Tetê Moraes.<br />
O sonho de Rose, 2001, Brasil, Direção: Tetê Moraes.Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-64675520412053847462013-03-30T12:43:00.002-07:002013-03-30T12:43:18.016-07:00O Congresso americano e a infame redução das liberdades individuais<b></b>O Congresso dos Estados Unidos da América (EUA) aprovou, na semana passada (28 de setembro de 2006), um projeto de lei que busca convalidar as práticas atentatórias aos direitos humanos levadas a efeito pelo governo Bush, após decisão adversa da Suprema Corte do país, tomada em junho deste ano, que declarava ilegal o tratamento de combatentes insurgentes e os procedimentos jurídicos daquela administração.<br />
<br />
A nova lei rompe com uma tradição de juridicidade que existe há mais de 200 anos no país ao convalidar normas que suspendem o Bill of Rights, acabam com o habeas corpus, convalidam a tortura, cerceiam o direito de defesa, permitem o uso de provas obtidas ilegalmente, autorizam a prisão sem culpa formada e por prazo indeterminado e conferem ao presidente dos EUA o poder de "interpretar" convenções internacionais. <br />
<br />
A lei não se restringe aos chamados prisioneiros de Guantánamo e tem uma aplicação ampla a todos que "intencionalmente e materialmente tenham apoiado hostilidades contra os EUA". Essa definição permite uma interpretação extraordinariamente ampla, que poderá inclusive limitar o direito à liberdade de expressão de opiniões. Da mesma forma, ela irá discriminar ainda mais os estrangeiros residentes no território do país norte-americano, ainda que legalmente. <br />
<br />
Essa infame lei não é uma iniciativa isolada mas, ao contrário, reforça uma tendência de aumento das restrições ao império da lei e às liberdades civis, nos EUA. De fato, na mesma semana, a Câmara dos Representantes aprovou um projeto do governo de escutas telefônicas. Por sua vez, contemporaneamente, o Senado aprovou a verba de US$ 1,2 bilhão para a construção do muro da infâmia entre os EUA e o México que, com 1.300 quilômetros, equivale à cortina de ferro não apenas na extensão, mas também na vergonha. <br />
<br />
Numa perspectiva institucional interna, os EUA foram, por muitos anos, um farol da liberdade a inspirar a evolução internacional dos direitos humanos, das liberdades democráticas, do estado de Direito e da própria democracia. Hoje, todavia, a lamentável situação jurídica em que se encontra o país evoca mais os tempos sombrios da Alemanha nazista, da União Soviética stalinista e da Itália fascista. <br />
<br />
Por outro lado, o poderio militar incontrolado do país não permitia sua categorização precisa como uma república banana, ainda que suas instituições políticas estejam em franco processo de aviltamento. <br />
<br />
De fato, para além da crise do poder legislativo dos EUA, o executivo já demonstrou todos os vícios antidemocráticos e o judiciário tornou-se um poder subordinado ao executivo, balizando-se, por enquanto ocasionalmente, na lealdade partidária mais do que na lei. <br />
<br />
Assim, o efeito deletério de tais sombrios desdobramentos de ordem interna se fazem sentir nos foros internacionais, nos quais os EUA tornaram-se a força da opressão, do arbítrio e da miséria. <br />
<br />
Goyos, Durval de Norornha. O Congresso americano e a infame redução das liberdades individuais, disponível em: Http://ultimainstancia.uo9l.com.br acesso em: 12 abr. 2007<br />
<br />
<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><br />
</div>Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-36909026445179282112011-12-04T06:45:00.000-08:002011-12-04T06:48:10.822-08:00A Revolução Contra o Capital(1*)António Gramsci<br />24 de Abril de 1917<br /><br />--------------------------------------------------------------------------------<br /><br />Primeira Edição: : Avanti, 24 Novembro de 1917.<br /><br />Fonte: La Revolución contra el Capital, em: Revolución rusa y Unión Soviética, Ediciones R. Torres, Barcelona, 1976, págs. 21-26.<br /><br />Tradução para o português da Galiza: José André Lôpez Gonçâlez. Junho, 2007.<br /><br />HTML de: Fernando A. S. Araújo, Julho, 2007.<br /><br />Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.<br /><br /><br />--------------------------------------------------------------------------------<br /><br />A revolução dos bolcheviques inseriu-se definitivamente na revolução geral do povo russo. Os maximalistas(2*) que até há dous meses foram o fermento necessário para que os acontecimentos não se detiveram, para que a marcha em direcção ao futuro não terminasse, dando lugar a uma forma definitiva de organização — que seria uma organização burguesa —, apoderaram-se do poder, estabeleceram a sua ditadura e estão a elaborar as formas socialistas em que a revolução deverá enquadrar-se para continuar a desenvolver-se harmoniosamente, sem excesso de grandes choques, partindo das grandes conquistas já realizadas.<br /><br />A revolução dos bolcheviques é feita mais de ideologias do que de factos. (Por isso, no fundo, importa-nos pouco saber mais do que já sabemos). É a revolução contra O Capital de Karl Marx. O Capital de Marx era, na Rússia, mais o livro dos burgueses que dos proletários. Era a demonstração crítica da necessidade inevitável que na Rússia se formasse uma burguesia, se iniciasse uma era capitalista, se instaurasse uma civilização de tipo ocidental, antes que o proletariado pudesse sequer pensar na sua insurreição, nas suas reivindicações de classe, na sua revolução. Os factos ultrapassaram as ideologias. Os factos rebentaram os esquemas críticos de acordo com os quais a história da Rússia devia desenrolar-se segundo os cânones do materialismo histórico. Os bolcheviques renegam Karl Marx quando afirmam, com o testemunho da acção concreta, das conquistas alcançadas, que os cânones do materialismo histórico não são tão férreos como se poderia pensar e se pensou.<br /><br />No entanto há mesmo uma fatalidade nestes acontecimentos e se os bolcheviques renegam algumas afirmações de O Capital, não renegam o seu pensamento imanente, vivificador. Eles não são marxistas, é tudo; não retiraram das obras do Mestre uma doutrina exterior feita de afirmações dogmáticas e indiscutíveis. Vivem o pensamento marxista e que não morre, a continuação do pensamento idealista italiano e alemão e que se contaminou em Marx de incrustações positivistas e naturalistas. E este pensamento coloca sempre como factor máximo da história, não os factos económicos, inertes, mas o homem, a sociedade dos homens, dos homens que se aproximam uns dos outros, se entendem entre si, desenvolvem através destes contactos (civilização) uma vontade social, colectiva, e compreendem os factos económicos, julgam-nos e adequam-nos à sua vontade, até ela se transformar no motor da economia, na plasmadora da realidade objectiva, que vive, se move e adquire carácter de matéria telúrica em ebulição que pode ser canalizada para onde a vontade quiser e como a vontade quiser.<br /><br />Marx previu o previsível. Não podia prever a guerra européia, ou melhor, não podia prever que esta guerra duraria o tempo que durou e os efeitos que esta guerra teve. Não podia prever que esta guerra, em três anos de sofrimento e miséria indescritíveis, suscitaria na Rússia a vontade colectiva popular que suscitou. Uma vontade deste tipo precisa normalmente, para se formar, dum longo processo de infiltrações capilares, duma longa série de experiências de classe. Os homens são preguiçosos, precisam de se organizar, primeiro, exteriormente, em corporações, em ligas; depois internamente, no pensamento, nas vontades (...)(3*) duma incessante continuidade e multiplicidade de estímulos exteriores. Eis por que, normalmente, os cânones da crítica histórica do marxismo captam a realidade, colhem-na e tornam-na evidente, compreensível. Normalmente as duas classes do mundo capitalista criam a história através da luita de classes, cada vez mais intensa. O proletariado sente a sua miséria actual, está continuamente em estado de dificuldade e pressiona a burguesia para melhorar as suas condições de existência. Luita, obriga a burguesia a melhorar a técnica da produção, a fazê-la mais útil para que seja possível a satisfação das suas necessidades mais urgentes. É uma apressada corrida para o melhor, que acelera o ritmo de produção, que incrementa continuamente a soma dos bens que servirão à colectividade. E nesta corrida caem muitos, tornando mais compulsório o desejo dos que ficaram. A massa está sempre em ebulição, e do caos-povo surge sempre mais ordem no pensamento, torna-se mais cada vez consciente da sua própria força, da sua capacidade para assumir a responsabilidade social, para ser o árbitro do seu próprio destino.<br /><br />Isto normalmente. Quando os factos repetem com certo ritmo. Quando a história se desenvolve por momentos cada vez mais complexos e ricos de significado e valor, mas em conclusão, semelhantes. Mas, na Rússia a guerra serviu para despertar as vontades. Estas, através dos sofrimentos acumulados ao longo de três anos, unificaram-se com muita rapidez. A carestia estava iminente, a fame, a morte de fame podia tocar a todos, esmagando dum momento para o outro milhões de homens. As vontades unificaram-se, mecanicamente primeiro, activamente, espiritualmente, depois da primeira revolução.(4*)<br />As prédicas socialistas puseram o povo russo em contacto com as experiências dos outros proletários. A prédica socialista faz reviver num instante, dramaticamente, a história do proletariado, a sua luita contra o capitalismo, a prolongada série de esforços que tem de fazer para se emancipar idealmente dos vínculos do servilismo que o tornavam abjecto, para ser uma consciência nova, testemunho actual do mundo futuro. A prédica socialista criou a vontade social do povo russo. Porque deveria esperar esse povo que a história de Inglaterra se repetisse na Rússia, que na Rússia se formasse uma burguesia, que surgisse a luita de classes para que nascesse a consciência de classe e se desse finalmente a catástrofe do mundo capitalista? O povo russo passou por estas magníficas experiências com o pensamento, embora polo pensamento duma minoria. Ultrapassou estas experiências. Serve-se delas para se afirmar, como se servirá das experiências capitalistas ocidentais para se pôr rapidamente à altura da produção do mundo ocidental. A América do Norte é, sob o ponto de vista capitalista, mais evoluída do que a Inglaterra, porque na América do Norte os anglo-saxões começaram imediatamente no estádio a que a Inglaterra chegara depois duma longa evolução. O proletariado russo, educado socialisticamente começará a sua história no estádio máximo de produção a que chegou a Inglaterra de hoje, porque tendo de começar, fá-lo-á a partir da perfeição já atingida noutros lados, e dessa perfeição receberá o impulso para atingir a maturidade económica que, segundo Marx, é condição necessária do colectivismo. Foram revolucionários que criaram as condições necessárias para a realização completa e plena do seu ideal. Criaram-nas em menos tempo de que o teria feito o capitalismo.<br /><br />* * *<br />As críticas que os socialistas têm feito e farão ao sistema burguês, para pôr em evidência as imperfeições, o esbanjamento de riquezas, serviram aos revolucionários para fazer melhor, para evitar esse esbanjamento, para não caírem naquelas deficiências. Será em princípio o colectivismo da miséria, do sofrimento. Mas as mesmas condições de miséria e de sofrimento seriam herdadas dum regime burguês.<br /><br />O capitalismo não poderia fazer jamais imediatamente na Rússia mais do que poderá fazer o colectivismo. Faria hoje muito menos, porque teria imediatamente contra ele um proletariado descontente, frenético, incapaz de suportar por mais tempo e para outros as dores e as amarguras que o mal-estar económico traz consigo. Mesmo dum ponto de vista absoluto, humano, o socialismo imediato tem na Rússia a sua justificação. Os sofrimentos que virão após a paz só poderão ser suportados se os proletários sentirem que está na sua vontade e na sua tenacidade polo trabalho o meio de o suprimir no menor espaço de tempo possível.<br /><br />Tem-se a impressão que os maximalistas são neste momento a expressão espontânea, biologicamente necessária, para que a humanidade russa não caia no abismo, para que, entregando-se completamente ao trabalho gigantesco, autónomo, da sua própria regeneração, possa ser menos solicitada polos estímulos do lobo esfameado de modo a que a Rússia não venha a ser uma enorme carnificina de feras que se devoram umas às outras.Profº Ozorhttp://www.blogger.com/profile/11665703854497980048noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-69603310043475912942011-05-20T08:53:00.000-07:002014-02-18T10:58:43.468-08:00Karl Marx, os indivíduos e as classes sociais.<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"> Para o alemão Karl Marx (1818-1883), os indivíduos devem ser analisados de acordo com o contexto de suas condições e situações sociais, já que produzem sua existência em grupo. O homem primitivo, segundo ele, diferenciava-se do outros animais não apenas pela característica biológicas, mais também por aquilo que realizava no espaço e na época em que vivia. Caçando,defendendo-se e criando instrumentos, os indivíduos construíram suas história e sua existência no grupo social.<br />
Ainda segundo Marx, a ideia de indivíduo isolado só apareceu efetivamente na sociedade de livre concorrência, ou seja, no momento em que as condições históricas criaram os princípios da sociedade capitalista. Tomemos um exemplo simples dessa sociedade. Quando um operário é aceito numa empresa, assina um contrato do qual consta que deve trabalhar tantas horas por dia e por semana e que tem determinados deveres e direitos, além de um salário mensal. Nesse exemplo, existem dois indivíduos se relacionando: o operário, que vende sua força de trabalho, e o empresário, que compra essa força de trabalho. Aparentemente se trata de um contrato de compra e venda entre iguais. Mas só aparentemente, pois o "vendedor" não escolhe onde nem como vai trabalhar. As condições já estão impostas pelo empresário e pelo meio social.<br />
Essa relação entre os dois, no entanto, não é apenas entre indivíduos,mas também classes sociais : a operária e a burguesa. Eles só se relacionam, nesse caso e este precisa de salário. As condições que permitem esse relacionamento são definidas pela luta que se estabelece entre as classes, com a intervenção do Estado, por meio das leis, dos tribunais ou da polícia.<br />
Essa luta vem de desenvolvendo há mais duzentos anos em muitos países e nas mais diversas situações, pois empresários e trabalhadores têm interesses opostos. O Estado aparece aí para tentar reduzir o conflito, criando leis que, segundo Marx, que normalmente são a favor dos capitalistas.<br />
O foco da teoria de Marx está, assim, nas classes sociais, embora a questão do indivíduo também esteja presente. Isso fica claro quando Marx afirma que os seres humanos constroem sua história, mas não da maneira que querem, pois existem situações anteriores que condicionam o modo como ocorre a construção. Para ele, existem condicionamentos estruturais que levam o indivíduo, os grupos e as classes para determinados caminhos; mas todos têm a capacidade de reagir a esses condicionamentos e até mesmo de transforma-las.<br />
Marx se interessou por estudar as condições de existência de homens reais na sociedade. O ponto central da sua análise está nas relações estabelecidas em só é possível entender as relações dos indivíduos com base nos antagonismos, nas contradições e na complementaridade entra as classes sociais. Assim, de acordo com Marx, a chave para compreender a vida social contemporânea está na luta de classes, que se desenvolve à medida que homens e mulheres procuram satisfazer suas necessidades, " oriundas do estômago ou da fantasia".<br />
<br />
"Nas palavras de MARX" <br />
<br />
Os indivíduos e a história :<br />
A História não faz nada, " não possui nenhuma riqueza imensa", "não luta nenhum tipo de luta " ! Quem faz tudo isso , quem possui e luta é, muito antes, o homem real que vive; não é certo, a "História" que utiliza o homem como meio para alcançar seus fins - como se tratasse de uma pessoa à parte -, pois a História não é senão a atividade do homem que persegue seus objetivos.<br />
<br />
</div><br />
<br />
<i>Nelson Dacio Tomazi</i>Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com15tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-137750382641791612011-05-17T13:45:00.000-07:002011-05-17T13:45:49.360-07:00VIOLÊNCIA SIMBÓLICA (Pierre Bourdieau)<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
O sociólogo Pierre Bourdieau desenvolveu o conceito de violência simbólica para identificar formas culturais que impõem e fazem que aceitemos como normal, como verdade que sempre existiu e não pode ser questionada, um conjunto de regras não escritas nem ditas, Ele usa a palavra grega <em>doxa</em> (que significa "opnião") para designar esse tipo de pensamento e prática social estável, tradicional, em que o poder aparece como natural.<br />
Dessa ideia nasce o que Bourdieau define como naturalização da história, condição em que os fatos sociais, independentemente de ser bons ou ruins, passam por naturais e tornam-se uma "verdade" para todos. Um exemplo evidente é a dominação masculina, vista em nossa sociedade como algo "natural", iá que as mulheres são "naturalmente" mais fracas e sensíveis e, portanto, devem se submeter aos homens. E todos aceitam essa ideia e dizem que "isso foi, é e será sempre assim".<br />
Boudieau declara que é pela cultura que os dominantes garantem o controle ideológico, desenvolvendo uma prática cuja finalidade é manter o distanciamento entre as classes sociais. Assim, existem práticas sociais e culturas que quem é de uma classe ou de outra: os "cultos" têm conhecimentos científicos, artísticos, literários que os opõem aos "incultos". Isso é resultado de uma imposição cultural (violência simbólica) que define o que é "ter cultura".<br />
A violência simbólica ocorre de modo claro no processo educacional. Quando entramos na escola, em seus diversos níveis, devemos obedecer sempre a um conjunto de regras e absorver um conjunto de saberes predeterminados, aceitos como o que se deve ensinar. Essas regras e esses saberes não são questionados e normalmente não se pergunta quem os definiu.</div>Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-36512570481083375392011-04-01T14:14:00.000-07:002011-04-01T14:14:40.017-07:00Socialização<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;"> <div align="left">
É o processo pelo qual os homens aprendem as normas das culturas de origem, e que lhes</div>
<div align="left">
permite o contacto social com as gerações passadas e futuras, pela partilha dessas normas.</div>
<div align="left">
A socialização transforma os seres humanos em seres sociais. Sendo um processo de</div>
<div align="left">
construção da identidade social não destrói a identidade individual, passa a fazer parte</div>
<div align="left">
dela.</div>
<div align="left">
O desenvolvimento do homem apresenta alguns padrões comuns: o reconhecimento pelo</div>
<div align="left">
ser que dispensa cuidados (geralmente a mãe), o desenvolvimento de respostas sociais e a</div>
<div align="left">
aprendizagem da linguagem. A privação da figura da mãe durante a primeira infância</div>
<div align="left">
parece apresentar características altamente negativas, e uma das consequências pode ser</div>
<div align="left">
a dificuldade de aprendizagem da linguagem.</div>
<div align="left">
Teóricos do desenvolvimento infantil</div>
</span></span><b><i><span style="font-family: TimesNewRoman,BoldItalic; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman,BoldItalic; font-size: small;"><div align="left">
Sigmund Freud </div>
<div align="left">
afectivas da criança para a definição da sua personalidade futura e para a existência ou</div>
<div align="left">
não de futuros problemas neuróticos. Freud sublinha a importância do inconsciente no</div>
<div align="left">
desenvolvimento humano, nomeadamente o que nele ocorre durante a chamada fase do</div>
<div align="left">
Complexo de Édipo (antagonismo sexual do rapaz em relação ao pai pelo desejo de posse</div>
<div align="left">
da mãe).</div>
</span></span><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;">– Criou a psicanálise. Insiste na importância das primeiras experiências</span></span><b><i><span style="font-family: TimesNewRoman,BoldItalic; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman,BoldItalic; font-size: small;"><div align="left">
George Herbert Mead </div>
<div align="left">
o comportamento humano em termos de símbolos e de interpretação de significados.</div>
<div align="left">
Para Mead a fase mais crucial do desenvolvimento ocorre quando a criança aprende a</div>
<div align="left">
distinção entre “eu” e “mim”. O eu é não socializado, enquanto o “mim” é o self social.</div>
<div align="left">
Isto quer dizer que a auto-consciência se forma quando os indivíduos se vêm tal como os</div>
<div align="left">
outros os vêm. O seguinte estádio crucial é o da aprendizagem do “outro generalizado”,</div>
<div align="left">
no qual a criança aprende as normas e os valores da cultura em que vive.</div>
</span></span><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;">– Criou o chamado interaccionismo simbólico. Este modelo analisa</span></span><b><i><span style="font-family: TimesNewRoman,BoldItalic; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman,BoldItalic; font-size: small;"><div align="left">
Jean Piaget </div>
<div align="left">
ao mundo em que vive. Piaget distingue quatro estádios de desenvolvimento:</div>
<div align="left">
1º. Sensório-Motor - o conhecimento resulta do contacto directo com o mundo exterior.</div>
<div align="left">
2º. Pré-Operacional - permite à criança aprender a linguagem e representação simbólica.</div>
<div align="left">
Este estádio caracteriza-se pelo egocentrismo.</div>
3º. Operacional Concreto – permite interiorizar abstracções e noções lógicas.</span></span><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;">– Enfatiza a cognição ou a capacidade que a criança tem para atribuir sentido</span></span></i></b></i></b></i></b></div>Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-38910588623210445082011-04-01T14:11:00.001-07:002011-04-01T14:11:12.226-07:00Origens da Sociologia (fundadores e suas bases teóricas)<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;"> <div align="left">
É uma ciência que se pode considerar recente, tendo a sua origem após as transformações</div>
<div align="left">
sociais originadas pela Revolução Francesa e Revolução Industrial (séc. XVIII e XIX).</div>
</span></span><b><i><span style="font-family: TimesNewRoman,BoldItalic; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman,BoldItalic; font-size: small;"><div align="left">
Augusto Comte </div>
<div align="left">
pelo facto de ter sido o autor do termo que a designa. Inscreve-se no pensamento positivista</div>
<div align="left">
e entendeu que a sociologia deveria constituir uma espécie de ciência física aplicada</div>
<div align="left">
ao Homem. A sociologia seria o estudo do social com vista à reorganização dos modos</div>
<div align="left">
de vida segundo padrões racionais, metódicos e positivos.</div>
</span></span><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;">(1798-1857) – Francês, é geralmente considerado o pai da sociologia</span></span><b><i><span style="font-family: TimesNewRoman,BoldItalic; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman,BoldItalic; font-size: small;"><div align="left">
Émile Durkheim </div>
<div align="left">
editor durante vários anos da revista sociológica “L’Année Sociologique”. Aprofundou as</div>
<div align="left">
convicções positivistas do fundador da disciplina e desenvolveu importantes estudos e</div>
<div align="left">
conceitos, considerados centrais na história da sociologia (facto social, regras explicativas</div>
<div align="left">
dos factos sociais, anomia, divisão do trabalho, suicídio, etc.) A grande preocupação</div>
<div align="left">
de Durkheim era a estabilidade social (coesão social) e considerava que a sociologia tinha</div>
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um papel importante na garantia dessa estabilidade. Debruçou-se também sobre as</div>
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patologias sociais que, de alguma forma, poderiam prejudicar a ordem e o progresso (um</div>
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dos mais importantes marcos nesta matéria são os seus estudos sobre o suicídio).</div>
</span></span><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;">(1858-1917) – Foi o primeiro catedrático de sociologia em França e</span></span><b><i><span style="font-family: TimesNewRoman,BoldItalic; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman,BoldItalic; font-size: small;"><div align="left">
Karl Marx </div>
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um marco da história mundial. Marx baseia as suas teorias no facto dos aspectos económicos</div>
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serem determinantes de todos os outros aspectos da vida humana. A sua grande</div>
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preocupação é a desigualdade social e, nesse sentido, opõe-se a Comte e Durkheim cuja</div>
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grande preocupação era a ordem social. Para Marx a ordem social é transitória e injusta</div>
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uma vez que assenta na dominação social de uma classe que explora outra (capitalistas –</div>
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proletários), por isso para este autor não há que manter a ordem social mas sim promover</div>
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a mudança social. Debruçou-se como ninguém sobre o capitalismo e os problemas sociais</div>
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que ele gera.</div>
</span></span><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;">(1818-1893) – Alemão, além de influenciar o pensamento sociológico tornouse</span></span><b><i><span style="font-family: TimesNewRoman,BoldItalic; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman,BoldItalic; font-size: small;"><div align="left">
Max Weber </div>
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um dos últimos sábios. Capaz de um pensamento global que abarcava da economia à história,</div>
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da filosofia ao direito e à sociologia, apresenta uma leitura integrada da história</div>
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humana e uma reflexão sistemática sobre os problemas e características da sociedade do</div>
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seu tempo. Tal como Marx preocupa-se em compreender a mudança social, mas por uma</div>
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via oposta. Enquanto Marx é um materialista que considera que a parte material da vida</div>
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humana é determinante da sociedade, Weber demonstra que o mundo das ideias, das convicções</div>
religiosas e dos valores pode contribuir para a mudança de forma decisiva.</span></span><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;">(1864-1920) – Alemão, intelectual de primeira linha, Weber parece ter sido</span></span></i></b></i></b></i></b></i></b></div>Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-27300531438197194142011-04-01T14:04:00.000-07:002011-04-01T14:04:15.715-07:00Sociologia – o que é? Qual o objecto de estudo?<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;"> <div align="left">
O termo sociologia foi criado por Auguste Comte para designar uma ciência geral da</div>
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organização e evolução da sociedade. A vontade de conferir a esse conhecimento um</div>
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carácter positivo e objectivo levou a sociologia a aplicar aos problemas sociais os métodos</div>
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de pesquisa e formas de análise que permitissem estabelecer relações de causa-efeito</div>
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entre os problemas e regras ou até ‘leis’ da organização social humana. O objecto de</div>
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estudo da sociologia é muito abrangente e diversificado e os seus métodos e técnicas de</div>
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análise também o são. A sociologia pretende demonstrar como os comportamentos sociais</div>
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são afectados por factores estruturais e conjunturais e de como os indivíduos interagem</div>
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nesses contextos.</div>
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O pensamento sociológico é de tipo científico pelo que pressupõe uma ruptura epistemológica</div>
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com a maneira de pensar aprendida em comum na sociedade. A importância do</div>
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estudo da sociologia fundamenta-se na crença dos sociólogos de que as representações,</div>
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os hábitos, as maneiras de agir e de pensar estão estreitamente ligadas com os meios</div>
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sociais nos quais se inserem os indivíduos. O indivíduo, sendo único, é também um elemento</div>
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construtivo do fenómeno social. De acordo com Giddens </div>
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investigar o que a sociedade faz de nós e o que é que nós fazemos de nós próprios.”</div>
</span></span><i><span style="font-family: TimesNewRoman,Italic; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman,Italic; font-size: small;">“é tarefa da sociologia</span></span><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman; font-size: small;"><div align="left">
A estrutura social é anterior a cada indivíduo mas depende de cada um (imanência e</div>
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transcendência). Ela está em permanente mudança ou reestruturação, pela influência do</div>
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desempenho de cada um em sociedade.</div>
</span></span><b><i><span style="font-family: TimesNewRoman,BoldItalic; font-size: small;"><span style="font-family: TimesNewRoman,BoldItalic; font-size: small;"></span></span></i></b></i></div>Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-27641795853550137222011-03-04T13:00:00.001-08:002011-03-04T13:25:31.281-08:00A PRODUÇÃO SOCIOLÓGICA BRASILEIRA— E o Brasil?<br />— O Brasil? Como assim? O que tem ele?<br />— Mas é isto mesmo o que queremos saber...<br />— O que tem o Brasil?<br />O fato é que até aqui vimos apenas teorias<br />sociológicas “importadas”.<br />Mas será que tais teorias, de pensadores<br />que não viveram a realidade deste que é<br />gigante pela própria natureza, belo, forte,<br />um impávido colosso, e que tem um futuro<br />que espelha sua enorme grandeza, podem dar<br />contar de explicar o que acontece por aqui?<br />Everaldo Lorensetti1<br />O que há de VERDE e<br />AMARELO na SOCIOLOGIA?<br /><br />Bom, antes de estudarmos a produção sociológica brasileira, gostaria<br />de mencionar, bem rapidamente, uma idéia que pode nos ajudar a<br />pensar sobre um aspecto muito importante: a escolha das teorias para<br />refletirmos sobre a sociedade.<br />Vamos imaginar que durante a leitura destes textos você se identificou<br />muito com os elementos que Karl Marx nos fornece para interpretação<br />da sociedade, isto é, pela lógica econômica e material.<br />Mas veja. Será que a teoria marxista, apenas, seria suficiente para<br />entender todas as questões sociais, como por exemplo, o movimento<br />feminista, a união de casais homossexuais, os suicídios dos homensbomba,<br />as religiões, etc.?<br />Bem, o que estamos querendo transmitir com essa reflexão é que,<br />o ideal, é não termos posturas doutrinárias quanto à teoria que mais<br />gostamos, como se fosse uma espécie de “verdade absoluta”, não aceitando,<br />portanto, a contribuição que outras teorias podem nos dar para<br />o trabalho de reflexão sobre a sociedade.<br />Portanto, o que devemos fazer é exercitar uma “conversa” com as<br />mesmas para, então, elegermos a teoria que seja mais adequada à situação<br />que queremos entender. Ok?<br />E falando em teorias...<br />A Sociologia no Brasil...<br />Podemos dizer que a Sociologia brasileira começa a “engatinhar” a<br />partir da década de 1930, vindo a se fortalecer nas décadas seguintes.<br />Apesar de alguns autores da sociologia dizerem que não há uma<br />data correta que marca o seu começo em solo brasileiro, essa época<br />parece ser a mais adequada para se falar em início dos estudos sociológicos<br />no Brasil.<br />Quando dizemos “data mais adequada”, é porque as produções literárias<br />que surgem a partir dessa década (1930) começam a demonstrar<br />um interesse na compreensão da sociedade brasileira quanto à sua<br />formação e estrutura.<br />Mas note, não estamos afirmando que antes da data acima ninguém<br />havia se proposto a entender nossa sociedade. Antes da década de<br />1930 muitos ensaios sociológicos sobre o Brasil foram elaborados por<br />historiadores, políticos, economistas, etc. No entanto, a maioria destes<br />trabalhos apresentava uma tendência de se escrever sobre raça, civilização<br />e cultura, por exemplo, mas não tentavam explicar a formação<br />e a estrutura da sociedade brasileira.<br />A partir de 1930, surge no Brasil um período no qual a reflexão sobre<br />a realidade social ganha um caráter mais investigativo e explicativo.<br />Esse caráter mais investigativo e explicativo foi impulsionado pelos<br />muitos movimentos que estimularam uma postura mais crítica sobre o<br />que acontecia na sociedade brasileira. Dentre alguns destes movimentos<br />estão o Modernismo, a formação de partidos (sobretudo o partido<br />comunista) e os movimentos armados de 1935.<br />Movimentos como esses, de alguma forma, traziam transformações<br />de ordem social, econômica, política e cultural ao país, e despertavam<br />o interesse de pensadores em dar explicações a tais fenômenos. Aos<br />poucos a Sociologia passa a constituir-se como uma forma de reflexão<br />sobre a sociedade brasileira. Veja como isso aconteceu:<br /><br />Fases da sua implantação<br />Dividindo os acontecimentos da implantação da Sociologia no Brasil<br />como ciência, em fases, ou em geração de autores, de acordo com<br />o sociólogo brasileiro Otávio Ianni (1926-2003), destacamos aqui três<br />delas, as quais se complementam:<br /><br />A fase “A” da implantação da Sociologia no Brasil:<br />A primeira geração da Sociologia brasileira seria composta por<br />aqueles autores que se preocuparam em fazer estudos históricos sobre<br />a nossa realidade, com um caráter mais voltado à Literatura do que para<br />a Sociologia.<br />Desta geração de autores, queremos destacar Euclides da Cunha<br />(1866-1909). Cunha nasceu no Rio de Janeiro, foi militar engenheiro,<br />além de ter estudado Matemática e Ciências Físicas e Naturais. Porém,<br />o que gostava de fazer, como profissional, era o jornalismo.<br />Em 1895, abandonou o Exército e começou a trabalhar como correspondente<br />do jornal “O Estado de São Paulo”. Nessa função foi enviado<br />para a Guerra de Canudos, no interior da Bahia, de onde surgiu<br />sua maior contribuição à Sociologia brasileira: o livro Os Sertões.<br />Se analisarmos este livro pelo enfoque literário, podemos perceber<br />que Cunha faz, usando seus conhecimentos de Ciências e Físicas Naturais,<br />relatos sobre como era a terra e a paisagem de Canudos. Também<br />faz a descrição dos homens que ali viviam, ou seja, os sertanejos,<br />nos quais percebe que, ao contrário do que pensava antes de conhecê-<br />los, eram fortes e valentes, ainda que a aparência dos mesmos não<br />demonstrasse isso.<br />Por fim, Cunha descreve a guerra, isto é, como foi que o governo<br />da época conseguiu acabar com o que considerava ser uma revolução<br />que reivindicava a volta do sistema monárquico no Brasil. Na verdade<br /><br />Antonio Conselheiro (o líder da Revolução de Canudos) e seus seguidores<br />apenas defendiam seus lares, sua sobrevivência.<br />“É que estava em jogo, em Canudos, a sorte da República...” Diziam-no<br />informes surpreendedores; aquilo não era um arraial de bandidos truculentos<br />apenas. Lá existiam homens de raro valor – entre os quais se nomeavam<br />conhecidos oficiais do exército e da armada, foragidos desde a Revolução<br />de Setembro, que o Conselheiro avocara ao seu partido.” (CUNHA, 1979: 250).<br />Olhando mais pelo lado sociológico, podemos perceber que Cunha<br />estava fazendo revelações quanto à organização da República que estava<br />sendo consolidada. Canudos era um retrato de uma sociedade republicana<br />que não conseguia suprir as necessidades básicas de seu povo.<br />Coisa que Antonio Conselheiro, com sua maneira missionária de<br />ser, acreditava e lutava para acontecer, pois...<br />“...abria aos desventurados os celeiros fartos pelas esmolas e produtos<br />do trabalho comum. Compreendia que aquela massa, na aparência inútil,<br />era o cerne vigoroso do arraial. Formavam-na os eleitos, felizes por terem<br />aos ombros os frangalhos imundos, esfiapados sambenitos de uma penitência<br />que lhes fora a própria vida; bem-aventurados porque o passo trôpego,<br />remorado pelas muletas e pelas anquiloses, lhes era a celeridade máxima,<br />no avançar para a felicidade eterna”. (CUNHA, 1979: 132 ).<br />Após duas tentativas sem sucesso de “tomar” Canudos – pois os<br />sertanejos tornavam difícil a vida dos soldados, por conhecerem muito<br />bem a caatinga sertaneja – o governo federal republicano deixou<br />de subestimar a força daquelas pessoas que se uniram a Conselheiro.<br />Convocou para uma terceira expedição batalhões armados de vários<br />estados brasileiros e promoveu uma grande guerra e matança naquela<br />região, em prol da República.<br />A observação de Euclides da Cunha e as revelações que faz quanto<br />à sociedade brasileira em Os Sertões, transforma esta obra em um dos<br />referenciais de início do pensamento sociológico no Brasil.<br /><br /><br /><br />Movimento Modernista:<br />Lutava para que as regras<br />vigentes sobre a arte e a literatura<br />deixassem de “engessar”<br />a produção brasileira. A<br />intenção do movimento era<br />que os moldes internacionais<br />não sufocassem o que viesse<br />a ser arte com um jeito<br />nacional. A Semana de Arte<br />Moderna de 1922, em SP,<br />foi uma espécie de marco da<br />independência da arte brasileira.<br />Partido Comunista: Fundado<br />em 25 de Março de<br />1922, tinha o ideário de criar<br />uma cultura socialista no Brasil.<br />Com base em teóricos como<br />o alemão Karl Marx, inauguraram<br />uma maneira de se<br />fazer política voltada aos interesses<br />do proletariado.<br />Movimentos armados de<br />1935: Também conhecidos<br />como o “Levante Comunista”.<br />Tiveram como protagonistas<br />o Partido Comunista<br />(PCB) e os Tenentes de esquerda<br />do exército brasileiro.<br />Alguns de seus projetos e lutas<br />eram pelo fim do imperialismo<br />e pela existência de<br />uma ditadura democrática.<br />Apesar de vencidos, serviram<br />para que o PCB ficasse<br />conhecido e ganhasse maior<br />força no cenário brasileiro.<br />Ver indicação de filme correspondente<br />no final deste trabalho.<br /><br /><br />A fase “B” da implantação da Sociologia no Brasil:<br />Numa segunda fase de geração de autores, a preocupação em se fazer<br />pesquisas de campo, que é uma característica das pesquisas sociológicas,<br />começa a ser levada em conta.<br />Existem vários autores desta geração que poderíamos referenciar,<br />como Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda,<br />Fernando de Azevedo, Nelson Wernek Sodré, Raymundo Faoro, etc.<br />No entanto, vamos nos fixar em dois deles, os quais podem ser vistos<br />como clássicos do pensamento social brasileiro: Gilberto Freyre e Caio<br />Prado Júnior.<br />Gilberto Freyre foi o autor de Casa Grande & Senzala (1933), livro no<br />qual demonstrou as características da colonização portuguesa, a formação<br />da sociedade agrária, o uso do trabalho escravo e, ainda, como<br />a mistura das raças ajudou a compor a sociedade brasileira.<br />Freyre foi um sociólogo que nasceu em Pernambuco no ano de<br />1900 e, no desenvolver de sua profissão, criou várias cátedras de Sociologia,<br />como na Universidade do Distrito Federal, fundada em 1935.<br />Freyre faleceu em 1987.<br />Quando escreveu Casa Grande & Senzala tinha 33 anos e, anti-racista<br />que era, inaugurou uma teoria que combatia a visão elitista existente<br />na época, importada da Europa, a qual privilegiava a cor branca.<br />Segundo tal visão racista, a mistura de raças seria a causa de uma formação<br />“defeituosa” da sociedade brasileira, e um atraso para o desenvolvimento<br />da nação.<br />Freyre propõe um caminho inverso. Em Casa Grande & Senzala ele<br />começa justamente valorizando as características do negro, do índio e<br />do mestiço acrescentando, ainda, a idéia de que a mistura dessas raças<br />seria a “força”, o ponto positivo, da nossa cultura.<br />Este autor forneceu, para o seu tempo, uma nova maneira de ver a<br />constituição da nacionalidade brasileira, isto é, o Brasil feito por uma<br />harmoniosa união entre o branco (de origem européia), o negro (de<br />origem africana), o índio (de origem americana) e o mestiço, ressaltando<br />que essa “mistura” contribuiu, em termos de ricos valores, para a<br />formação da nossa cultura.<br />Veja alguns trechos de sua obra a este respeito:<br />“Um traço importante de infiltração de cultura negra na economia e na vida<br />doméstica do brasileiro resta-nos acentuar: a culinária” (FREYRE, 2002)<br />“Foi ainda o negro quem animou a vida doméstica do brasileiro de sua<br />maior alegria.”(FREYRE, 2002)<br />“Nos engenhos, tanto nas plantações como dentro de casa, nos tanques<br />de bater roupa... carregando sacos de açúcar... os negros trabalhavam<br />sempre cantando.” (FREYRE, 2002).<br /><br /><br />No entanto, vale ressaltar aqui que Gilberto Freyre tinha um “olhar”<br />aristocrático e conservador sobre a sociedade brasileira, pois além de<br />justificar as elites no governo, sua descrição do tempo da escravidão<br />em Casa Grande & Senzala adquire uma conotação harmoniosa, ele não<br />via conflitos nessa estrutura.<br />Mas se para Gilberto Freyre era um erro pensar que a mistura das raças<br />seria um atraso para o Brasil, há um outro autor que se propôs a verificar<br />qual seria e onde estaria a origem do atraso da nação brasileira.<br />Estamos falando de Caio Prado Júnior. Este autor vai nos fornecer<br />uma visão muito mais crítica sobre a formação da nossa sociedade. Veja<br />por quê.<br />Enquanto Gilberto Freyre fazia uma análise conservadora da formação<br />da sociedade brasileira, Caio Prado recorria à visão marxista, isto<br />é, partindo do ponto de vista material e econômico para o entendimento<br />da nossa formação.<br /><br />Caio Prado Júnior nasceu em 1907 e faleceu em 1990. Formou-se em<br />direito e, de forma auto-didata, leu e tomou para si os ideais de Marx,<br />o que o fez uma pessoa comprometida com o Socialismo.<br />Caio Prado também era uma espécie de “contra-mão” do Partido<br />Comunista Brasileiro no seu tempo, pois um dos militantes daquele<br />partido, Octávio Brandão (1896-1980), havia escrito um livro na década<br />de 1920, chamado Agrarismo e Industrialismo no qual apresentava a<br />tese de que o atraso do Brasil, em termos econômicos, estava no fato<br />dele ter tido um passado feudal. E esta tese continuou a ser defendida<br />pelo PCB com o historiador Nelson Wernek Sodré (1911-1999), que<br />interpretava o escravismo, no Brasil Colonial, como uma característica<br />do feudalismo.<br />É por essa razão que Caio Prado era contrário ao Partido Comunista,<br />pois a idéia de que no passado o Brasil havia sido feudal era “importada”<br />do marxismo oficial, da Europa, e que na sua opinião, não<br />funcionava aqui. E, para Caio Prado, a prova disso estaria no fato de<br />que no sistema feudal o servo não era considerado uma mercadoria,<br />coisa que ocorria aqui com os escravos, o que denota uma característica<br />do sistema capitalista (e não feudal) no que tange à análise da<br />mão-de-obra.<br />No seu livro Formação do Brasil Contemporâneo, publicado em 1942,<br />Caio Prado apresenta a tese de que a origem do atraso da nação brasileira<br />estaria vinculada ao tipo de colonização a que o Brasil foi submetido<br />por Portugal, isto é, uma colonização periférica e exploratória.<br />Traduzindo para melhor compreendermos... Caio Prado explica<br />que Portugal teve grande contribuição no “nosso atraso” como nação,<br />pois o centro do capitalismo, na época do “descobrimento” do Brasil, estava na Europa, o que fazia com que as riquezas daqui fossem levadas<br />para lá. Este tipo de organização econômica foi denominado de<br />primária e exportadora, pois os produtos extraídos das monoculturas<br />brasileiras, nos latifúndios, eram exportados para os países que estavam<br />em processo de industrialização.<br />Segundo Caio Prado, a América era vista pelos europeus como sendo<br />“...um território primitivo habitado por rala população indígena incapaz de<br />fornecer qualquer coisa de realmente aproveitável. Para os fins mercantis<br />que se tinham em vista, a ocupação não se podia fazer como nas simples<br />feitorias comerciais, com um reduzido pessoal incumbido apenas do negócio,<br />sua administração e defesa armada; era preciso ampliar estas bases,<br />criar um povoamento capaz de abastecer e manter as feitorias que se fundassem<br />e organizar a produção dos gêneros que interessassem ao seu comércio.<br />A idéia de povoar surge daí, e só daí”. (PRADO JÚNIOR, 1942: 24).<br />As teses desse autor rompem com as análises dos autores que antes<br />dele apresentaram um pensamento conservador restrito, isto é, de<br />reprodução daquilo que estava posto na sociedade brasileira e, conseqüentemente,<br />sem a intenção de apresentar propostas para sua transformação.<br />Assim sendo, segundo a visão de Caio Prado, Gilberto Freyre, em<br />Casa Grande e Senzala, pode ser considerado “conservador”. Veja porque:<br />a) seus escritos nos levam a pensar que a miscigenação acontecia<br />sempre de maneira harmoniosa. Mas e a relação entre os senhores<br />brancos e suas escravas negras, por exemplo? Se verificarmos relatos<br />da história veremos que as negras eram forçadas a terem relações<br />sexuais com eles, o que é bem diferente de harmonia.<br />b) sobre os problemas sociais da época, Freyre não apresenta nenhuma<br />proposta para a solução dos mesmos, ou para a transformação<br />da sociedade.<br />Para Caio Prado Júnior, os pontos “a” e “b” mencionados acima demonstram<br />a postura conservadora de Gilberto Freyre, pois transparece<br />um certo conformismo com a situação em que se apresentava a sociedade.<br />Conformismo que pressupõe continuidade, sem transformação.<br /><br /><br />E a fase “C” da implantação da Sociologia no Brasil:<br />Já a partir dos anos de 1940 novos sociólogos começa a aparecer<br />no cenário brasileiro.<br />Esta terceira geração é formada por sociólogos que vieram de diferentes<br />instituições universitárias, fundadas a partir de 1930. Estes inauguram<br />estilos mais ou menos independentes de se fazer Sociologia,<br />pois trabalhavam com os autores clássicos da Sociologia e a produção<br />crítica destes, até então realizada por autores brasileiros.<br />Dessa forma, e progressivamente, a intelectualidade sociológica no<br />Brasil começa a ganhar corpo. Também começam a surgir estilos ou<br />tendências, o que fez com que surgissem diferentes “escolas” de Sociologia<br />em São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte<br />e em outros lugares.<br />Dos autores que fazem parte dessa terceira geração, podemos citar<br />Oliveira Viana, Florestan Fernandes, Guerreiro Ramos, dentre vários<br />outros. Mas vamos nos deter na obra do sociólogo paulista<br /><br />Florestan Fernandes (1920-1995), importante nome da Sociologia crítica<br />no Brasil.<br />Qual é a proposta de Sociologia que ele apresenta?<br />Florestan Fernandes foi um sociólogo que fez um contínuo questionamento<br />sobre a realidade social e das teorias que tentavam explicar<br />essa realidade. O objetivo deste autor foi de, numa intensa busca<br />investigativa e crítica, ir além das reflexões já existentes.<br />Florestan Fernandes tinha como metodologia “dialogar”, de maneira<br />muito crítica, com a produção sociológica clássica, com os autores<br />citados no Folhas 02. Mas veja, o diálogo não se dava somente com<br />aqueles autores, pois a lista de clássicos, principalmente modernos, é<br />bem extensa.<br />Florestan também mantinha contínuo diálogo com o pensamento<br />crítico brasileiro. Autores como Euclides da Cunha e Caio Prado Júnior,<br />os quais vimos anteriormente, fazem parte de sua lista de interlocutores.<br />O diálogo com esses autores foi fundamental para o seu trabalho<br />de análise dos movimentos e lutas existentes na sociedade, principalmente<br />aquelas travadas pelos setores populares.<br />Um outro aspecto de sua maneira crítica de fazer Sociologia foi a<br />sua afinidade com o pensamento marxista, principalmente sobre o modo<br />de analisar a sociedade, o que se constituiu numa espécie de “norte”<br />crítico orientador de seu pensamento.<br />As transformações sociais que ocorreram a partir de 1930 no Brasil<br />foram, também, uma espécie de “motor” para os trabalhos de Florestan.<br />Mas não apenas para ele, pois como já mencionamos, essas transformações<br />serviram de impulso para os trabalhos sociológicos no Brasil<br />como um todo. E isso se deu principalmente a partir de 1940, pois<br />essas transformações se intensificaram muito por causa do aumento da<br />industrialização e da urbanização.<br />Algumas das conseqüências da urbanização, inclusive gerada pela<br />migração de pessoas que, vindas do campo, procuravam trabalho nas<br />indústrias das grandes cidades, foram o surgimento de problemas de<br />falta de moradia, desemprego e criminalidade. Essas situações emergentes,<br />logicamente, tornavam-se temas para a análise sociológica.<br />Para finalizar, vale ressaltar que a Sociologia crítica que Florestan<br />inaugura também tinha o “olhar” voltado aos mais diversos grupos e<br />classes existentes na sociedade. Algumas de suas pesquisas com grupos<br />indígenas e sobre as relações raciais em São Paulo, por exemplo,<br />tiveram o mérito de fornecer explicações que se contrapunham às explicações<br />dadas pelas classes dominantes da sociedade brasileira.<br /><br />Para exemplificarmos a forma do trabalho sociológico de Florestan...<br />Veja que interessante:<br />Uma de suas pesquisas, sobre os negros em São Paulo, demonstrada<br />no livro A integração do negro na sociedade de classes, de 1978, vai auxiliar<br />nossa explicação. Nesse trabalho, Florestan analisa como os negros<br />foram sempre situados à margem na nossa sociedade.<br />Na presente obra podemos perceber as seguintes características sociológicas<br />de Florestan:<br /><br />a) O interesse em explicar fatos relativos aos setores populares da sociedade,<br />neste caso, os negros. Florestan queria saber como se deu<br />o processo que colocou esse grupo “à margem” na sociedade brasileira.<br />E, mais, queria uma interpretação diferente daquelas que as<br />elites da sociedade forneciam a este respeito.<br /><br />b) Ele se filia ao pensamento crítico brasileiro ao afirmar que o negro<br />não era um problema para a nação. Inclusive desenvolve a idéia de<br />que os negros sempre foram agentes participantes das transformações<br />sociais do país, ainda que de maneira menos privilegiada que<br />os brancos.<br /><br />c) Faz uma crítica à sociedade capitalista que não “absorveu” os negros,<br />que, segundo as elites da sociedade, encontravam-se em iguais condições<br />em relação aos brancos e, inclusive, em relação aos inúmeros estrangeiros<br />que chegavam ao Brasil para viverem e trabalhar.<br /><br />Hum... Iguais condições? Será?<br />Imagine só... De um dia para outro todos os negros, os que antes<br />foram de maneira desumana tratados como “coisas” e úteis apenas para<br />o trabalho, tornaram-se livres para atuarem nas empresas e comércio<br />da época, se é que assim podemos chamar os empreendimentos<br />daquele tempo, isto é, em 1888.<br />Os negros tentaram, mas “...viram-se repudiados, na medida em que<br />pretenderam assumir os papéis de homem livre com demasiada latitude<br />de ingenuidade, num ambiente em que tais pretensões chocavam-se com<br />generalizada falta de tolerância, de simpatia militante e de solidariedade.”<br />(FERNANDES, 1978: 30-31).<br />Afinal, quem é que daria emprego a um homem que “até ontem à<br />tarde” era não mais que um pertence de alguém, isto é, um utensílio<br />de um senhor?<br />E se você fosse um patrão na época da Abolição, daria trabalho a<br />tal pessoa em sua loja?<br />Hoje, no Brasil, ainda podemos encontrar muitos problemas quanto<br />à aceitação da diversidade cultural, apesar dos muitos movimentos<br />que combatem a desigualdade racial e social nas mais diversas áreas<br />da sociedade. Esses problemas são, na verdade, heranças de um passado,<br />que fora muito pior.<br />Vamos “voltar” no tempo e tentar imaginar a cena de um negro, recém-<br />liberto, pedindo emprego. Talvez o diálogo fosse esse:<br /><br /><br />- Senhor, há vagas para trabalho o trabalho na sua loja?<br /><br />- Vossa senhoria tem experiência profissional?<br />- Sabe ler e escrever?<br /><br />- Não, senhor eu era apenas um escravo!<br /><br />Ora veja, ainda que o discurso das elites privilegiasse a liberdade<br />dos negros, eles não tinham condições de igualdade na concorrência<br />com os brancos,<br />“como não se manifestou nenhuma impulsão coletiva que induzisse os<br />brancos a discernir a necessidade, a legitimidade e a urgência de reparações<br />sociais para proteger o negro (como pessoa e como grupo) nessa fase<br />de transição, viver na cidade pressupunha, para ele, condenar-se a uma<br />existência ambígüa e marginal.” (FERNANDES, 1978: 20).<br />Segundo Florestan, para os negros e os mulatos apenas duas portas<br />se abriam, pois...<br />“vedado o caminho da classificação econômica e social pela proletarização,<br />restava-lhes aceitar a incorporação gradual à escória do operariado urbano<br />em crescimento ou abater-se penosamente, procurando no ócio dissimulado,<br />na vagabundagem sistemática ou na criminalidade fortuita meios<br />para salvar as aparências e a dignidade de “homem livre. (FERNANDES, 1978:20).<br />Portanto, pela interpretação de Florestam, a inexistência de um plano<br />de incorporação do negro, elaborado pela sociedade que o libertou,<br />com estratégias de aceitação social dos mesmos, foi fator importante<br />que contribuiu para sua marginalidade social.<br /><br /><br />Sugestão de filmes:<br />“Guerra de Canudos”, 1997, BRASIL, Direção: Sérgio Rezende<br />“Olga”, 2004, BRASIL, Direção: Jayme Monjardim<br /><br />REFERÊNCIAS:<br />CUNHA, Euclides da. Os sertões – Campanha de Canudos. 29ª ed. Rio de<br />Janeiro: Francisco Alves, 1979.<br />FERNANDES, Florestan. Fundamentos da explicação sociológica – 3ª ed. Rio<br />de Janeiro: LTC, 1978.<br />____________________. A integração do negro na sociedade de classes. São<br />Paulo: Ática, 1978.<br />FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. 46ª ed. Rio de Janeiro: Record,<br />2002.<br />GOMES, Cândido. A educação em perspectiva sociológica. São Paulo: EPU,<br />1985.<br />IANNI, Octávio. Sociologia da Sociologia – o pensamento sociológico brasileiro.<br />3ª ed., São Paulo: Ática, 1989.<br />PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 23ª ed. São Paulo:<br />Brasiliense, 2000.<br />MOREIRA, Marcos. A vida dos grandes brasileiros – Cândido Portinari. Cajamar:<br />Três, 2001.<br />VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários de 35: sonho e realidade.<br />São Paulo: Companhia das Letras, 1992.Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-28471646197888118522011-03-04T13:00:00.000-08:002013-03-30T13:41:15.421-07:00A INSTITUIÇÃO RELIGIOSA<i>Marilda Iwaya<b></b></i><br />
<br />
<br />
<strong><em>Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar<br />
Por causa disso a minha gente lá de casa começou a<br />
rezar... (Assis Valente)</em></strong><br />
<br />
Imagine se algo semelhante ocorresse hoje,<br />
ou se nos fosse dado o poder de saber<br />
o dia de nossa morte? Como agiríamos? O<br />
que pensaríamos? Para muitos, a consciência<br />
de nossa finitude, a certeza de que somos<br />
mortais, levaria a repensar nossos valores,<br />
nossos atos cotidianos, nossas preocupações,<br />
as quais, numa situação como a colocada<br />
acima, ganhariam outra dimensão.<br />
Os versos citados acima pertencem à música<br />
“E o mundo não se acabou” do compositor<br />
Assis Valente (1908-1958), e foram inspirados<br />
numa notícia divulgada nas rádios do país<br />
no ano de 1938.<br />
<br />
A notícia era uma brincadeira (é claro), mas o fato provocou a preocupação<br />
e agitação da população do país que teve as mais variadas<br />
reações, desde gastar todo o dinheiro, até praticar atos considerados<br />
insanos...<br />
“Beijei na boca de quem não devia<br />
Dancei um samba em traje de maiô” (Assis Valente)<br />
Talvez nem seja necessário pensar no fim do mundo, ou na própria<br />
morte, mas o simples fato de ficar “frente a frente” com a perda de alguém<br />
muito querido, comover-se com as catástrofes que levam à morte<br />
de milhões de pessoas ou com o drama cotidiano dos doentes e famintos<br />
que passam a vida somente em busca de alimento, e morrem<br />
ignorando totalmente as possibilidades que a vida pode nos oferecer,<br />
sejam situações que certamente levam muitos de nós a pensar sobre o<br />
sentido da vida, sobre as razões de nossa existência, sobre os motivos<br />
que fazem cada um de nós termos vidas tão diferentes.<br />
Estas são questões que incomodam a humanidade desde os mais<br />
remotos tempos, muito antes dos filósofos gregos colocarem as clássicas<br />
questões: De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Para<br />
que viemos?<br />
A busca dessas respostas motivou-nos a desenvolver o que podemos<br />
chamar de pensamento sagrado, ou seja, nossa imaginação e inteligência,<br />
movidas pela curiosidade, levou-nos a criar histórias que<br />
nos explicam e aquietam nossas angústias sobre os mistérios acerca da<br />
criação de todo o universo, e sobre o destino que nos espera. É claro<br />
que a ciência também se encarregou de buscar estas respostas, mas<br />
trataremos disto mais a frente.<br />
Segundo Marilena Chauí, filósofa brasileira, o “sagrado opera o encantamento<br />
do mundo” (Chauí,1998: 297), ou seja, essa forma de pensamento<br />
nos remete a um mundo povoado de seres sobrenaturais com<br />
poderes ilimitados que nos observam, nos recompensam, nos castigam,<br />
nos auxiliam, etc. Em todas as culturas conhecidas, vamos encontrar<br />
sinais do sagrado. Não importa se são seres naturais dotados de<br />
poderes sobrenaturais – a água, o fogo, o vento, se animais – o cordeiro,<br />
a vaca, a serpente, se seres com forma humana – santos, heróis, ou<br />
seres imaginários – anjos, demônios. Em outros casos não há deuses,<br />
mas práticas, regras ou rituais com dimensões sagradas. Exemplificando:<br />
para alguns povos indígenas o Sol e a Lua são considerados sagrados,<br />
para os hindus, a vaca é um animal digno de idolatria, os judeus<br />
não cultuam deuses, mas têm seus dogmas, assim como os budistas,<br />
que transformam todo o universo em entidade sagrada.<br />
Juntamente com o desenvolvimento do pensamento sagrado, são<br />
criados os “locais sagrados”, templos, igrejas, sinagogas, terreiros, mesquitas, os céus, que são os lugares estabelecidos para as celebrações,<br />
as homenagens, os sacrifícios, enfim são os lugares em que as pessoas<br />
se reúnem ou aos quais se dirigem mentalmente, para reafirmarem<br />
suas crenças, celebrarem seus rituais. Observe que para algumas religiões,<br />
em alguns momentos históricos, esses locais tornam-se verdadeiros<br />
símbolos de poder, como as catedrais medievais.<br />
<br />
O que são os rituais?<br />
Os rituais são atos repetitivos, que rememoram o acontecimento<br />
inicial da história sagrada de determinada cultura. É fundamental na<br />
celebração do ritual que as palavras e os gestos sejam sempre os mesmos,<br />
pois trata-se de uma reafirmação dos laços entre os humanos e<br />
os deuses. Quem já presenciou uma cerimônia de casamento da Igreja<br />
Católica conhece de antemão as palavras e os gestos que serão ditos<br />
e praticados pelo padre e pelos noivos. Trata-se de um ritual de passagem,<br />
da vida de solteiro para a vida de casado. Os rituais são realizados<br />
para agradecermos graças recebidas, para pedirmos ajuda, para<br />
desculpar-nos por atos considerados incorretos, assim como para sermos<br />
aceitos numa religião, ou nos despedirmos da vida.<br />
Outra importante característica das religiões são os dogmas – verdades<br />
irrefutáveis que são mantidas pela fé. Um dogma jamais pode<br />
ser questionado, ou colocado em dúvida. Por exemplo: a transformação<br />
do vinho e do pão em sangue e corpo de Cristo.<br />
Este conjunto de símbolos sagrados, que inclui o pensamento religioso,<br />
somado aos locais e rituais sagrados formará um sistema religioso,<br />
ou uma religião.<br />
<br />
São muitas as definições propostas a este termo. Por tratar-se de um<br />
aspecto ao mesmo tempo amplo, multifacetado e que envolve a subjetividade<br />
humana, torna-se quase impossível chegar-se a algum consenso.<br />
No entanto, escolhemos para este texto uma pequena definição<br />
de Peter Berger, sociólogo norte-americano:<br />
<br />
“a religião é uma obra humana através da qual é construído<br />
um cosmo sagrado” (BERGER apud FILORAMI&PRANDI, 1999: p.267).<br />
<br />
Em sua definição, Berger contempla tanto o aspecto transcendental<br />
quanto o cultural (obra humana).<br />
Prosseguindo nesse raciocínio, cabe a explicação etimológica da<br />
palavra religião. A partir de um pensamento de Santo Agostinho o qual<br />
nos propõe que liguemos nossa alma a um único Deus, temos hoje a<br />
associação da palavra religião a “religar”. Ligar o que a quê? Ligar o<br />
mundo sobrenatural, sagrado, ao mundo humano, ou profano, fazer-nos<br />
crer (e este é um aspecto fundamental da religião: a fé), que nós mortais<br />
não estamos sozinhos no universo, que há um sentido para a vida, e que<br />
cabe a cada um de nós tentarmos descobrir a que viemos.<br />
<br />
Em resumo, consideramos que esta seja uma das formas de compreendermos<br />
o pensamento religioso:<br />
A religião como uma forma de alimento às nossas esperanças, como<br />
uma força que nos impulsiona em direção a construção daquilo<br />
que consideramos justo, ético e ideal. A crença de que em última instância,<br />
algo ou alguém irá nos socorrer, que não estamos abandonados<br />
à própria sorte, pode nos dar a força necessária para prosseguirmos<br />
em nossa aventura pela vida! A religião pode também nos ensinar a conviver com nossos conflitos interiores e aceitarmos o que é inevitável,<br />
caso contrário, a vida se tornará inviável. Talvez elevar o pensamento<br />
ao Céu possa colocá-lo à altura de nossos desejos.<br />
Mas por que estudar a religião, e suas várias manifestações?<br />
Antes de tudo porque não vivemos isolados no mundo. Estamos<br />
em contato contínuo com as mais diversas culturas do planeta! Já há<br />
muito tempo a antropologia nos alertou sobre os riscos e os prejuízos<br />
que o pensamento etnocêntrico causaram à humanidade. Quantas<br />
culturas arrasadas, quantos povos destruídos e dominados em virtude<br />
da ignorância e da arrogância de outros, mais poderosos economicamente.<br />
Hoje, é inadmissível termos este tipo de atitude, qual seja, a<br />
de olharmos com superioridade para povos com culturas diferentes da<br />
nossa, julgarmos como inferiores comportamentos culturais que nos<br />
parecem “estranhos” ou exóticos. Conhecer as diferentes religiões que<br />
se espalham por nosso país e pelo mundo afora, possibilita-nos abrirmos<br />
os olhos para o mundo, ou melhor, conhecermos outras dimensões<br />
para se compreender e explicar a vida e o universo. Veremos que<br />
o mundo é muito maior do que imaginamos e muito mais fascinante<br />
depois de conhecermos as histórias que buscam dar significado às<br />
nossas existências.<br />
Uma segunda forma de compreensão do pensamento religioso é percebêlo<br />
como instrumento de dominação, de intolerância, e que ao extremo pode<br />
chegar ao fanatismo religioso.<br />
No Brasil, temos hoje o respeito e a tolerância pelas mais diversas<br />
religiões. Não somos obrigados a seguir uma única religião, como<br />
ocorre em alguns países. Inclusive a Constituição Nacional nos assegura<br />
a liberdade de credo e de culto segundo o art.5º, cap.I, inciso VI.<br />
Isso significa que, ao nascermos, quase sempre seguimos a religião de<br />
nossa família, mas que ao longo da vida podemos escolher uma nova<br />
religião, ou mesmo optarmos pelo ateísmo.<br />
Essa conquista, no entanto, foi obtida por meio de muita luta e de<br />
muita opressão. Relembrando um pouco da história de nosso país, vamos<br />
chegar aos povos nativos que aqui habitavam. Estes povos, assim<br />
como ocorre em todas as sociedades “primitivas”, tinham o pensamento<br />
religioso como eixo central de suas vidas, o sagrado permeando todas as<br />
relações e explicando todos os acontecimentos da comunidade. Tinham<br />
portanto, seus deuses, seus rituais, que davam significado à sua existência.<br />
A chegada dos europeus, povos de tradição católica, na condição de<br />
colonizadores, provocou um verdadeiro massacre cultural.<br />
Os padres jesuítas, representantes do catolicismo, iniciaram, no Brasil,<br />
na primeira metade do século XVI, sua obra de catequização, impondo<br />
novos valores e uma visão de mundo aos curumins, que em nada<br />
correspondiam à cultura daqueles povos. <br />
<br />
A visão eurocêntrica fazia-os crer que os indígenas, apesar de estarem<br />
situados numa escala inferior de humanidade, se comparados aos<br />
europeus, ainda assim poderiam ser cristianizados e salvos com intervenção<br />
de um religioso que lhes encaminhasse para a fé.<br />
Logo em seguida, com o processo de colonização, povos africanos<br />
foram trazidos como escravos e consigo carregam também seus cultos,<br />
suas crenças, seus rituais, enfim sistemas religiosos estruturados<br />
há muito tempo. No Brasil, essas pessoas foram tratadas como mercadorias,<br />
como coisas, e portanto, suas crenças também foram desprezadas,<br />
ou pior, proibidas. Mais tarde houve a vinda de outros povos<br />
europeus e asiáticos que imigraram em busca de terras e trabalho. Junto<br />
com seus sonhos, trazem também suas religiões, as quais buscaram<br />
preservar, como forma de manterem-se unidos e mais fortes numa terra<br />
tão estranha a seus hábitos culturais.<br />
No entanto, mesmo com todas essa variedade religiosa, as leis brasileiras<br />
declaravam o catolicismo como a religião oficial do país. Aliás,<br />
a Igreja Católica, no Brasil sempre teve um poder muito grande, não<br />
somente em seu âmbito, mas também nas questões políticas nacionais<br />
e regionais. Até o advento da República, Estado e Igreja legislavam<br />
em conjunto, decidindo os rumos da nação. Ainda no período Vargas<br />
(1930 – 1945), vamos encontrar fortes influências dos chamados setores<br />
católicos na política nacional.<br />
<br />
Mas por que a Igreja Católica possui tanto poder?<br />
A origem deste poderio da Igreja Católica pode ser encontrado no<br />
fim do Império Romano do Ocidente, com a legalização do cristianismo<br />
no ano 313. A partir daí, o progresso do cristianismo se acelerou, chegando ao seu auge na Idade Média européia. Nesse período da história,<br />
a Igreja Católica reinou absoluta, decidindo os destinos dos reinos<br />
e dos indivíduos. Todos eram obrigados a professar a mesma religião,<br />
e aqueles que não obedecessem seriam duramente castigados.<br />
Foi um tempo de muito terror e mentiras. Qualquer ato ou sinal que<br />
contrariasse os rígidos preceitos da Igreja eram considerados heresia<br />
ou feitiçaria, motivos para perseguições e castigos.<br />
<br />
A Inquisição era um verdadeiro<br />
tribunal que julgava e<br />
condenava as pessoas que<br />
considerava hereges. Qualquer<br />
um que questionasse as<br />
idéias e as práticas da Igreja<br />
poderia ser levado aos tribunais<br />
do Santo Ofício.<br />
<br />
Muitos séculos se passaram, e somente no século XVI, veremos o<br />
poder da Igreja Católica ser abalado, com o Movimento da Reforma<br />
Religiosa. A Reforma constituiu-se num rompimento da Igreja Católica<br />
e teve como conseqüência religiosa o surgimento de novas igrejas<br />
– conhecidas como protestantes (luteranismo, calvinismo). O conflito<br />
tem início quando Martinho Lutero (1484–1546), monge alemão rompe<br />
com o Papa porque discordava de algumas práticas da Igreja, como<br />
a venda de indulgências, de relíquias e cargos.<br />
A partir do Iluminismo, teremos o acirramento do conflito entre ciência<br />
e religião. Galileu Galilei (1564–1642) foi obrigado pela Igreja a<br />
negar sua teoria (heliocentrismo), caso não desejasse sofrer as penas<br />
da Inquisição. O Iluminismo introduziu formas inéditas de ver o mundo,<br />
que até então era percebido somente em termos religiosos, e esta<br />
nova visão estava associada a uma nova classe social que se insurgia<br />
contra o poder aristocrático. Neste período (séc.XVIII), a religião está<br />
associada ao poder aristocrático. Portanto, é fácil perceber que a luta<br />
contra o pensamento religioso transformou-se numa luta política, contra<br />
os representantes deste pensamento conservador.<br />
É neste contexto histórico (séc.XIX), que alguns teóricos da Sociologia<br />
iniciam seus estudos sobre a religião. Karl Marx (1818 -1883), Émile Durkheim (1858 -1917) e Max Weber(1864 -1920) mais uma vez<br />
nos auxiliam nesta tarefa da Sociologia de analisar contextualmente e<br />
desnaturalizar as relações sociais. Chegam a conclusões distintas em<br />
suas análises e reflexões sobre as funções da religião nas sociedades.<br />
No entanto, num aspecto é possível observar a convergência entre os<br />
três pensadores: são unânimes em anunciar o previsível fim da religião.<br />
Afirmam que com o desenvolvimento das sociedades industriais,<br />
a religião tenderia a perder espaço para outras atividades sociais. Ou<br />
seja, a modernização e a industrialização levaria ao que a Sociologia<br />
denomina de processo de secularização.<br />
É!! Parece que se equivocaram! Caso contrário não estaríamos neste momento<br />
gastando nossas horas com esse estudo.<br />
Para Durkheim, a religião teria a função de fortalecer os laços de<br />
coesão social, e contribuir para a solidariedade dos membros do grupo.<br />
Por isso, as cerimônias e os rituais ganham uma grande importância,<br />
uma vez que são estes momentos que possibilitam o encontro dos<br />
fiéis e a reafirmação de suas crenças. Durkheim iniciou e baseou suas<br />
análises em uma pesquisa realizada com os povos aborígenes australianos,<br />
na qual abordava a prática do totemismo. Um totem é um objeto<br />
sagrado, um símbolo do grupo, venerado nas cerimônias ritualísticas. Pode<br />
ser uma planta, um animal, ou objeto, que por possuir, em sua origem, um<br />
significado especial para o grupo, adquire o caráter de sagrado. A utilização<br />
do termo Totem está restrito às religiões chamadas “elementares”<br />
ou simples. Reafirmando, podemos concluir que para Durkheim, a religião<br />
possui unicamente a função de conservar e fortalecer a ordem<br />
estabelecida. De forma alguma pode ser associada a questões de poder<br />
político ou ideológico.<br />
<br />
“A secularização representa<br />
o processo por meio do qual<br />
a religião perde sua influência<br />
sobre as diversas esferas<br />
da vida social”. (GIDDENS,<br />
2005, p. 437)<br />
<br />
<br />
Marx muitas vezes foi citado como um crítico mordaz da religião,<br />
devido principalmente à sua famosa frase: “a religião é o ópio do povo”<br />
(MARX, 1991: 106). Mas veremos que isto não é bem assim. Marx foi um<br />
grande pensador e crítico do sistema capitalista. Suas análises e críticas<br />
estão focadas no lucro, na mais-valia, na divisão da sociedade entre<br />
burguesia e proletariado, na luta de classes. Portanto, suas principais<br />
preocupações estavam focadas nas condições materiais das vidas<br />
das pessoas, na concretude do sistema. Para ele, a forma como a sociedade<br />
se organiza para produzir os seus bens materiais, ou seja, a forma de organização do trabalho vai exercer forte influência sobre a forma<br />
como as pessoas pensam. Este pensar é representado pelo conjunto de<br />
valores e conhecimentos impostos pelo Estado e pela religião. Em seu<br />
texto “A questão judaica”, escrito em 1844, Marx discute a respeito do<br />
papel desempenhado por estas instituições no sentido de controlarem<br />
e modelarem o pensamento social.<br />
Para Marx, a sociedade civil só terá condições de alcançar a liberdade,<br />
ou a “emancipação humana” quando tiver condições de participar<br />
efetivamente das decisões políticas do Estado, e por conseguinte<br />
alcançar a verdadeira democracia. Mas atenção! Entenda-se democracia<br />
não somente em sentido político/eleitoral, como nos ensinaram os<br />
liberais do século XVIII, mas sim em seu sentido pleno, como igualdade<br />
na distribuição dos bens socialmente produzidos e materializados na forma<br />
de direitos sociais.<br />
Por esse motivo, podemos afirmar que para Marx, a grande transformação<br />
deveria acontecer no modo da sociedade produzir e distribuir<br />
seus bens, assim como na presença de um Estado que atendesse<br />
aos interesses coletivos, pois uma vez construída uma sociedade justa<br />
e igualitária, não haveria mais necessidade das pessoas sonharem com<br />
um mundo ideal, ou um paraíso. “Ópio do povo” significa que o povo<br />
projeta em seus deuses e no mundo sobrenatural a vida que deseja ter<br />
aqui na Terra. Esta forma de pensar leva à resignação, a aceitação das<br />
condições de nossa vida como um destino que não pode ser modificado.<br />
Mas Marx demonstra grande compreensão pela manifestações religiosas<br />
quando afirma: “a religião é o coração<br />
de um mundo sem coração” (MARX, 1991:106), ou<br />
seja, a religião é o único refúgio, o único consolo<br />
para aqueles a quem a vida é muito dura<br />
e ingrata. Essa é mais uma forma de compreendermos a<br />
religião. Que nos leva à acomodação, à submissão,<br />
à aceitação de nosso lugar na sociedade sem questionamentos<br />
como nos sugere o ensinamento “é<br />
mais fácil um camelo passar num buraco da agulha<br />
que um rico entrar no reino dos céus”.<br />
<br />
<br />
<br />
Weber foi um grande estudioso da religião. Empreendeu análises<br />
comparativas entre as religiões orientais e ocidentais, com o objetivo<br />
de compreender as razões do desenvolvimento do capitalismo na Europa.<br />
Concluiu que o mundo oriental não oferecia condições para este<br />
tipo de organização econômica devido aos seus sistemas religiosos<br />
(que veremos adiante), os quais pregavam valores de harmonia com o<br />
mundo, de passividade em relação às condições de existência, ao contrário<br />
das religiões cristãs que incentivavam o trabalho e a prosperidade.<br />
Em sua obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, Weber<br />
desenvolve um interessante estudo em que demonstra o quanto<br />
os protestantes (em especial os calvinistas) contribuíram para o desenvolvimento<br />
do capitalismo. Esses possuíam um forte espírito empreendedor<br />
baseado na crença de que com o trabalho estariam servindo a<br />
Deus. O enriquecimento e o sucesso material eram sinais de favorecimento<br />
divino.<br />
Esses são, portanto, três possíveis olhares sociológicos sobre a instituição<br />
religiosa.<br />
Como já comentamos anteriormente, saber da existência e conhecer<br />
outras religiões, além de ampliar nosso universo cultural e nos<br />
ensinar a respeitar a diversidade cultural, leva-nos principalmente a<br />
compreender melhor nossa própria religião. Sim, porque só nos percebemos<br />
como construtores de cultura na medida em que conhecemos a<br />
cultura do outro. Quando só conheço o meu mundo este se torna “natural”,<br />
ou o único possível!<br />
Importa ressaltar, antes de conhecermos o quadro das religiões, a<br />
existência de uma postura filosófica denominada Ateísmo. Surge na antigüidade<br />
greco-romana e ganha maior espaço à partir do século XVIII,<br />
com o surgimento das teorias anarquistas, liberais e socialistas. Consiste<br />
na total ausência de explicação divina para a vida.<br />
Vamos, em seguida, apresentar as principais religiões que podemos<br />
encontrar espalhadas por todo o mundo. Apenas citaremos e apontaremos<br />
algumas características de cada uma delas. O interesse e a curiosidade<br />
de vocês poderá levar à pesquisa e ao aprofundamento sobre<br />
o assunto.<br />
Religiões originárias do Extremo-Oriente<br />
Taoísmo<br />
Baseia sua doutrina num livro chamado “Tao Te Ching” – o livro do<br />
Tao (ordem do mundo) e do Te (força vital), escrito presumivelmente<br />
pelo filósofo chinês Lao Tsé, no séc. VI a. C. O Taoísmo prega a passividade<br />
para se alcançar o Tao, ao contrário do confucionismo que propõe<br />
o conhecimento. Para Lao Tsé, o mundo ideal era aquele das antigas<br />
aldeias, onde a simplicidade e a ingenuidade criariam as condições<br />
propícias para o perfeito equilíbrio entre o Tao e o Te.<br />
<br />
<br />
Xintoísmo<br />
Trata-se da antiga religião oficial do Japão. Originariamente não<br />
possuía um fundador, doutrinas nem dogmas. Estrutura-se por intermédio<br />
de um conjunto de mitos e ritos que estabelecem o contato com<br />
o divino e explicam a origem do mundo, do Japão e da família imperial<br />
japonesa. O universo xintoísta é povoado por milhares de deuses,<br />
denominados kamis – que se manifestam na forma de rios, montanhas,<br />
flores, seres humanos, animais, etc. Kami também pode ser traduzido<br />
por espírito, sendo o culto aos ancestrais uma das práticas mais importantes<br />
do xintoísmo.<br />
<br />
Hinduísmo<br />
São surpreendentes a permanência no tempo e a complexidade<br />
desta religião, que perdura há aproximadamente 6 mil anos, e compõe-<br />
se de tão grande variedade de cultos e práticas religiosas, que<br />
pode ser considerada como um grande conjunto formado por várias<br />
pequenas religiões. Mas algumas características unem todos os hinduístas,<br />
quais sejam: o sistema de castas, a adoração às vacas e a crença<br />
no carma. A organização da sociedade em castas parte do princípio de<br />
que os indivíduos vêm ao mundo já ocupando um lugar na hierarquia<br />
social, como resultado de suas encarnações nas vidas passadas. Portanto,<br />
este deve cumprir com resignação a função que lhe coube, porque<br />
um viver com pureza pode resultar como “prêmio”, uma vida futura<br />
numa casta superior. As quatro castas do hinduísmo são: 1º. – os<br />
sacerdotes (brâmanes), 2º. – guerreiros, 3º. – agricultores, comerciantes<br />
e artesãos e 4º. – os servos. Um quinto grupo que não é considerado<br />
casta são os párias. Cada casta tem suas próprias regras de condutas e<br />
suas próprias regras religiosas.<br />
A vaca é considerado um animal sagrado, um símbolo da vida, porque<br />
ela supre tudo que é necessário à sobrevivência humana, portanto,<br />
não é permitido matá-la.<br />
<br />
Budismo – criado na Índia, pelo príncipe Sidarta Gautama<br />
O Buda (o iluminado), por volta do séc.<br />
VI a.C.. Este é tratado pelos adeptos do budismo<br />
como um guia espiritual, e não um deus.<br />
Importa ressaltar que Buda era absolutamente<br />
contra o sistema de castas existente na Índia.<br />
Segundo o budismo, o ser humano está<br />
condenado à reencarnação após cada morte,<br />
e a enfrentar novamente os sofrimentos do<br />
mundo (lei do carma). Para encerrar este constante<br />
ciclo, deve-se buscar o estado da perfeita<br />
iluminação, ou nirvana. Este estado é alcançado<br />
por intermédio da meditação e da contemplação, que corresponde à negação dos desejos – fonte de todos os<br />
sofrimentos.<br />
<br />
Confucionismo<br />
Foi a doutrina oficial da China durante quase dois mil anos (do séc.II<br />
ao início do séc. XX). Criada pelo filósofo Confúcio (Kung Fu Tzu), seus<br />
ensinamentos apontam no sentido da busca do caminho do Tao – que seria<br />
o equilíbrio e a harmonia entre o universo, a natureza e o indivíduo.<br />
Para alcançar este caminho é necessário o conhecimento e a compreensão,<br />
os quais são obtidos por meio do estudo do passado, da tradição. A<br />
respeito da vida após a morte, Confúcio não ousava comentar, uma vez<br />
que ainda não havíamos compreendido o que é a vida na Terra.<br />
<br />
Religiões de origem africana<br />
Citaremos aqui somente as principais religiões afro-brasileiras presentes<br />
hoje no Brasil, não esquecendo de que, na África, encontraremos uma<br />
grande variedade de religiões – as religiões tradicionais ou tribais.<br />
<br />
Candomblé<br />
Originário da África, o candomblé chegou ao Brasil junto com os<br />
primeiros escravos africanos, entre os séc. XVI e XVII. Seus deuses<br />
são chamados de Orixás e representam as principais nações africanas<br />
de língua iorubá. Suas cerimônias são realizadas em língua africana,<br />
acompanhadas de cantos e sons de atabaques. Como esta forma de religião<br />
era proibida no Brasil, seus adeptos associaram seus deuses a<br />
santos católicos, criando o que se conhece como sincretismo religioso.<br />
Os deuses do candomblé dão proteção às pessoas, mas não determinam<br />
como essas devem agir, e não castigam caso essas cometam algo<br />
considerado incorreto para a sociedade.<br />
<br />
Umbanda<br />
É uma religião brasileira, resultado da<br />
fusão de duas religiões africanas: a cabula<br />
e o candomblé, e de crenças européias.<br />
O universo para os umbandistas é<br />
habitado por entidades espirituais – os<br />
guias, que entram em comunicação com<br />
as pessoas por intermédio dos iniciados,<br />
ou médiuns. Os guias assumem formas<br />
como o caboclo, a pomba-gira, o preto<br />
velho e outros. A umbanda se propagou<br />
por todas as regiões do Brasil, e é freqüentada<br />
por pessoas de todas as classes<br />
sociais e todas as origens étnicas.<br />
<br />
Religiões originárias do Oriente-Médio<br />
As religiões comentadas abaixo adotam a prática do monoteísmo,<br />
ou seja, o culto a um único Deus.<br />
<br />
Judaísmo<br />
É a mais antiga da três grandes religiões monoteístas, sendo suas<br />
origens encontradas há aproximadamente 1.OOO anos a.C. A palavra<br />
judeu deriva de Judéia, parte de uma região do antigo reino de Israel.<br />
Os judeus crêem num único Deus, onipotente, o qual estabeleceu com<br />
eles um pacto, uma aliança. Por isso, consideram-se “o povo escolhido<br />
por Deus”. O livro sagrado dos judeus é a Bíblia judaica, ou Torá, que<br />
corresponde ao Antigo Testamento dos cristãos, porém organizada de<br />
uma forma um pouco diferente.<br />
A vida dos judeus é regida por normas rígidas estabelecidas por<br />
Deus. O não-cumprimento dos deveres com Deus e com seus semelhantes<br />
implicará em castigos divinos.<br />
<br />
Cristianismo<br />
Tem origem no séc.I, na região ocupada<br />
hoje pelos atuais Estados de Israel e territórios<br />
palestinos. Seus primeiros adeptos são os seguidores<br />
de Jesus Cristo e de seus apóstolos.<br />
A doutrina cristã nos ensina que Deus envia à<br />
Terra, seu filho Cristo – o salvador, o qual foi<br />
morto a favor dos homens que estavam distanciado-<br />
se de Deus. Na sua ressurreição Jesus<br />
oferece às pessoas a possibilidade de salvação<br />
eterna após a morte, caso essas aceitem seguir<br />
seus preceitos de amor a Deus e aos seus semelhantes.<br />
O cristianismo segue a Bíblia, que<br />
se divide em Antigo e Novo Testamento. Algumas<br />
vertentes do cristianismo são apresentados<br />
a seguir:<br />
Igreja Católica Romana<br />
Igreja Ortodoxa<br />
Igreja Anglicana<br />
Igreja Luterana<br />
Igreja Presbiteriana<br />
Igreja Metodista<br />
Igreja Batista<br />
<br />
Igreja Pentescostais: Congregação Cristã no Brasil<br />
Assembléia de Deus<br />
Evangelho Quadrangular<br />
Deus é Amor<br />
Igrejas Neopentecostais: Igreja Universal do Reino de Deus, entre outras.<br />
Cristianismo de fronteira: Mórmons<br />
Adventistas<br />
Testemunhas de Jeová<br />
Islamismo<br />
Sua origem baseia-se nos ensinamentos do profeta Maomé, assim<br />
como ocorre com o cristianismo. A palavra islã significa submeter-se.<br />
Seu deus é chamado Alá, e seus seguidores são conhecidos como muçulmanos<br />
(em árabe Muslim, aquele que se subordina a Deus). O livro<br />
sagrado do islamismo é o Alcorão, sendo seus principais ensinamentos:<br />
onipotência de Deus e a necessidade de bondade, generosidade e justiça<br />
entre as pessoas. A maioria dos muçulmanos está concentrada no<br />
norte e no leste da África, no Oriente Médio e no Paquistão.<br />
Após elencarmos todo este numeroso rol de religiões e suas subdivisões<br />
em igrejas, que alíás não termina aqui, se você pesquisar, certamente<br />
encontrará outras ramificações destas religiões ou seitas isoladas<br />
e provavelmente você ficará surpreso com a quantidade e a diversidade<br />
de manifestações religiosas existentes no mundo. Este quadro constitui-<br />
se no que se chama de pluralismo religioso,<br />
e certamente nos coloca importantes<br />
questões sociológicas, que não poderão ser<br />
aprofundadas neste momento, mas sobre<br />
as quais vale a pena pensar:<br />
A lógica do mercado que nas últimas décadas<br />
do século XX invadiu todas as esferas<br />
da vida humana nas sociedades capitalistas<br />
não poupou as religiões. Por isso, temos<br />
que estar atentos aos “espertalhões”, que se<br />
aproveitam dos sofrimentos e falta de perspectivas<br />
das pessoas para vender sua “mercadoria”<br />
e ganhar adeptos que favorecerão<br />
seus “negócios”.<br />
O desenvolvimento industrial levaria a uma<br />
perda da influência das religiões, diziam os<br />
teóricos do séc. XIX. A ciência avançou vertiginosamente<br />
no último século, e as religiões,<br />
por sua vez, ganharam uma abrangência e diversidade<br />
nunca antes conhecidas. É importante<br />
observar o papel dos meios de comunicação<br />
na difusão de mensagens religiosas,<br />
que chegam prontas em nossas casas.<br />
<br />
Não importam suas crenças religiosas, não importa se você é ateu.<br />
Mas importa que você não espere o mundo acabar para lembrarse<br />
da experiência da vida, do presente, que se acaba e recomeça a<br />
cada dia.<br />
<br />
Sugestões de filmes:<br />
“A letra escarlate”,1995,E.U.A,direção: Roland Joffé<br />
“Em nome de Deus”, 2002,Inglaterra, direção: Peter Mullan<br />
“Lutero”, 2003, Alemanha/E.U.A, direção: Eric Till<br />
“O corpo”, 2001, E.U.A., direção: Jonas MC Cord<br />
“Tenda dos Milagres”, 1977, Brasil, direção: Nelson Pereira dos Santos<br />
“O nome da Rosa”, 1986, Alemanha/França/Itália, direção: Jean Jacques Annaud.<br />
“A missão”, 1986, Inglaterra, direção: Roland Joffé<br />
Referências:<br />
ALVES, R. O que é religião. 17 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.<br />
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1998.<br />
DURKHEIM, É. Religião e conhecimento In: Sociologia. 2ª ed. São Paulo: Ática,1981.<br />
FILORAMO,G.; PRANDI,C. As ciências das religiões. São Paulo: Paulus,1999.<br />
GAARDER, J.; HELLERN,V.; NOTAKER, H. O livro das religiões. São Paulo: Companhia das Letras,<br />
2005.<br />
GEERTZ, C. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.<br />
GIDDENS, A. Sociologia; 6ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.<br />
MARX, K. A questão judaica. 2ª ed. São Paulo: Moraes, 1991.<br />
MARX, K. Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel. In: A questão judaica. 2 ed. São Paulo: Moraes,<br />
1991.<br />
ORTIZ, R. Iluminismo e religião. In: Revista Religião e Sociedade. São Paulo: Vozes, mar/1986.<br />
PRANDI, R. Mitologia dos orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.<br />
RAMINELLI,R. Imagens da colonização: a representação do índio de Caminha a Vieira. Rio de Janeiro:<br />
Zahar,1996.<br />
WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo.15ª ed. São Paulo: Biblioteca Pioneira<br />
de Ciências Sociais. 2000.Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-37025289912931405522011-03-04T12:07:00.000-08:002011-03-04T12:32:19.362-08:00AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS NA COMPREENSÃO DO PRESENTEMuito bem. Segundo os pensadores de tempos<br />atrás...”<br />Nossa! Espere um pouco... Tempos atrás?<br />Essa moçada já não foi para o “andar de cima”?<br />Como é que eu posso pensar o meu mundo<br />hoje a partir de quem só viu o passado?<br />É possível?<br />Vamos ver se podemos...<br /><br />Vamos começar por August Comte (1798-1857), pois foi ele quem<br />criou o termo “sociologia” a partir da organização do curso de Filosofia<br />Positiva em 1839.<br />O que desejava Comte com esse curso? Ele pretendia fazer uma<br />síntese da produção científica, ou seja, verificar aquilo que havia sido<br />acumulado em termos de conhecimento bem como os métodos das ciências<br />já existentes, como os da matemática, da física e da biologia. Ele<br />queria saber se os métodos utilizados nessas ciências, os quais já haviam<br />alcançado um “status” de positivo, poderiam ser utilizados na física<br />social, denominada, por ele de Sociologia.<br />Este pensador era de uma linha positivista, o que quer dizer que<br />acreditava na superioridade da ciência e no seu poder de explicação<br />dos fenômenos de maneira desprendida da religiosidade, como era comum<br />se pensar naquela época. E tem mais... como positivista ele acreditava<br />que a ciência deveria ser utilizada para organizar a ordem social.<br />Na visão dele, naquela época, a sociedade estava em desordem, orientada<br />pelo caos. Devemos considerar que Comte vislumbrava o mundo<br />moderno que surgia, isto é, científico e industrial, e a crise gerada por<br />uma certa anarquia moral e política quando da transição do sistema<br />feudal (baseado nas atividades agrárias, na hierarquia, no patriarcalismo)<br />para o sistema capitalista (baseado na indústria, no comércio, na<br />urbanização, na exploração do trabalhador). Era essa positividade (instaurar<br />a disciplina e a ordem) que ele queria para a Sociologia.<br />Assim sendo, quando Comte pensava a Sociologia, era como se fosse<br />numa “criança” sendo gestada, na qual colocava toda sua crença de<br />que poderia estudar e entender os problemas sociais que surgiam e reestabelecer<br />a ordem social e o progresso da civilização moderna. Ele<br />queria que a Sociologia estudasse de forma aprofundada os movimentos<br />das sociedades no passado para se entender o presente e, inclusive,<br />para imaginar o futuro da sociedade.<br />Percebeu? Olhando o passado para compreender o presente.<br />Os do “andar de cima”, e não só eles, nos ajudarão a ver melhor<br />o mundo que vivemos hoje.<br />Comte via a consolidação do sistema capitalista como sendo algo<br />necessário ao desenvolvimento das sociedades. Esse novo sistema,<br />bem como o abandono da teologia para explicação do mundo seriam<br />parte do progresso das civilizações. Já, os problemas sociais ou desordens<br />que surgiam eram considerados obstáculos que deveriam ser resolvidos<br />para que o curso do progresso pudesse continuar.<br />Portanto, a Sociologia se colocaria, na visão deste autor, como uma<br />ciência para solucionar a crise das sociedades daquela época. Mas<br />Comte não chegou a viabilizar a sua aplicação. Seu trabalho apenas<br />iniciou uma discussão que deveria ser continuada, a fim de que a Sociologia<br />viesse a alcançar um estágio de maturidade e aplicabilidade.<br /><br />Você já reparou no lema da nossa bandeira? Tem alguma relação<br />com o pensamento de Comte? O Brasil pode ser visto como uma sociedade<br />que orienta-se pelo cumprimento da “Ordem e Progresso” inscritos<br />na nossa bandeira?<br />ATIVIDADE<br />Um pouco de História do Brasil: A Bandeira Nacional.<br />Símbolo nacional idealizado por Raimundo Teixeira Mendes e Miguel Lemos,<br />baseada na antiga bandeira do Brasil Império. Ela tremulou pela primeira<br />vez no dia 19 de novembro de 1889, na cidade do Rio de Janeiro.<br />Este dia ficou marcado como sendo o da sua adoção oficial. E hoje vemos<br />em nossos calendários que todo 19 de novembro é comemorado o dia da<br />bandeira.<br />Bordada em pano de algodão suas estrelas foram projetadas por um<br />astrônomo. A inscrição ao centro substituiu o símbolo da “coroa” e foi um<br />resumo feito por Miguel Lemos, um de seus idealizadores, com base em<br />princípios positivistas de ordem e progresso.<br />Acervo Icone Audiovisual<br />Continuando o trabalho iniciado por Comte, o de fazer da Sociologia<br />uma ciência, numa visão positiva, surge nessa história o sociólogo<br />francês Émile Durkheim (1858-1917). Dar à Sociologia uma reputação<br />científica foi o seu principal trabalho.<br />É a partir desse pensador que a Sociologia ganha um formato mais<br />“técnico”, sabendo o que e como ela iria buscar na sociedade. Com métodos<br />próprios, a Sociologia deixou de ser apenas uma idéia e ganhou<br />“status” de ciência.<br />Durkheim presenciou boa parte das transformações mundiais, como<br />a invenção da eletricidade, do cinema, dos carros de passeio, entre<br />outros. No seu tempo, havia um certo otimismo causado por essas<br />invenções, mas Durkheim também percebia entraves nessa sociedade<br />moderna: eram os problemas de ordem social.<br />E uma das primeiras coisas que ele fez foi criar regras que fizessem<br />com que a Sociologia fosse capaz de estudar os acontecimentos sociais<br />de maneira semelhante ao que faz a Biologia quando olha para uma<br />célula, por exemplo.<br />Falando em Biologia, nota-se que o seu objeto de estudo é a vida<br />em toda a sua diversidade de manifestações. Esta ciência caracteriza-se<br />por um conjunto de processos organizados e integrados, fruto da interação<br />entre seus elementos constituintes e destes entre si e com o meio no qual estão inseridos. As pesquisas dos fenômenos da natureza feitas<br />pela Biologia são resultantes de várias observações e experimentações,<br />manipuláveis ou não.<br />Já para a Sociologia, manipular os acontecimentos sociais, ou repeti-<br />los, é muito difícil. Por exemplo, como poderíamos reproduzir uma<br />festa ou um movimento de greve “em laboratório” e sempre de igual<br />modo? Seria impossível.<br />Os fatos sociais – objetos nas mãos<br />Mas Durkheim acreditava que os acontecimentos sociais poderiam<br />ser observados como coisas (objetos), pois assim, seria mais fácil de<br />estudá-los. Então, o que ele fez? Criou as regras que identificariam que<br />tipo de fenômeno poderia ser estudado pela Sociologia. A esses fenômenos<br />que poderiam ser estudados por uma ciência da sociedade ele<br />denominou de fatos sociais.<br />E as características dos fatos sociais são:<br />Coletivo ou geral – significa que o fenômeno é comum a todos os<br />membros de um grupo;<br />Exterior ao indivíduo – ele acontece independente da vontade individual;<br />Coercitivo – os indivíduos são “obrigados” a seguir o comportamento<br />estabelecido pelo grupo.<br /> <br />Para entender melhor, veja o exemplo de um fato social: o casamento<br />As pessoas pensam, em um dia, se casar. Salvo algumas exceções, pois não pensamos todos da<br />mesma forma, certo? Mas se fizermos uma pesquisa, veremos que a grande maioria das pessoas<br />deseja se unir a alguém.<br /><br />Então podemos dizer que o casamento é um fato coletivo ou geral, pois<br />existe pela vontade da maioria de um grupo ou de uma sociedade.<br />Mas ainda que alguém não<br />queira se casar, a grande maioria<br />das pessoas vai continuar querendo,<br />não é mesmo?<br />Isso significa que o fato social “casamento”<br />é exterior ao indivíduo. O que<br />quer dizer que ele não depende de uma<br />pessoa, apenas, para existir ou não. Ele<br />precisa da adesão da maioria.<br /><br />Outra coisa. Não é verdade que os mais velhos ficam nos “incentivando”<br />a casar? “Não vá ficar pra titia, heim!”, “Onde já se viu! Todo<br />mundo, um dia, tem que se casar!”. Com certeza você já ouviu alguém<br />dizendo isso.<br />Pois é. Esses dizeres nos levam a crer que o casamento também é<br />coercitivo, pois nos vemos “obrigados” a fazer as mesmas coisas que<br />fazem os demais membros do grupo ou da sociedade a que pertencemos.<br />Todo fato que reuna essas três características (generalização, exterioridade<br />e coerção) é denominado social, segundo Durkheim, e pode<br />ser estudado pela Sociologia. Quanto ao casamento, poderíamos estudar<br />e descobrir, por exemplo, quais fatores influem na decisão das<br />pessoas em se casarem e se divorciarem para depois se casarem novamente.<br />Perceba, então: Não apenas com o casamento...<br />Essas regras são da mesma maneira aplicadas ao trabalho, à escola,<br />à moda, aos costumes do nosso povo, à língua, etc.<br /><br />Veja que interessante...<br />Para Durkheim, a sociedade só pode ser entendida pela própria sociedade.<br />As ações das pessoas não acontecem por acaso. A sociedadeas<br />influencia. Você concorda com isso? Veja o exemplo na página seguinte<br />e tire suas conclusões.<br /><br />O Suicídio = Fato Social<br />O que leva uma pessoa a se suicidar? Loucura?<br />Durkheim utilizou sua teoria para explicar o suicídio. O que aparentemente<br />seria um ato individual, para ele, estava ligado com aquilo<br />que ocorria na sociedade.<br />Já vimos que esse pensador compreende a sociedade como um<br />corpo organizado. Assim como a Biologia que compreende o corpo<br />humano e todas suas partes em pleno funcionamento.<br />O médico Joaquim Monte, em seu livro “Promoção da qualidade de<br />vida” (1997) considera o corpo humano como sendo um “organismo<br />vivo concebido sob forma de uma estrutura que apresenta constituição<br />e função (um conjunto organizado de elementos bióticos de anatomia<br />e fisiologia). A estrutura do corpo humano representa a dimensão orgânica<br />da pessoa: a carne da qual somos constituídos (matéria orgânica<br />com suas características constitucionais e suas propriedades funcionais)<br />e que tem a potencialidade de reproduzir, nascer, maturar,<br />crescer, desenvolver, agir, adaptar, adoecer, sarar e morrer” (p. 257).<br />É de maneira semelhante que Durkheim entende a sociedade: com<br />suas partes em operação e cumprindo suas funções. E, caso a família,<br />a igreja, o Estado, a escola, o trabalho, os partidos políticos, etc.,<br />que são elementos da sociedade com funções específicas, venham a<br />falhar no cumprimento delas, surge no corpo da sociedade aquilo que<br />Durkheim chamou de anomia, ou seja, uma patologia. Assim, como no<br />corpo humano, se algo não funcionar bem, em “ordem”, significa que<br />está doente.<br />Dê uma olhada nas manchetes abaixo e reflita: o que leva esse fato<br />a ocorrer com muito mais freqüência no Japão do que aqui no Brasil,<br />ou em outro país?<br /><br />Problemas financeiros e de saúde aumentam suicídios no Japão<br />23/07/2004 – 09h38 - data de publicação.<br />http://opt.zip.net/arch2004-07-18_2004-07-24.html - acesso em 20/mar/2005.<br /><br />Nove morrem em suicídio coletivo no Japão<br />O5/02/2005 – 08h24 – data de publicação.<br />http://noticias.terra.com.br/mundo/interna/0%2C%2COI467123-EI294%2C00.html - acesso em 20/<br />Mar/2005<br /><br /><br /><br /><br />Andar em “desconformidade” com o que seria ideal na sociedade<br />pode ser sinônimo de suicídio no Japão. Não ser aprovado no vestibular<br />ou se endividar podem ser exemplos de “desconformidade” em<br />nossa sociedade.<br /><br />A propósito desse tema, Durkheim verificou que existem três categorias<br />de suicídios. Analise-os:<br /><br />Suicídio Altruísta: ocorre quando um indivíduo valoriza a sociedade<br />mais do que a ele mesmo, ou seja, os laços que o unem à sociedade<br />são muito fortes. Deixe-me lembrar você do ocorrido em 11 de<br />Setembro de 2001. Dois homens, considerados “loucos”, que pilotavam<br />aviões se chocaram contra o World Trade Center, em Nova<br />York, lembra? Para Durkheim, esses “loucos” poderiam ser classificados<br />como suicidas altruístas, pois se identificavam de tal forma<br />com o grupo Al Qaeda, ao qual pertenciam, que se dispuseram a<br />morrer por ele. Da mesma maneira aconteceu com os kamikases<br />japoneses durante a 2º Guerra Mundial (1939-1945) e que, de certa<br />forma, continua acontecendo com os “homens-bomba” de hoje.<br />Se você assistir ao filme “O Patriota”, com Mel Gibson, poderá ver<br />um exemplo de alguém que se dispôs a morrer por uma causa que<br />acreditava em relação ao seu país, no caso, a Inglaterra.<br /><br />Suicídio Egoísta: se alguém se desvinculasse das instituições sociais<br />(família, igreja, escola, partido político, etc.) por conta própria, para<br />viver de maneira livre, sem regras, qual seria o limite para essa<br />pessoa, uma vez que ninguém a controlaria? Pois é, segundo<br />Durkheim, a falta de redes de convívio ou limites para a ação poderia<br />levar a pessoa a desejar ilimitadas coisas. Mas caso tal pessoa<br />não consiga realizar os seus desejos, a frustração poderia levá-la a<br />um suicídio.<br /><br />Suicídio Anômico: este tipo pode acontecer quando as partes do corpo<br />social deixam de funcionar e as normas ou laços que poderiam<br />“abraçar”(solidarizar) os indivíduos perdem sua eficácia, deixandoos<br />viver de forma desregrada ou em crise. Um exemplo disso pode<br />ser pensado quando, na nossa sociedade, uma família abandona o<br />filho, ou o idoso, ou o doente.<br /><br />E o mundo moderno para Durkheim?<br />O mundo, para esse autor, está em constante evolução, o que seria<br />caracterizado pelo aumento dos papéis sociais ou funções. Por exemplo,<br />para Durkheim, existem sociedades que organizam-se sob a forma<br />de um tipo de solidariedade denominada mecânica e outras sociedades<br />organizam-se sob a forma de solidariedade orgânica.<br />As sociedades organizadas sob a forma de solidariedade mecânica<br />seriam aquelas nas quais existiriam poucos papéis sociais. Segundo<br />Durkheim, nessas sociedades, os membros viveriam de maneira semelhante<br />e, geralmente, ligados por crenças e sentimentos comuns, o que<br />ele chama de consciência coletiva. Neste tipo de sociedade existiria pouco<br />espaço para individualidades, pois qualquer tentativa de atitude “individualista”<br />seria percebida e corrigida pelos demais membros.<br />A organização de algumas aldeias indígenas poderiam servir de<br />exemplo de como se dá a solidariedade mecânica: grupos de pessoas<br />vivendo e trabalhando semelhantemente, ligados por suas crenças e<br />valores. Nesses grupos, se alguém começasse a agir por conta própria,<br />seria fácil perceber quem estaria “tumultuando” o modo de vida local.<br />Outro exemplo que pode caracterizar a solidariedade mecânica são os<br />mutirões para colheita em regiões agrárias ou para reconstruir casas<br />devastadas por vendavais e, ainda, são exemplos também as campanhas<br />para coletar alimentos.<br />Diferentemente das sociedades organizadas em solidariedade mecânica,<br />nas sociedades de solidariedade orgânica – típicas do mundo<br />moderno - existem muitos papéis sociais. Pense na quantidade de tarefas<br />que pode haver nas áreas urbanas, nas cidades: são muitas as funções<br />e atividades. Durkheim acreditava que mesmo com uma grande<br />divisão e variedade de atividades, todas elas deveriam cooperar entre<br />si. Por isso, deu o nome de orgânica (como se fosse um organismo).<br />Mas, nessas sociedades, diante da existência de inúmeros papéis<br />sociais, é muito difícil “controlar” cada pessoa. A individualidade, sem<br />controle, passa a ser uma porta para que a pessoa pretenda aumentar,<br />ainda mais, o seu raio de ação ou de posições dentro da sociedade.<br />A anomia do mundo moderno, segundo Durkheim, seria esta: o<br />egoísmo das pessoas. E a causa desta atitude seria a falta de normas e<br />controle sobre a individualidade, normas e controle que nas sociedades<br />de solidariedade mecânica funcionam com maior eficácia.<br />Qual seria, então, a solução para o mundo moderno, segundo<br />Durkheim?<br />Já que ele compara a sociedade com um corpo, deve haver algo nela<br />que não está cumprindo sua função e gerando a patologia (a anomia, a doença). O corpo precisa de diagnóstico e remédio. Segundo<br />ele, a Sociologia teria esse papel, ou seja, o de encontrar as “partes”<br />da sociedade que estão produzindo fatos sociais patológicos e apontar<br />para a solução do problema. Neste caso, como estamos falando de<br />problemas de ordem moral, cabe à Sociologia apontar novos valores<br />para que a sociedade possa escolher aqueles que poderão ajudar a solucionar<br />os seus problemas.<br /><br />Uma outra maneira de ver a sociedade...<br />O pensamento do sociólogo que estudaremos<br />a seguir vai em direção diferente ao que<br />vimos até agora. Max Weber (1864-1920), ao<br />contrário de Durkheim e Comte, acreditou na<br />possibilidade de interpretação da sociedade<br />“não olhando” para ela, mas sim, para o indivíduo<br />que nela vive, pois entendia que aquilo<br />que ocorre na sociedade seria a soma das ações<br />das pessoas.<br />Entendeu a diferença? Quem é que está certo?<br />Bem, nosso trabalho não é o de dizer a qual autor você deve se<br />apegar, mas sim em mostrar as diferentes maneiras de se pensar a sociedade.<br />Você é quem vai decidir com que ótica vai entender o que<br />acontece no seu grupo, no bairro e na sociedade. Weber desenvolve<br />a teoria da Sociologia Compreensiva, ou seja, uma teoria que vai tentar<br />entender a sociedade a partir da compreensão das ações dos indivíduos.<br />Partindo do individual, ele quer chegar ao todo, ao social, pois no<br />entendimento dele, não é o todo que faz com que as pessoas sejam<br />como são, mas sim as pessoas, individualmente, é que fazem a sociedade<br />existir e acontecer.<br />Uma crítica de Weber em relação a Comte e Durkheim, deve-se ao<br />fato de que eles pretendiam fazer da Sociologia uma ciência positiva, isto<br />é, com os mesmos métodos das ciências naturais. Segundo Weber, as<br />ciências naturais conseguem explicar aquilo que estudam (a natureza),<br />mas a ciência social não pode fazer isso totalmente. Para ele não há como<br />dizer que uma ação social sempre será de determinada forma.<br /><br />O que a Sociologia pode fazer, então? Trabalhar para compreender<br />o sentido da ação do indivíduo. Propor um esquema de probabilidades<br />de ações, o que ele chama de tipos e, a partir daí, poder melhor<br />compreender a organização da sociedade.<br />Vamos tentar ver isso na prática...<br />Segundo Weber, as pessoas podem atuar de acordo com quatro tipos<br />básicos de ação social. São eles:<br /><br />A ação racional: quando alguém age para obter um fim objetivo. Na<br />ação de um político, por exemplo, podemos ver um foco: o de obter<br />o cargo com o poder que deseja a fim de... Bom. Aí depende<br />do político.<br />Agora, “dando um tempo” nas teorias, veja o que Weber pensa sobre<br />a política: ele nos fala no livro Ciência e Política – Duas vocações<br />(2002), que há dois tipos de políticos que por nós são eleitos. Acompanhe:<br />a) Os políticos que exercem essa profissão por vocação, ou seja, os<br />que têm o poder como meta para trabalhar arduamente em prol<br />da sociedade que os elegeu. Podemos dizer, em concordância com<br />Weber, que estes são os que vivem para a política, certo?<br />b) E os que são políticos sem vocação, ou seja, que olham para a política<br />como se fosse um “emprego” apenas. São aqueles que, uma<br />vez eleitos, geralmente se esquecem dos compromissos sociais que<br />assumiram, pouco fazem pelo social, trabalham apenas para manter-<br />se no poder a fim de continuar ganhando o salário. Weber diz<br />que estes são os que vivem da política.<br />Bem. Fechados os parênteses teóricos, voltemos aos demais tipos<br />de ação.<br />Continuando, a ação racional ocorre porque as pessoas acreditam<br />em valores. Por esse tipo de ação podemos pensar as religiões. Ninguém<br />vai a uma igreja ou pertence a determinada religião, de livre<br />vontade, se não acredita nos valores que lá são pregados. Certo?<br /><br />Na ação afetiva a pessoa age pelo afeto que possui por alguém ou<br />algo. Uma serenata pode ser vista como uma ação afetiva para<br />quem ama, não é mesmo?<br /><br />A ação social tradicional é um tipo de ação que nos leva a pensar<br />na existência de um costume. O ato de tomar chimarrão ou pedir a<br />benção dos pais na hora de dormir são ações que podem ser pensadas<br />pela ação tradicional.<br /><br />Agora, entendendo a sociedade por Weber...<br />Muito bem. A idéia de Weber para se entender a sociedade é a seguinte:<br />se quisermos compreender a instituição igreja, por exemplo,<br />vamos ter que olhar os indivíduos que a compõem e suas ações. Provavelmente<br />haverá outras pessoas que agem do mesmo modo, o que<br />resultaria no que Weber chama de relação social.<br />A existência da relação social dos indivíduos é que faz existir a instituição<br />chamada igreja. Weber sempre parte do indivíduo para compreender<br />o “porquê” da existência do todo, como neste próprio exemplo<br />da igreja.<br />Os tipos de ação, para Weber, sempre serão construções do pensamento,<br />que o sociólogo fará para se aproximar ao máximo daquilo<br />que seria a ação real do indivíduo nas circunstâncias ou no grupo em<br />que vive.<br />Por exemplo, se há alguém apaixonado que você conheça, qual seria<br />o tipo ideal de ação desta pessoa? A afetiva! Assim sendo, seria “fácil”<br />prever quais seriam as possíveis atitudes desta pessoa: mandar flores<br />e presentes, querer que a hora passe logo para estar com ela(e),<br />sonhar acordado e coisas do tipo. E assim poderíamos entender, em<br />parte, como se forma a instituição família. Uma coisa liga a outra.<br />Outro exemplo. Pode ser que alguém perto de você nem pense em<br />querer se apaixonar para não atrapalhar os estudos. Sua meta é a universidade<br />e uma ótima profissão. Então, o que temos aqui? Uma ação<br />racional! Para esta pessoa nem adiantaria mandar flores ou “torpedos”<br />certo? O que não significa que não possamos tentar, não é mesmo?<br /><br />Quanto ao sistema capitalista e mundo moderno...<br />O que pensa Weber?<br />Veja que interessante. Segundo a lógica de pensamento de Weber,<br />o capitalismo teve parte de sua base inicial na ação social dos membros<br />que seguiam a ética protestante calvinista estudada por ele.<br />Os calvinistas tinham uma ética de vida voltada ao trabalho e à disciplina<br />muito forte, pois acreditavam que trabalho e sucesso seriam indícios<br />de que além de estarem glorificando a Deus estariam garantindo<br />sua salvação.<br />Na crença dos calvinistas, os homens já nascem predestinados à salvação<br />ou ao inferno. Assim sendo, como ninguém poderia fazer nada contra<br />o destino, para salvar-se, dedicavam-se a glorificar Deus pelo trabalho.<br />Com o passar dos tempos, essa idéia de que a predestinação e o<br />sucesso profissional seriam indícios de salvação da alma foi perdendo<br />força. Mas o interessante é que o trabalho disciplinado e a busca do<br />sucesso, diga-se, acúmulo de capital, continuaram a existir independente<br />da motivação religiosa. Isto resultou no aparecimento dos primeiros<br />capitalistas, segundo Weber.<br />Para Weber, ser capitalista é sinônimo de ser disciplinado no que<br />se faz. Seria pela grande dedicação ao trabalho que resultaria o sucesso<br />e o enriquecimento. Herança da ética protestante.<br />Mas por que os católicos e as outras religiões orientais não tiveram<br />parte nesta construção capitalista analisada por Weber?<br />Os católicos europeus não tinham a idéia da predestinação e não<br />viam o sucesso no trabalho como indícios de salvação e nem como<br />forma de glorificar a Deus, como faziam os calvinistas. Assim sendo,<br />sem motivos divinos para dedicarem-se tanto ao trabalho, não fizeram<br />parte da lista weberiana dos primeiros capitalistas. Ainda mais porque<br />a ética católica privilegiava o discurso da pobreza.<br />Quanto às religiões do mundo oriental,<br />a explicação seria de que essas tinham<br />uma imagem de Deus como sendo parte<br />do mundo, ao contrário da ética protestante<br />ocidental que o concebia como estando<br />fora do mundo e puro. Assim sendo, os<br />orientais valorizavam o mundo, pois Deus<br />estaria nele. O Budismo e o Confucionismo<br />são exemplos do que falamos. E daí a<br />idéia e a prática de não se viver apenas para<br />o trabalho, mas sim de poder aproveitar<br />tudo o que se ganha pelo trabalho com as<br />coisas desta vida, entende?<br />Em relação ao mundo moderno (científico), Weber demonstrava um certo pessimismo e não encontrava saída<br />para os problemas culturais que nele surgiam, assim como para a “prisão”<br />na qual o homem se encontrava por causa do sistema capitalista.<br />Antes da sociedade moderna, a religião era o que motivava a vida<br />das pessoas e dava sentido para suas ações, inclusive ao trabalho.<br />Mas com o pensamento científico tomando espaço como referencial<br />de mundo, certos apegos culturais – crenças, formas de agir – vindos<br />da religiosidade foram confrontados. O problema que Weber via era<br />que a ciência não poderia ocupar por completo o lugar que a religião<br />tinha ao dar sentido ao mundo.<br />Se, em contextos históricos anteriores, o trabalho poderia ser motivado<br />pela religião, como foi explicado anteriormente, e agora não é<br />mais, devido à racionalização do mundo, por que, então, o homem se<br />prende tanto ao trabalho?<br />Porque o sistema capitalista – da produção industrial em série e<br />da exploração da mão-de-obra – deixou o homem ocidental sem uma<br />“válvula de escape”. Preso, agora ele vive do e para o trabalho.<br />E para resolver tal crise? Weber não apresenta solução, apenas refletiu<br />sobre o problema sem demonstrar como poderia ser superado.<br /><br /><br />Para relembrar...<br />O Calvinismo tem sua origem<br />nas idéias protestantes<br />pregadas por João Calvino<br />(1509-1564) que, a exemplo<br />de Martinho Lutero (1483-<br />1546), fundador da Igreja<br />Luterana, romperam com os<br />ensinamentos da Igreja Católica.<br />Na intensa busca do conhecimento<br />bíblico, os calvinistas<br />tornaram-se altamente<br />moralistas (puritanos) e muito<br />disciplinados. Também criam<br />que os homens eram predestinados<br />à salvação.<br />Para lembrar...<br />Budismo: Sidarta Gautama – o<br />Buda – (563a.C-486a.C) foi<br />o fundador do Budismo, uma<br />religião e filosofia que surgiu<br />na Índia e que tem como moral<br />a preservação da vida e a<br />moderação, além de praticar o<br />ensino de boas ações, purificação<br />e treino da mente (meditação).<br />Os budistas não crêem<br />que há um Deus criador<br />de todas as coisas.<br />Para lembrar...<br />Confucionismo: Filosofia criada<br />pelo pensador chinês<br />Kung-Fu-Tzu – o Confúcio –<br />(551a.C – 479a.C). Tal filosofia<br />tem quatro pilares: a religião,<br />a política, a pedagogia<br />e a moral.<br /><br />Seguindo para mais um clássico da Sociologia:<br />A crítica da sociedade capitalista.<br />Vamos falar agora de quem também viu a consolidação da sociedade<br />capitalista e fez uma forte crítica a ela. O alemão, filósofo e economista<br />Karl Marx (1818–1883), foi um dos responsáveis, se não o maior<br />deles, em promover uma discussão crítica da sociedade capitalista que<br />se consolidava, bem como da origem dos problemas sociais que este<br />tipo de organização social originou.<br /><br />E veja, também, que interessante. Para ele “a história de todas as sociedades<br />tem sido a história da luta de classes”.<br />Mas como assim, lutas de classe? Quais são elas?<br />A burguesia versus proletariado.<br />Você se lembra que comentamos no primeiro “Folhas” como foi<br />que surgiu a chamada burguesia e porque ela ficou conhecida assim?<br />Pois bem, segundo Marx, a burguesia tomou posse dos meios de produção,<br />enriqueceu e também obteve o controle do Estado (o controle<br />político), o qual acabou transformando-se numa espécie de “escritório<br />burguês”, criando leis para proteger a propriedade privada (particular)<br />e manter-se no poder, bem como difundindo sua ideologia de classe,<br />isto é, os seus valores de interpretação do mundo.<br />Enquanto isso, a classe assalariada (os proletários), sem os meios<br />de produção e voz política na sociedade, transformavam-se em parte<br />fundamental no enriquecimento da burguesia, pois ofereciam mão-deobra<br />para as fábricas.<br />Marx se empenhava em produzir escritos que ajudasse a classe proletária<br />a organizar-se e assim sair de sua condição de alienação.<br />Alienado, segundo Marx, seria o homem que não tem o controle<br />sobre o seu próprio trabalho, em termos de tempo e em termos daquilo<br />que é produzido, coisa que o capitalismo faz em larga escala, pois<br />o tempo do trabalhador e o produto (a mercadoria) pertencem à burguesia,<br />bem como o lucro.<br /><br />Ideologia:<br />Segundo Marx e Engels, o<br />termo se encaixa na tradução<br />de “falsa consciência”,<br />ou seja, um conjunto<br />de idéias falsas que justificavam<br />o domínio burguês<br />e camuflava a existência<br />da dominação desta classe<br />sobre a classe trabalhadora.<br /><br /><br /><br />Falando em lucro...<br />O objetivo do sistema capitalista é justamente a acumulação de riquezas.<br />Mas de onde sai essa riqueza? Marx diria que é da força do trabalhador!<br />Veja um exemplo. Quantos sofás por mês um trabalhador pode fazer?<br />Vamos imaginar que sejam 15 sofás, os quais multiplicados a um<br />preço de venda de R$ 300,00 daria o total de R$ 4.500,00.<br />E quanto ganha um trabalhador numa fábrica? Imagine que seja uns<br />R$ 1.000,00, para sermos mais ou menos generosos.<br />Bem, os R$ 4.500,00 da venda dos sofás, menos o valor do salário<br />do trabalhador, menos a matéria-prima e impostos (imaginemos<br />R$ 1.000,00) resulta na acumulação de R$ 2.500,00 para o dono<br />da fábrica.<br />Esse lucro Marx chama de mais-valia, pois é um excedente que<br />sai da força de cada trabalhador. Veja, se os meios de produção pertencessem<br />a ele, o seu salário seria de R$ 3.500,00 e não apenas<br />R$ 1.000,00.<br />Então podemos dizer que o trabalhador está sendo roubado? Não<br />podemos dizer isso, pois o que aqui exemplificamos é conseqüência<br />da existência da propriedade privada e de os meios de produção nas<br />mãos de uma classe, a burguesia.<br /><br />Para entender a sociedade, por Marx.<br />Devemos partir do entendimento de que as coisas materiais fazem<br />a sociedade acontecer. De outra maneira, seria dizer que tudo o que<br />acontece na sociedade tem ligação com a economia e que ela se transforma<br />na mesma medida em que as formas de produção também se<br />transformam. Por exemplo, com a consolidação do sistema capitalista,<br />toda a sociedade teve que organizar-se de acordo com os novos moldes<br />econômicos.<br />Marx também via o homem como aquele que pode transformar a<br />sociedade fazendo sua história, mas enfatiza que nem sempre ele o faz<br />como deseja, pois as heranças da estrutura social influenciam-no. Assim<br />sendo, não é unicamente o homem quem faz a história da sociedade,<br />pois a história da sociedade também constrói o homem, numa<br />relação recíproca. Entendeu?<br />Vamos tentar explicar melhor. As condições em que se encontram a<br />sociedade vão dizer até que ponto o homem pode construir a sua história.<br />Por essa lógica podemos pensar que a classe dominante, a burguesia,<br />tem maiores oportunidades de fazer sua história como deseja,<br />pois tem o poder econômico e político nas mãos, ao contrário da<br />classe proletária que, por causa da estrutura social, está desprovida de meios para tal transformação. Para modificar essa situação somente<br />por intermédio de uma revolução, pois assim a classe trabalhadora pode<br />assumir o controle dos meios de produção e tomar o poder político<br />e econômico da burguesia.<br />Para Marx, a classe trabalhadora deveria organizar-se politicamente,<br />isto é, conscientizar-se de sua condição de explorada e dominada<br />por meio do trabalho e transformar a sociedade capitalista em socialista<br />por intermédio da revolução.<br /><br />Referências:<br />COMTE, Augusto. Sociologia [organização e tradução de Evaristo de Morais Filho] São Paulo: Ática,<br />1978.<br />DURKHEIM, Émile. Sociologia [organizador da coletânea: Albertino Rodrigues]. São Paulo: Ática, 1978.<br />_______________. Da divisão social do trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 1995.<br />_______________. As regras do método sociológico. Tradução. Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo:<br />Cia. Editora Nacional, 1974.<br />_______________. O suicídio. 6. Ed. Lisboa: Presença, 1996.<br />MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.<br />__________. O manifesto do partido comunista: Karl Marx e Friedrich Engels; tradução de Maria Lúcia Como:<br />Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.<br />__________. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978.<br />MONTE, Joaquim. Promoção da qualidade de vida. Curitiba: Letras, 1997.<br />SELL, Carlos Eduardo. Émile Durkheim. In.: Sociologia Clássica: Durkheim, Weber e Marx – 3ª ed. – Itajaí:<br />Ed. Univali, 2002.<br />WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 11ª.Ed. São Paulo: Pioneira, 1996.<br />___________. Ciência e Política: duas vocações – coleção: A obra-prima de cada autor. São Paulo: Martin<br />Claret, 2002.<br />___________. Sociologia [organizador da coletânea: Gabriel Cohn]. São Paulo: Ática, 1979.<br /><br />Pesquisado em: http://www.estadao.com.br Acesso em: 19.03.05<br />Pesquisado em: http://www.wikipedia.org/ Acesso em 14.10.05Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-1475021357410121782009-09-23T08:07:00.000-07:002013-04-01T11:45:06.499-07:00 SOCIOLOGIA E POLÍTICAAmpliar a noção de política, enquanto um processo de tomada de decisões sobre<br />
os problemas sociais que afetam a coletividade, permite ao aluno, por um lado,<br />
perceber como o poder se evidencia também nas relações sociais cotidianas e nos<br />
vários grupos sociais com os quais ele próprio se depara: a escola, a família, a<br />
fábrica, etc. E por outro, dimensionar o erro de assumir uma postura que negue a<br />
política enquanto uma prática socialmente válida, uma vez que no discurso do<br />
senso comum ela é vista apenas como mera enganação. Até mesmo porque<br />
negar a política seria contrariar a lógica da cidadania, que supõe a participação<br />
nos diversos espaços da sociedade. (PCNEM, p. 323)<br />
<br />
Conceitos<br />
Política e relações de poder.<br />
Estado e regimes políticos.<br />
Democracia.<br />
Cidadania e participação política.<br />
Cotidiano.<br />
<br />
MÓDULO – 2<br />
Anexo - 1<br />
<br />
O analfabeto político<br />
Bertolt Brecht<br />
O pior analfabeto<br />
é o analfabeto político.<br />
Ele não ouve, não fala, não participa<br />
dos acontecimentos políticos.<br />
Ele não sabe que o custo de vida,<br />
o preço do feijão, do peixe, da farinha,<br />
do aluguel, do sapato e do remédio<br />
dependem das decisões políticas.<br />
O analfabeto político é tão burro<br />
que se orgulha e estufa o peito<br />
dizendo que odeia política.<br />
Não sabe o imbecil<br />
que da sua ignorância política<br />
nascem a prostituta, o menor abandonado,<br />
o assaltante e o pior de todos os bandidos,<br />
que é o político vigarista, pilantra, corrupto<br />
e lacaio das empresas nacionais e<br />
multinacionais.<br />
In Sonia M. Ribeiro de Souza, Um outro olhar: Filosofia, São Paulo, FTD, 1995, p.154.<br />
<br />
<br />
ANEXO – 2<br />
<br />
INTRODUÇÃO À POLÍTICA<br />
Introdução<br />
Na conversa diária, usamos a palavra política de diversas formas que não<br />
se referem necessariamente a seu sentido fundamental. Assim, sugerimos a<br />
alguém que seja “mais político” na sua maneira de agir, ou nos referimos à<br />
“política” da empresa, da escola, da Igreja, enquanto formas de exercício e<br />
disputa do poder interno. Podemos falar ainda do caráter político de um livro<br />
de literatura, ou da arte em geral.<br />
Mais próximo do sentido de política que nos interessa nesta Unidade,<br />
sempre nos referimos à política quando tratamos de ciência, de moral e,<br />
especificamente, de trabalho, lazer, quadrinhos, corpo, amor, etc. Embora<br />
não se confunda com o objeto próprio de cada um desses assuntos, a política<br />
permeia todos eles.<br />
Há também o sentido pejorativo da política, dado pelas pessoas desencantadas<br />
diante da corrupção e da violência, associando-a à “politicagem”,<br />
falsa política em que predominam os interesses particulares sobre os coletivos.<br />
Mas afinal, de que trata a política?<br />
A política é a arte de governar, de gerir o destino da cidade.<br />
Etimologicamente política vem de pólis (“cidade”, em grego).<br />
Explicar em que consiste a política é outro problema, pois, se acompanharmos<br />
o movimento da história, veremos que essa definição varia e toma<br />
nuances as mais diferentes. O mesmo ocorre quando lembramos que o político<br />
é aquele que atua na vida pública e é investido do poder de imprimir determinado<br />
rumo à sociedade.<br />
Múltiplos são os caminhos, se quisermos estabelecer a relação entre política<br />
e poder, entre poder, força e violência; entre autoridade, coerção e persuasão;<br />
entre Estado e governo etc. Por isso é complicado tratar de política<br />
“em geral”. É preciso delimitar as áreas de discussão e situar as respostas<br />
historicamente.<br />
Assim, é possível entender a política como luta pelo poder: conquista,<br />
manutenção e expansão do poder.<br />
Ou refletir sobre as instituições políticas por meio das quais se exerce<br />
o poder.<br />
E também indagar sobre a origem, natureza e significação do poder. Nessa<br />
última questão surgem problemas como: Qual é o fundamento do poder? Qual<br />
é a sua legitimidade? É necessário que alguns mandem e outros obedeçam? O<br />
que torna viável o poder de um sobre o outro? Qual é o critério de autoridade?<br />
Abordaremos algumas dessas questões nos capítulos seguintes, à medida<br />
que tratarmos dos problemas que preocupam os filósofos no correr da história.<br />
Sugerimos consultar também o Capítulo 7 (Do mito à razão), onde nos<br />
referimos ao surgimento da noção de cidadão na Grécia Antiga.<br />
<br />
O poder<br />
Discutir política é referir-se ao poder.<br />
Embora haja inúmeras definições e interpretações a respeito do conceito<br />
de poder, vamos considerá-lo aqui, genericamente, como sendo a capacidade<br />
ou possibilidade de agir, de produzir efeitos desejados sobre indivíduos ou grupos<br />
humanos. Portanto, o poder supõe dois pólos: o de quem exerce o poder e<br />
o daquele sobre o qual o poder é exercido. Portanto, o poder é uma relação,<br />
ou um conjunto de relações pelas quais indivíduos ou grupos interferem na<br />
atividade de outros indivíduos ou grupos.<br />
<br />
Poder e força<br />
Para que alguém exerça o poder, é preciso que tenha força, entendida<br />
como instrumento para o exercício do poder. Quando falamos em força, é<br />
comum pensar-se imediatamente em força física, coerção, violência. Na verdade,<br />
este é apenas um dos tipos de força.<br />
Diz Gérard Lebrun: “Se, numa democracia, um partido tem peso político,<br />
é porque tem força para mobilizar um certo número de eleitores. Se um sindicato<br />
tem peso político, é porque tem força para deflagrar uma greve. Assim,<br />
força não significa necessariamente a posse de meios violentos de coerção,<br />
mas de meios que me permitam influir no comportamento de outra pessoa. A<br />
força não é sempre (ou melhor, é rarissimamente) um revólver apontado para<br />
alguém; pode ser o charme de um ser amado, quando me extorque alguma<br />
decisão (uma relação amorosa é antes de mais nada uma relação de forças;<br />
cf. as Ligações perigosas de Laclos). Em suma, a força é a canalização da<br />
potência, é a sua determinação”.<br />
M. Lúcia de Arruda Aranha e M. Helena Pires Martins, Filosofando: introdução à Filosofia,<br />
São Paulo, Moderna, 1993, p. 179-180.<br />
<br />
ANEXO – 3<br />
<br />
ESTADO E PODER<br />
Entre tantas formas de força e poder, as que nos interessam aqui referemse<br />
à política e, em especial, ao poder do Estado que, desde os tempos modernos,<br />
se configura como a instância por excelência do exercício do poder político.<br />
Na Idade Média certas atribuições podiam ser exercidas pelos nobres em<br />
seus respectivos territórios, onde muitas vezes eram mais poderosos do que o<br />
próprio rei. Além disso, era difícil, por exemplo, determinar qual a última instância<br />
de uma decisão, daí os recursos serem dirigidos sem ordem hierárquica<br />
tanto a reis e parlamentos como a papas, concílios ou imperadores.<br />
A partir da Idade Moderna, com a formação das monarquias nacionais, o<br />
Estado se fortalece e passa a significar a posse de um território em que o<br />
comando sobre seus habitantes é feito a partir da centralização cada vez maior<br />
do poder. Apenas o Estado se torna apto para fazer e aplicar as leis, recolher<br />
impostos, ter um exército. A monopolização dos serviços essenciais para<br />
garantia da ordem interna e externa exige o desenvolvimento do aparato administrativo<br />
fundado em uma burocracia controladora.<br />
Por isso, segundo Max Weber, o Estado moderno pode ser reconhecido<br />
por dois elementos constitutivos: a presença do aparato administrativo para<br />
prestação de serviços públicos e o monopólio legítimo da força.<br />
<br />
O poder legítimo<br />
Embora a força física seja uma condição necessária e exclusiva do Estado<br />
para o funcionamento da ordem na sociedade, não é condição suficiente para a<br />
manutenção do poder. Em outras palavras, o poder do Estado que apenas se<br />
sustenta na força não pode durar. Para tanto, ele precisa ser legítimo, ou seja,<br />
ter consentimento daqueles que obedecem. (Vimos que o poder é uma relação!)<br />
Ao longo da história humana foram adotados os mais diversos princípios<br />
de legitimidade do poder:<br />
•nos Estados teocráticos, o poder considerado legítimo vem da vontade<br />
de Deus ou da força da tradição, quando o poder é transmitido de geração em<br />
geração, como nas monarquias hereditárias;<br />
•nos governos aristocráticos apenas os melhores podem ter funções de mando;<br />
é bom lembrar que os considerados melhores variam conforme o tipo de aristocracia:<br />
os mais ricos, ou os mais fortes, ou os de linhagem nobre, ou, até, a elite do saber;<br />
•na democracia, vem do consenso, da vontade do povo.<br />
A discussão a respeito da legitimidade do poder é importante na medida<br />
em que está ligada à questão de que a obediência é devida apenas ao comando<br />
do poder legítimo, segundo o qual a obediência é voluntária, e portanto<br />
livre. Caso contrário, surge o direito à resistência, que leva à turbulência social.<br />
M. Lúcia de Arruda Aranha e M. Helena Pires Martins, Filosofando: introdução à Filosofia, São Paulo,<br />
Moderna, 1993, p. 180-181.<br />
ANEXO – 4<br />
<br />
ANARQUISMO - INTRODUÇÃO HISTÓRICA<br />
Tradição<br />
Há uma grande confusão em torno da palavra anarquismo. Muitas vezes<br />
a anarquia é considerada como um equivalente do caos e o anarquista é tido,<br />
na melhor das hipóteses, como um niilista, um homem que abandonou todos<br />
os princípios e, às vezes, até confundido com um terrorista inconseqüente.<br />
Muitos anarquistas foram homens com princípios desenvolvidos; uma restrita<br />
minoria realizou atos de violência que, em termos de destruição, nunca chegou<br />
a competir com os líderes militares do passado ou com os cientistas nucleares<br />
de hoje. Em outras palavras, neste estudo estarão presentes anarquistas<br />
como foram e são, e não como aparentam ser nas fantasias de cartunistas,<br />
jornalistas e políticos, cuja forma predileta de ofender um oponente é acusá-lo<br />
de promover a anarquia.<br />
Estamos interessados em definir um grupo de doutrinas e atitudes cuja<br />
característica comum é a crença de que o Estado é nocivo e desnecessário. A<br />
origem da palavra anarquismo envolve uma dupla raiz grega: archon, que significa<br />
governante, e o prefixo an, que indica sem. Portanto, anarquia significa<br />
estar ou viver sem governo. Por conseqüência, anarquismo é a doutrina que<br />
prega que o Estado é a fonte da maior parte de nossos problemas sociais, e que<br />
existem formas alternativas viáveis de organização voluntária. E, por definição,<br />
o anarquista é o indivíduo que se propõe a criar uma sociedade sem Estado.<br />
O conceito de sociedade sem Estado é essencial para a compreensão da<br />
atitude anarquista. Rejeitando o Estado, o anarquista autêntico não está rejeitando<br />
a idéia da existência da sociedade; ao contrário, sua visão da sociedade<br />
como uma entidade viva se intensifica quando ele considera a abolição do Estado.<br />
Na sua opinião, a estrutura piramidal imposta pelo Estado, com um poder<br />
que vem de cima para baixo, só poderá ser substituída se a sociedade tornar-se<br />
uma rede de relações voluntárias. A diferença entre uma sociedade estatal e<br />
uma sociedade anárquica é a mesma que existe entre uma estrutura e um organismo:<br />
enquanto uma é construída artificialmente, o outro cresce de acordo com<br />
leis naturais. Metaforicamente, se pode comparar a pirâmide do Estado com a<br />
esfera da sociedade que é mantida por um equilíbrio de forças. Duas formas de<br />
equilíbrio têm muita importância na filosofia dos anarquistas. Uma delas é o<br />
equilíbrio entre destruição e construção, que domina suas táticas. A outra é o<br />
equilíbrio entre liberdade e ordem, que faz parte de sua visão da sociedade<br />
ideal. Para o anarquista a ordem não é algo imposto de cima para baixo. É uma<br />
ordem natural que se expressa pela autodisciplina e pela cooperação voluntária.<br />
As raízes do pensamento anarquista são antigas. Doutrinas libertárias<br />
que sustentavam que, como ser normal, o homem pode viver melhor sem ser<br />
governado já existiam entre os filósofos da Grécia e da China Antiga, e entre<br />
seitas cristãs heréticas da Idade Média. Filosofias cuidadosamente elaboradas e que eram totalmente anarquistas começaram a aparecer já durante o<br />
Renascimento e a Reforma, entre os séculos XV e XVII, e principalmente no<br />
século XVIII, à medida que se aproximava a época das revoluções Francesa e<br />
Americana, que deram início à Idade Moderna.<br />
Como movimento ativista, buscando mudar a sociedade por métodos<br />
coletivos, o anarquismo pertence unicamente aos séculos XIX e XX. Houve<br />
épocas em que milhares de operários e camponeses europeus e latino-americanos<br />
seguiram as bandeiras negras ou rubro-negras dos anarquistas, revoltando-<br />
se sob a sua liderança e estabelecendo modelos transitórios de um mundo<br />
livre, como na Espanha e na Ucrânia durante períodos da revolução. Houve<br />
também grandes escritores, como Shelley e Tolstoi, que expressaram idéias<br />
essenciais do anarquismo em seus poemas, novelas e artigos. O sucesso do<br />
anarquismo, porém, variou muito porque ele é um movimento e não um partido.<br />
É um movimento que tem mostrado grande poder de renovação. No início<br />
da década de 60, parecia estar esquecido, mas hoje parece ser outra vez,<br />
como em 1870, 1890 e 1930, um fenômeno relevante.<br />
George Woodcoch, Os grandes escritos anarquistas, Porto Alegre, L&PM, 1981, p. 13-14.<br />
<br />
ANEXO – 5<br />
<br />
Desobediência: a virtude original do homem<br />
Pode-se até admitir que os pobres tenham virtudes, mas elas devem ser<br />
lamentadas. Muitas vezes ouvimos que os pobres são gratos à caridade. Alguns<br />
o são, sem dúvida, mas os melhores entre eles jamais o serão. São ingratos,<br />
descontentes, desobedientes e rebeldes – e têm razão. Consideram que a<br />
caridade é uma forma inadequada e ridícula de restituição parcial, uma esmola<br />
sentimental, geralmente acompanhada de uma tentativa impertinente, por<br />
parte do doador, de tiranizar a vida de quem a recebe. Por que deveriam sentir<br />
gratidão pelas migalhas que caem da mesa dos ricos? Eles deveriam estar<br />
sentados nela e agora começam a percebê-lo. Quanto ao descontentamento,<br />
qualquer homem que não se sentisse descontente com o péssimo ambiente e<br />
o baixo nível de vida que lhe são reservados seria realmente muito estúpido.<br />
Qualquer pessoa que tenha lido a história da humanidade aprendeu que<br />
a desobediência é a virtude original do homem. O progresso é uma conseqüência<br />
da desobediência e da rebelião. Muitas vezes elogiamos os pobres por serem<br />
econômicos. Mas recomendar aos pobres que poupem é algo grotesco e insultante. Seria como aconselhar um homem que está morrendo de fome a<br />
comer menos; um trabalhador urbano ou rural que poupasse seria totalmente<br />
imoral. Nenhum homem deveria estar sempre pronto a mostrar que consegue<br />
viver como um animal mal alimentado. Deveria recusar-se a viver assim, roubar<br />
ou fazer greve – o que para muitos é uma forma de roubo.<br />
Quanto à mendicância, é muito mais seguro mendigar do que roubar, mas<br />
é melhor roubar do que mendigar. Não! Um pobre que é ingrato, descontente,<br />
rebelde e que se recusa a poupar terá, provavelmente, uma verdadeira personalidade<br />
e uma grande riqueza interior. De qualquer forma, ele representará<br />
uma saudável forma de protesto. Quanto aos pobres virtuosos, devemos ter<br />
pena deles mas jamais admirá-los. Eles entraram num acordo particular com o<br />
inimigo e venderam os seus direitos por um preço muito baixo. Devem ser também<br />
extraordinariamente estúpidos. Posso entender que um homem aceite as<br />
leis que protegem a propriedade privada e admira que ela seja acumulada enquanto<br />
for capaz de realizar alguma forma de atividade intelectual sob tais condições.<br />
Mas não consigo entender como alguém que tem uma vida medonha<br />
graças a essas leis possa ainda concordar com a sua continuidade.<br />
Entretanto, a explicação não é difícil, pelo contrário. A miséria e a pobreza<br />
são de tal modo degradantes e exercem um efeito tão paralisante sobre a<br />
natureza humana que nenhuma classe consegue realmente ter consciência<br />
de seu próprio sofrimento. É preciso que outras pessoas venham apontá-lo e<br />
mesmo assim muitas vezes não acreditam nelas. O que os patrões dizem sobre<br />
os agitadores é totalmente verdadeiro. Os agitadores são um bando de pessoas<br />
intrometidas que se infiltram num determinado segmento da comunidade<br />
totalmente satisfeito com a situação em que vive e semeiam o descontentamento<br />
nele. É por isso que os agitadores são necessários. Sem eles, em nosso<br />
estado imperfeito, a civilização não avançaria. A abolição da escravatura na<br />
América não foi uma conseqüência da ação direta dos escravos nem uma<br />
expressão de seu desejo de liberdade. A escravidão foi abolida graças à conduta<br />
totalmente ilegal de certos agitadores vindos de Boston e de outros lugares,<br />
que não eram escravos, não tinham escravos nem qualquer relação direta<br />
com o problema. Foram eles, sem dúvida, que começaram tudo. É curioso<br />
observar que dos próprios escravos eles só receberam pouquíssima ajuda material<br />
e quase nenhuma solidariedade. E quando a guerra terminou e os escravos<br />
descobriram que estavam livres, tão livres que podiam até morrer de fome<br />
livremente, muitos lamentaram amargamente a nova situação. Para o pensador,<br />
o fato mais trágico da Revolução Francesa não foi que Maria Antonieta<br />
tenha sido morta por ser rainha, mas que os camponeses famintos da Vendér<br />
tivessem concordado em morrer defendendo a causa do feudalismo.<br />
Oscar Wilde, “The soul of man under socialism”, 1891, in George Woodcoch,<br />
Os grandes escritos anarquistas, Porto Alegre, L&PM, 1981, p. 66-67.<br />
<br />
ANEXO – 6<br />
<br />
Por uma nova ordem simbólica<br />
Cada espécie animal percebe o real segundo a vida que lhe é peculiar. A<br />
espécie humana relaciona-se com ele por meio de seus sistemas simbólicos. E<br />
é exatamente por esse motivo que ela é a única espécie que o pode transformar.<br />
Mas, embora a capacidade de simbolizar seja inata, seu uso varia ao<br />
longo dos tempos.<br />
É pelos sistemas simbólicos que os seres humanos pensam, falam, se comunicam<br />
e criam as suas leis de comportamento e, portanto, os seus sistemas<br />
sociais, políticos e econômicos. Esses sistemas variaram muito nos 2 milhões de<br />
anos de vida de nossa espécie, principalmente nos últimos 10 mil anos do nosso<br />
período histórico. O grande erro dos pensadores foi tornar os sistemas, que<br />
foram socialmente construídos, como biológicos e imutáveis.<br />
Isso aconteceu, por exemplo, com os psicólogos do fim do século 19 e do<br />
início do século 20, principalmente Freud e Lacan. Freud afirma que a natureza<br />
foi madrasta com a mulher porque ela não tem a capacidade de simbolizar<br />
como o homem.<br />
Lacan afirma que o simbólico é masculino e que “a mulher não existe”.<br />
Não existe porque não tem acesso à ordem simbólica. A palavra pertence ao<br />
homem e o silêncio pertence à mulher. Segundo ele, o simbólico é estruturado<br />
pela cadeia de significantes na qual o grande organizador é o falo. Este, ao<br />
mesmo tempo, é metáfora do órgão sexual masculino e do poder. O poder – que<br />
é essencialmente masculino – é o grande “outro”, ao qual, implícita ou explicitamente,<br />
todos os atos simbólicos humanos se referem. Incluem-se aí os pensamentos,<br />
os gestos, as leis e até os sistemas macro (políticos e econômicos).<br />
E, de fato, ele tem razão. A realidade humana é gendrada (gendered),<br />
como gendrados somos todos nós. Todos os sistemas simbólicos atuais foram<br />
sendo fabricados pelos – e para os – homens. Leis, gramática, crenças, filosofia,<br />
dinheiro, poder político e econômico.<br />
Na última metade do século 20, no entanto, algo novo aconteceu. Os<br />
dois grandes resultados da sociedade de consumo são a entrada da mulher no<br />
mercado mundial de trabalho – uma vez que o sistema fez mais máquinas do<br />
que machos – e a destruição dos recursos naturais – porque os retirou da<br />
natureza num ritmo mais acelerado do que a capacidade de reposição dela.<br />
As mulheres entram nos sistemas simbólicos masculinos no momento em<br />
que esses estão se mostrando implacavelmente destrutivos em relação à vida.<br />
A tarefa monumental que os movimentos de mulheres e as mulheres têm hoje<br />
é a de construir uma nova ordem simbólica não mais centrada sobre o falo (o<br />
poder, o matar ou morrer que é a sua lei), mas uma nova ordem que possa<br />
permear desde o inconsciente individual até os sistemas macroeconômicos.<br />
Uma nova ordem estruturada sobre a vida.<br />
Essas reflexões não poderiam estar sendo feitas se esse trabalho já não<br />
estivesse em curso. Já estão sendo construídos consensos entre os povos contra uma dominação global que exclui o grosso da humanidade e sobre uma<br />
nova ordem que inclua uma relação complementar entre os gêneros, uma<br />
família democrática, um tipo de relação econômica que não transfira a riqueza<br />
de todos para os poucos que dominam, que inclua relações comerciais e econômicas<br />
menos desumanas e destrutivas.<br />
As mulheres já estão entrando nos sistemas simbólicos masculinos. E não<br />
só nas instituições convencionais (empresas, partidos, etc.), mas também em<br />
outras, muitas vezes na contramão da história (nas lutas populares, ecológicas,<br />
pela paz etc., onde são a grande maioria). Elas estão construindo uma<br />
nova ordem simbólica, na qual o “grande outro” é a vida (viver e deixar viver),<br />
e ajudando a desconstruir a atual ordem universal de poder.<br />
Se não trabalharmos nessa profundidade, por mais que se transformem<br />
as estruturas econômicas antigas, elas tenderão a voltar. Ou substituímos a<br />
função estruturante do falo pela função estruturante da vida ou não teremos<br />
mais nem falo nem vida.<br />
Rose Marie Muraro, in Folha de S. Paulo, 8/3/2001, p. A3.<br />
<br />
ANEXO – 7<br />
<br />
3 QUESTÕES SOBRE ECOLOGIA<br />
[Parte I]<br />
1. O atual movimento ecológico é uma nova forma de utopia política?<br />
2. Ele não tende a priorizar a natureza em detrimento do homem?<br />
3. O novo século será “ecologicamente correto”?<br />
Luiz Felipe Pondé responde<br />
1. Ecologia é política, quem não sabe isso acredita em Papai Noel. Como<br />
utopia política, acho-a muito fraca. É uma ilusão acharmos que “vivemos todos<br />
no mesmo planeta”. A natureza é social. Essa coisa de “we are the world”<br />
só serve para “sermos sensíveis” enquanto morremos de fome e de dívidas. É<br />
negar frontalmente toda a encarnação político-social da natureza que representa<br />
a própria história humana. Uma forma de definirmos o Homo sapiens é<br />
pela forma como se relaciona com a natureza e pelo modo como exerce seu<br />
poder sobre seus semelhantes a partir dessa relação. Não há dúvida de que a<br />
utopia ecológica serve muito bem como refúgio para o “bom mocismo” dos<br />
incluídos: “Tudo bem, sou a favor da competição e da degradação das sociedades pobres (afinal isso é ‘natural!!!’), mas choro pelas ‘baby seals’”. É óbvio<br />
que deve haver um projeto político que leve em conta o verde. Acho, aliás, que<br />
um projeto de educação básica que inclua uma “formação ecológica” já é<br />
grande coisa, mas para tal se faz necessário um projeto ambientalista que<br />
inclua uma educação decente. Como utopia diet, uma de suas vantagens é<br />
que seria uma utopia “bem-comportada”: quem grita nas ruas pelas baleias<br />
provavelmente comeu antes.<br />
2. Acho que sim. Mas acho que essa “escolha” em favor da natureza se dá<br />
muito pelo fato de que, ao falarmos da “natureza”, parece que estamos tocando<br />
em uma entidade “pura”, mas isso é platonismo para pseudoletrado. A escolha<br />
pela “natureza” é proposital. É mais “limpo” ideologicamente defender a<br />
natureza extirpando dela seu animal mais intratável. Por outro lado, há algo de<br />
exato na natureza “biológica” que difere do homem, pois este é o animal indireto<br />
por excelência. Para incluir o homem e a mulher no ambientalismo, temos que<br />
aprender a praticar uma ecologia do “espaço interno”, respeitar essa coisa sutil<br />
chamada “alma”, e isso é inviável no economicismo fajuto em que vivemos. No<br />
caso do Brasil, diria que um projeto verde deveria levar em conta antes de tudo<br />
a extinção do brasileiro e da brasileira.<br />
3. Acredito que possa haver uma maior qualidade em alguns “trechos”<br />
da biosfera. Na realidade já há discursos ecologicamente corretos, inclusive<br />
entre nós, que habitamos esta parte “suja” do planeta: mais do que correto, é<br />
“chique” ser ecologicamente correto, principalmente se for em supermercados<br />
caros. O que preocupa é a possibilidade de que tudo isso vire “grife”: sem<br />
a percepção de que não existe uma coisa chamada “natureza pura”, vamos<br />
acabar pagando bem caro por morceguinhos fofinhos.<br />
In Folha de S. Paulo, 18/2/01, Mais!, p. 3. Luiz Felipe Pondé é professor do programa de pósgraduação<br />
em ciências da religião da PUC-SP e autor de Homem insuficiente.<br />
<br />
<br />
ANEXO – 8<br />
<br />
3 QUESTÕES SOBRE ECOLOGIA<br />
[Parte II]<br />
1. O atual movimento ecológico é uma nova forma de utopia política?<br />
2. Ele não tende a priorizar a natureza em detrimento do homem?<br />
3. O novo século será “ecologicamente correto”?<br />
João Paulo Capobianco responde<br />
1. Sim. As alterações promovidas pela humanidade nos ciclos ecológicos<br />
globais ameaçam simultaneamente o futuro – crise da sobrevivência – e levam<br />
ao questionamento de um dos principais pilares sobre os quais se construiu a<br />
sociedade moderna: a supremacia da ciência e da tecnologia sobre os ideais, a<br />
sensibilidade e os sentimentos humanos. Ao expor os gravíssimos problemas<br />
ambientais, de que o efeito estufa é um dos mais fortes exemplos no momento,<br />
o movimento ecológico coloca a humanidade diante de uma crise sem precedentes<br />
e propõe mudanças radicais nos processos produtivos, nas formas de<br />
apropriação dos recursos naturais e nos padrões de consumo. A viabilidade de<br />
um novo modelo de desenvolvimento que seja socialmente justo e ecologicamente<br />
viável, apresentado como a solução para esse impasse, exige a adoção<br />
de posturas individuais e coletivas que contradizem o processo evolutivo recente<br />
da humanidade. Sua implantação requer mudanças estruturais na sociedade,<br />
que passam a ter um caráter de mudança civilizatória.<br />
2. Há setores no movimento ecológico que insistem no modelo<br />
preservacionista, que postula ser impossível compatibilizar o desenvolvimento<br />
humano com a conservação do ambiente natural. Essa corrente, embora barulhenta,<br />
está perdendo rapidamente espaço para os conservacionistas, que<br />
consideram absolutamente indissociáveis as questões sociais e ambientais. Para<br />
essa nova e mais influente corrente, a melhora da qualidade de vida das pessoas<br />
é parte da luta pela conservação ambiental.<br />
3. O novo século já se inicia mais “ecologicamente correto” do que o século<br />
passado, mas será menos “ecologicamente correto” que o próximo. Isso porque<br />
os conceitos sobre o que é adequado em termos ambientais evoluem rapidamente,<br />
tornando as metas e planos cada vez mais ambiciosos. O caso da energia<br />
nuclear é um bom exemplo. Nos anos 70, o movimento lutava para impedir a<br />
construção de novas usinas nucleares. Menos de 20 anos depois de conquistar as<br />
primeiras vitórias nesse sentido, a meta passou a ser a desativação das existentes.<br />
Outras ações, como certificação ambiental de produtos florestais e agrícolas, comércio<br />
solidário e consumo consciente, são alguns exemplos de novas estratégias<br />
que passarão a definir o que será “ecologicamente correto” no futuro próximo.<br />
In Folha de S. Paulo, 18/2/01, Mais!, p. 3. João Paulo Capobianco é biólogo, ambientalista e<br />
coordenador do Instituto Socioambiental (organização não-governamental).<br />
<br />
ANEXO – 9<br />
<br />
É obrigatório ser de esquerda?<br />
Com freqüência, as discussões sobre o que significa ser de esquerda hoje,<br />
depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, e de outros desmoronamentos<br />
concomitantes, lembram muito as que escutamos sem cessar sobre como<br />
manter as crenças religiosas em nossa época laica e científica. Fala-se em<br />
teologia negativa, em leitura simbólica ou alegórica dos textos sagrados, no<br />
Deus ou oculto, na volta às origens do cristianismo ou na sua simbiose com<br />
doutrinas orientais, em rebeldia contra as Igrejas instituídas e hierárquicas, em<br />
comunidades eclesiais de base. Defende-se a necessidade de uma teologia da<br />
libertação, mas nunca se fala na necessidade de libertação da teologia. E o<br />
ímpio vive assaltado pelo desejo de perguntar: “Mas por que é necessário<br />
acreditar em Deus, de um modo ou de outro? Por que não podemos ser simplesmente<br />
ateus como Deus manda?”.<br />
Do mesmo modo, os debates sobre a esquerda possível ou desejável<br />
sempre começam pela justificada renúncia a muitas coisas – ruins – que a<br />
esquerda representou no século passado: a ditadura do proletariado, a luta<br />
de classes como guerra civil revolucionária, a abolição do mercado e da propriedade<br />
privada dos meios de produção, o planejamento estatal de objetivos<br />
industriais, a nacionalização indiscriminada, o partido único, a ideologia<br />
única (lembram-se daquela frase tão bonita que dizia Simone de Beauvoir:<br />
“A verdade é una; o erro, múltiplo: nada estranha, portanto, que a direita<br />
seja plural”?) etc. Quase ninguém é hoje partidário dessas genialidades de<br />
resultado histórico atroz. Alguns até se esqueceram de que ainda ontem à<br />
tarde professavam esses dogmas. Outros afirmam que tudo isso nunca foi “a<br />
verdadeira esquerda” e tranqüilamente expulsam da esquerda Lênin, Stálin<br />
ou Mao (com que autoridade?).<br />
Mas muitos ainda consideram razoavelmente de esquerda Fidel Castro, Che<br />
Guevara ou o regime hoje vigente na China comunista, apesar do horror que lhes<br />
causaria ver gente assim governando seus confortáveis países europeus. Por aqui<br />
acreditamos em mecanismos mais suaves de redistribuição e já basta defendermos<br />
a previdência social, os impostos progressivos, a liberdade sindical e, claro, os<br />
direitos humanos, isto é, quase tudo aquilo que até há bem pouco a esquerda<br />
considerava mero “reformismo” ou “formalismo democrático”.<br />
Na verdade, muitos partidos de centro ou de direita moderada também<br />
subscrevem a seu modo esses ideais, portanto é difícil considerá-los inequívocos<br />
traços distintivos da esquerda. Assim, continuamos discutindo, incansavelmente:<br />
como há de ser a esquerda? Qual é a esquerda que queremos hoje, no<br />
século 21? Mas ninguém se pergunta: por que queremos continuar sendo de<br />
esquerda hoje, no século 21? Por acaso isso é obrigatório para salvar nossa<br />
alma política ou a alma sem adjetivos?<br />
Lamento, mas não tenho resposta para nenhuma dessas indagações. Só<br />
me ocorrem considerações muito genéricas, talvez demasiado especulativas, mas que resumirei rapidamente, caso tenham algo a ver com a questão que nos<br />
preocupa. Os seres humanos nascemos involuntariamente submetidos a uma<br />
ordem social e política que nos preexiste, fruto de acasos, ambições e reformas<br />
acumuladas durante séculos. Podemos sofrê-la passivamente, procurando não<br />
nos dar pessoalmente muito mal nela, ou podemos buscar – na teoria e na prática<br />
– o que fazer para que a ordem involuntária se torne voluntária, isto é, que<br />
requisitos as instituições deveriam reunir para que a maioria dos humanos as<br />
aceitassem e não apenas as padecessem. Obviamente, dada a finitude de nossa<br />
vida e a escassez de nossos conhecimentos, qualquer transformação social nesse<br />
sentido deverá necessariamente conservar muito para mudar pouco.<br />
Mas que mudanças? Talvez pensar a gestão do mundo como uma questão<br />
planetária, e não como a luta entre tribos hostis? Colocar as necessidades humanas<br />
gerais como objetivo da economia, em lugar da maximização dos lucros? Impedir,<br />
em escala mundial, a guerra, o racismo, a tortura, a fome, a marginalização<br />
educacional, o abandono da infância à exploração e à violência dos adultos? Aspirar<br />
a uma renda básica de cidadania, que suprima a coação da miséria e transforme<br />
a maldição bíblica do trabalho em opção pessoal, segundo o tipo de vida que<br />
cada um deseje levar? Não sei. Creio saber que existem coisas que vale a pena<br />
tentar e outras não. Se tentar coisas que valem a pena é ser de esquerda, então<br />
serei de esquerda. Mas, para dizer a verdade, isso pouco me importa.<br />
Fernando Savater, in Folha de S. Paulo, 4/3/01, Mais!, p. 15.<br />
<br />
ANEXO – 10<br />
<br />
JUSTIÇA<br />
Rumo à justiça ou à indignidade?<br />
Se a essência da justiça, como sabido desde Aristóteles, encontra-se na<br />
igualdade entre os homens, não é preciso grande esforço de previsão imaginativa<br />
para perceber que o futuro da espécie humana tende a ser mais injusto<br />
que o presente. A cada ano que passa, as cifras mundiais da desigualdade<br />
crescem espantosamente.<br />
Os dados coletados pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas<br />
são acachapantes. Em 1960, os 20% mais ricos da população mundial<br />
dispunham de uma renda média 30 vezes superior à dos 20% mais pobres. Em<br />
1997, vale dizer, em menos de 40 anos, essa proporção havia mais do que<br />
dobrado: 74 a 1. Se em 1987 a legião dos párias da Terra, ou seja, os condenados a viver com menos de um dólar por dia, cifrava-se em 880 milhões, atualmente<br />
essa multidão de pobres-diabos já constitui uma formidável massa de<br />
1,2 bilhão de pessoas, isto é, nada menos do que 20% da humanidade.<br />
Uma desproporção comparável se desenvolve em termos de preponderância<br />
militar. Nunca, em toda a história das civilizações, uma sociedade política<br />
foi tão poderosa quanto os EUA o são hoje. O orçamento militar norte-americano<br />
para 2001 é 12 vezes superior à soma de todos os demais orçamentos<br />
do mundo.<br />
Tio Sam tem hoje à sua disposição cerca de mil mísseis nucleares e conta<br />
com 1,4 milhão de militares em serviço ativo, dos quais 250 mil estacionados<br />
fora do território americano.<br />
Ademais, a capacidade de espionagem dessa hiperpotência mundial não<br />
tem precedentes. Graças ao concurso de vários satélites de transmissão, de<br />
cerca de 100 mil espiões espalhados pelo mundo inteiro e de 50 mil especialistas<br />
em informática, a Agência de Segurança Nacional americana chega a processar<br />
em macrocomputadores nada menos do que 95% das telecomunicações<br />
que se fazem, atualmente, nos mais diversos países.<br />
Não escapa à análise do observador mais obtuso que essas duas realidades<br />
estão visceralmente interligadas. O primeiro império verdadeiramente<br />
mundial da história constitui a estrutura geopolítica da globalização capitalista.<br />
Ora, após a devastação geral provocada pelo neoliberalismo triunfante,<br />
firma-se, em todos os continentes, a convicção de que o capitalismo substitui,<br />
aos poucos, o Estado totalitário como o principal adversário da democracia e<br />
dos direitos humanos. Para suscitar a esperança é preciso, pois, urgentemente,<br />
apontar à humanidade as vias de resistência a esse seu inimigo irreconciliável.<br />
Elas passam por um esforço combinado de reconstrução, tanto na cúpula<br />
quanto na base do edifício social.<br />
Na cúpula, trata-se de instituir a supremacia do poder político sobre as<br />
forças econômicas, tanto na esfera nacional quanto na internacional. Os diferentes<br />
Estados nacionais foram sistematicamente desarticulados, ao mesmo<br />
passo em que a autoridade da Organização das Nações Unidas vem sendo<br />
minada. Há vários anos os Estados Unidos têm se recusado a pagar suas dívidas<br />
à ONU, no evidente propósito de sufocá-la.<br />
Felizmente, na base do edifício político, um número crescente de movimentos<br />
e associações articula-se hoje, sob a coordenação da International Forum<br />
on Globalization (http://www.ifg.org), para denunciar, nas ruas e praças de<br />
todo o globo, a ação predatória e irresponsável do Fundo Monetário Internacional,<br />
do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio. Em janeiro de<br />
2001, ao mesmo tempo em que os patrões do mundo reunir-se-ão, como todos<br />
os anos, em Davos (Suíça), Porto Alegre acolherá os participantes do primeiro<br />
Fórum Social Mundial, a nova instância representativa da humanidade<br />
pisoteada pelo poder capitalista.<br />
O caminho que conduz à justiça é um só: fortalecimento do poder político, com efetiva participação e controle popular; a soberania dos povos (não<br />
dos Estados nem, menos ainda, dos grandes grupos empresariais), com o integral<br />
respeito aos direitos humanos. Em suma, a boa e verdadeira democracia.<br />
Que o novo século se abra, pois, sob o impacto de uma nova convocação<br />
geral: “Povos dominados do mundo inteiro, uni-vos!”.<br />
Fábio Konder Comparato, in Folha de S. Paulo, 31/12/00, Mais!, p. 14.<br />
<br />
DEMOCRACIA<br />
<br />
Prever o futuro é tão arriscado que, podendo sempre errar, é preferível<br />
errar pelo otimismo. E há boas razões para ser otimista quanto à democracia.<br />
Nos últimos 20 anos, dobrou ou triplicou o número de pessoas que não vivem<br />
em ditadura. Talvez seja demais chamar Ucrânia ou El Salvador hoje de Estados<br />
democráticos, mas certamente há bem mais liberdade nesses países ou no<br />
Brasil, após a queda do comunismo e das ditaduras apoiadas por Washington,<br />
do que havia em 1980. A conjuntura mundial torna difícil o cenário usual, que<br />
era – ante o avanço de reivindicações populares – a CIA (Central de Inteligência<br />
norte-americana) ou o Exército Vermelho acabarem com a festa. No Brasil,<br />
assim, se os militares se mantêm em paz nos quartéis, isso não decorre infelizmente<br />
da força da sociedade, mas de um contexto internacional em que um<br />
golpe de Estado deixaria os novos e ilegítimos mandatários enfraquecidos em<br />
qualquer negociação externa.<br />
Esse quadro geral de apaziguamento abre espaço para a expansão da<br />
democracia. Não é casual que, mais uma campanha eleitoral avança, mais os<br />
resultados favoreçam as forças progressistas. O Brasil do primeiro turno vota à<br />
direita, o Brasil do segundo vota no centro e na esquerda. Em começo de<br />
outubro dos anos pares premiamos os nostálgicos da ditadura e, no fim do<br />
mês, consagramos as forças que se opuseram a ela, mesmo que hoje estejam<br />
divididas entre PT e PSDB.<br />
Mas resta muito por fazer. Mais que tudo, é preciso desenvolver a idéia<br />
de que a democracia não é só um regime político, mas um regime de vida.<br />
Quer dizer que o mundo dos afetos deve ser democratizado. É preciso democratizar<br />
o amor, seja erótico, paternal ou filial, a amizade, o contato com o<br />
desconhecido: tudo o que na modernidade fez parte da vida privada. É preciso<br />
democratizar as relações de trabalho, hoje tuteladas pela propriedade privada. A democracia só vai se consolidar, o que pode tardar décadas, quando<br />
passar das instituições eleitorais para a vida cotidiana. É claro que isso significa<br />
mudar, e muito, o que significa democracia. Penso que cada vez mais ela terá<br />
a ver com o respeito ao outro.<br />
Respeitar o outro implica reconhecer que ele não precisa ser como nós e<br />
aceitar sua diferença cultural, sexual, política, religiosa ou de valores, bem<br />
como admitir que tenha as mesmas chances que nós de encontrar seu caminho<br />
e de viver alimentado, vestido e saudável. É isso o que une a democracia<br />
enquanto poder do povo, comprometida com o sufrágio universal e com a<br />
justiça social, e enquanto conjunto de direitos humanos, empenhada pois em<br />
reconhecer a cada um seu rumo pessoal.<br />
Ainda é difícil saber o que significa essa proposta. Mas o fato é que,<br />
apesar das circunstâncias atuais, a tendência de longo prazo parece ser a da<br />
democratização. É nela que devemos apostar.<br />
Renato Janine Ribeiro, in Folha de S. Paulo, 31/12/00, Mais!, p. 7Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-23987604878591595522009-09-23T07:24:00.000-07:002013-04-01T11:46:00.426-07:00 CULTURA E IDEOLOGIAOs estudos de Sociologia devem incentivar a reflexão sobre os conceitos de<br />
cultura, sistemas simbólicos e diversidades culturais, integrados aos conceitos<br />
de ideologia, de indústria cultural e de meios de comunicação de massa,<br />
com a finalidade de promover a construção e consolidação da cidadania<br />
plena (garantindo as diversidades étnicas e estéticas e realizando a crítica do<br />
consumismo).<br />
Tempo previsto: 16 horas<br />
<br />
Conceitos<br />
Ideologia.<br />
Cultura.<br />
Cultura popular.<br />
Cultura erudita.<br />
Indústria cultural (cultura de massa).<br />
Meios de comunicação de massa.<br />
Consumismo.<br />
Diversidade cultural.<br />
Cotidiano.<br />
<br />
ANEXO – 1<br />
<br />
Após analisar as definições de ideologia e de cultura, vamos iniciar um novo<br />
plano de reflexão, em que entram direta ou indiretamente em debate tanto o<br />
conceito de cultura como o de ideologia. Estudaremos, agora, uma questão que<br />
continua em discussão nas ciências sociais, que é a existência de duas formas<br />
específicas de cultura em nossa sociedade: a cultura popular e a cultura erudita.<br />
O que seria erudito? O que seria popular? O que distinguiria o popular do<br />
erudito? A que grupo ou classe social poderíamos associar cada um desses<br />
conceitos? Haveria algum critério de valor a separar esses conceitos, isto é,<br />
seria possível ou correto compará-los e julgá-los?<br />
O “popular” relaciona-se ao povo; o “erudito”, à elite (ou classe dominante,<br />
se preferirmos). Essa seria, sem dúvida, a associação mais imediata a<br />
ser feita com esses conceitos. Mas para fazer ou não essa associação é preciso<br />
analisar os porquês daquela oposição inicial. Por que distinguir dois tipos de<br />
cultura e dar a eles valores diferenciados?<br />
A questão da existência de uma cultura popular versus uma cultura erudita<br />
implica modos diferenciados de ser, pensar e agir, associados aos detentores de<br />
uma ou de outra cultura. Falar em cultura popular significa falar, simultaneamente,<br />
em religião, em arte, em ciência populares – sempre em oposição a um similar<br />
erudito, que pode ser traduzido em dominante, dada a dimensão dicotômica<br />
(dominante versus dominado) que caracteriza a sociedade capitalista.<br />
Mas como defini-las e distingui-las? A pergunta permanece. Há autores,<br />
como veremos adiante, que dizem já não ser possível pensar em cultura puramente<br />
popular ou puramente erudita numa sociedade como a nossa, integrada<br />
e padronizada pela cultura de massa, ou indústria cultural. Outros autores<br />
discordam dessa postura, diferenciando não duas, mas três culturas, em constante<br />
inter-relação: a cultura popular, a cultura erudita e a indústria cultural,<br />
esta última muitas vezes atuando como uma espécie de ponte entre as duas<br />
primeiras. Mas, por enquanto, tentemos nos fixar especificamente na discussão<br />
ainda não resolvida, como já foi dito, referente à compreensão do erudito<br />
e do popular na contraditória sociedade capitalista que vivemos.<br />
Cultura erudita e cultura popular: o que são e quem as produz?<br />
Definir cultura erudita aparentemente não ocasiona grandes problemas.<br />
Ao pensarmos em cultura erudita, quase automaticamente a associamos ao plano<br />
da escrita e da leitura, do saber universitário, dos debates, da teoria e do<br />
pensamento científico. Já definir cultura popular não é assim tão simples. Na<br />
verdade, definir cultura popular representa uma polêmica que cientistas sociais,<br />
historiadores e pensadores da cultura em geral mantêm até hoje. E, se essa<br />
polêmica ainda existe, é possível concluir que há várias definições de “popular”.<br />
Ao pensarmos em cultura erudita, imediatamente concluímos que seus<br />
produtores fazem parte de uma elite política, econômica e cultural que pode<br />
ter acesso ao saber associado à escrita, aos livros, ao estudo. A resposta já não<br />
é tão imediata quando perguntamos quem são os produtores da cultura popular. Mas afirmar que os produtores da cultura erudita fazem parte de uma elite<br />
não significa dizer que essa cultura seja homogênea. Para os antropólogos<br />
Gilberto Velho e Eduardo Viveiros de Castro, é impossível definir cultura erudita,<br />
porque não podem ser homogeneizados os elementos culturais produzidos<br />
por intelectuais, fazendeiros, empresários, burocratas, etc. Porém, é igualmente<br />
impossível definir cultura popular, dadas as produções culturais diferenciadas<br />
de camponeses, operários, classes médias baixas, etc.<br />
De qualquer forma, não podemos perder de vista que o espaço reservado<br />
na sociedade para cada uma das duas culturas é bastante diferenciado.<br />
Enquanto a cultura erudita é transmitida pela escola e confirmada pelas instituições<br />
(governo, religião, economia), existe uma outra cultura que não se encontra<br />
nos esquemas oficiais. Mas onde está essa cultura? Para descobrir o<br />
seu lugar, pensemos nas definições que os estudiosos têm dado ao conceito de<br />
cultura popular. O historiador inglês Peter Burke define a cultura popular como<br />
uma cultura não oficial, do povo comum. Nesse sentido, o autor segue o pensamento<br />
de Antonio Gramsci, para quem a cultura popular é a cultura do povo,<br />
e os seus produtores são as classes subalternas. Para Gramsci, a cultura popular,<br />
por ser ligada à tradição, é conservadora. No entanto, por ser capaz de<br />
incorporar e reconstruir novos elementos culturais, é também inovadora.<br />
Segundo o antropólogo brasileiro Carlos Brandão, quem faz cultura popular<br />
ou folclore (voltaremos mais tarde a esse conceito) nem sequer imagina<br />
que o que faz tem um outro nome, tem uma ou outra definição, causa ou não<br />
causa polêmicas entre intelectuais. As populações que os estudiosos aproximariam<br />
do conceito e da prática da cultura popular (ou do folclore) vivem, têm<br />
suas atividades cotidianas, divertem-se, têm suas maneiras de ver o mundo e<br />
entender a vida, cantam, dançam, sentem e trabalham. Essas coisas seriam<br />
cultura popular? Essas coisas seriam folclore, ou, como Brandão ouviu em suas<br />
andanças pelo interior do Brasil, “focrore”?<br />
Além disso, talvez seja importante refletir sobre mais uma última questão:<br />
que pessoas se interessam por essas definições? E aqui a resposta é rápida: mais<br />
do que aos próprios produtores da chamada cultura popular, essas questões interessam<br />
aos estudiosos, que, por sinal, numa associação mais imediata, seriam associados<br />
à elite e à esfera da cultura erudita, já que lêem, escrevem e debatem.<br />
Cultura popular e cultura erudita: conflito e incorporação<br />
A questão presente em todos esses movimentos culturais, dos mais antigos<br />
aos mais recentes, refere-se à real definição do popular e do erudito. Se o<br />
popular fosse considerado exclusivamente como tradição e, portanto, como<br />
algo a ser conservado e protegido, introduzir guitarras elétricas no que se<br />
convencionou chamar de “música popular brasileira” seria inaceitável (e, de<br />
fato, isso causou escândalo na década de 60, quando o Tropicalismo e mesmo<br />
a Jovem Guarda de Roberto Carlos surgiram – e com eles, as guitarras, os<br />
cabelos compridos, as calças apertadas).<br />
Se, por outro lado, o erudito significasse somente aquilo a que se<br />
convencionou chamar de “belas-artes”, música e teatro clássicos, não se poderia<br />
pensar na transcrição para a linguagem plástica, escrita e musical de<br />
imagens, poemas e canções do folclore (e estes, por sua vez, só seriam folclore,<br />
ou cultura popular, se fossem passados oralmente, de pai para filho, sem<br />
alterações, ao longo dos séculos).<br />
Como sabemos, nada disso acontece. Numa sociedade complexa como<br />
esta em que vivemos, não é possível ignorar as inter-relações estabelecidas<br />
entre a cultura erudita e a cultura popular e sua importância no próprio estabelecimento<br />
e manutenção da sociedade. A cultura erudita procura compreender<br />
e incorporar elementos da cultura popular (segundo muitos autores até<br />
para melhor dominá-la). Isso não significa, porém, que a cultura popular não<br />
resista a essa incorporação e não incorpore e reelabore, ela mesma, elementos<br />
tradicionalmente associados à cultura erudita.<br />
Para compreender todas essas inter-relações é preciso pensar que todos os<br />
elementos enumerados no início do item “Cultura popular e cultura erudita no<br />
Brasil” – festas, literatura, culinária, religião, etc. – trazem em si a organização<br />
político-econômico-cultural do país, suas regras, suas contradições. Apesar de<br />
estarem associados imediatamente a uma certa visão do povo e da cultura<br />
popular brasileira, da elite e da cultura erudita, esses elementos não são necessariamente<br />
harmoniosos nem estão parados no tempo. Ao contrário, vão se<br />
transformando, ao longo da história e das relações sociais, num movimento dinâmico<br />
e incessante que é o que caracteriza o ser humano e a vida em sociedade.<br />
Para ilustrar, poderíamos utilizar o exemplo da feijoada. Com o passar do<br />
tempo, ela deixou de ser comida de escravos e passou a ser um símbolo de<br />
nacionalidade, sendo servida não só nos restaurantes simples como nos requintados.<br />
Para compreender a cultura e seus significados, é necessário acompanhar<br />
as etapas de transformação de seus elementos, como no exemplo da<br />
feijoada, e tentar descobrir as suas causas.<br />
Existe uma tendência a se considerar tudo aquilo que se relaciona com a<br />
cultura popular como algo antigo, ultrapassado, que precisa acabar e dar lugar<br />
ao novo, ao moderno (em geral associado ao erudito). Curiosamente, muito do<br />
que se convencionou chamar de velho e ultrapassado é associado também à<br />
identidade nacional, isto é, àqueles elementos que fazem com que uma determinada<br />
população se identifique como um grupo de pessoas possuidor dos<br />
mesmos interesses, objetivos e visão de mundo; em resumo, que se identifique<br />
como nação. Esses elementos, se por um lado reforçam a identidade, por outro<br />
acabam estimulando a padronização de gostos, interesses e necessidades,<br />
fazendo com que as pessoas se esqueçam de que vivem em uma sociedade<br />
por definição contraditória, já que dividida em classes.<br />
A indústria cultural vai ser um elemento-chave para pensarmos nessas questões.<br />
Nelson Dácio Tomazi, Iniciação à Sociologia, São Paulo, Atual, 1993, p. 179-182, 190-191.<br />
<br />
Anexo - 2<br />
<br />
Cultura de massa ou indústria cultural<br />
Entre os autores preocupados em definir a indústria cultural ou cultura de<br />
massa e compreender o seu papel na sociedade atual, existem posições diferentes<br />
e até opostas. De maneira breve, examinemos algumas visões sobre a questão.<br />
O termo indústria cultural foi criado por Theodor Adorno (1903-1969) e<br />
Max Horkheimer (1895-1973), membros de um grupo de filósofos conhecido<br />
como Escola de Frankfurt. Ao fazerem a análise da atuação dos meios de<br />
comunicação de massa (que a partir de agora serão chamados pela sigla mdcm),<br />
esses autores concluíram que eles funcionavam como uma verdadeira indústria<br />
de produtos culturais, visando exclusivamente ao consumo. Conforme Adorno,<br />
a indústria cultural vende mercadorias, mas, mais do que isso, vende imagens<br />
do mundo e faz propaganda deste mundo tal qual ele é e para que ele<br />
assim permaneça.<br />
Segundo os dois autores, a indústria cultural pretenderia integrar os consumidores<br />
das mercadorias culturais, agindo como uma ponte nociva entre a<br />
cultura erudita e a popular. Nociva porque retiraria a seriedade da primeira e a<br />
autenticidade da segunda. Adorno e Horkheimer vêem a indústria cultural como<br />
qualquer indústria, organizada em função de um público-massa (abstrato e<br />
homogeneizado) e baseada nos princípios da lucratividade.<br />
Poderíamos pensar, a partir do que os autores indicam, que a indústria<br />
cultural venderia mercadorias culturais como pasta de dentes ou automóveis,<br />
e o público receberia esses “produtos” sem saber diferenciá-los ou sem questionar<br />
seu conteúdo. Assim, após uma sinfonia de Beethoven, uma estação de<br />
rádio poderia veicular o anúncio de um restaurante e, depois dele, noticiar um<br />
golpe de Estado ou terremoto, sem nenhuma profundidade, sem nenhuma<br />
discussão. Nesse sentido, é preciso observar como essa sucessão de música,<br />
propaganda e notícia ilustra o caráter fragmentário dos mdcm, principalmente<br />
o rádio e a televisão (esta, por sinal, profundamente criticada por Adorno).<br />
Os meios tecnológicos tornaram possível reproduzir obras de arte em escala<br />
industrial. Para os autores, essa produção em série (por exemplo, os discos<br />
de música clássica, as reproduções de pinturas, a música erudita como pano<br />
de fundo de filmes de cinema) não democratizou a arte. Simplesmente, banalizou-<br />
a, descaracterizou-a, fazendo com que o público perdesse o senso crítico<br />
e se tornasse um consumidor passivo de todas as mercadorias anunciadas pelos<br />
mdcm. Nesse caso, o fato de um operário assobiar, durante o seu trabalho,<br />
um trecho da ópera que ouviu no rádio não significaria que ele estaria compreendendo<br />
a profundidade daquela obra de arte, mas apenas que ele a memorizou,<br />
como faria com qualquer canção sertaneja, romântica, ou mesmo um<br />
jingle que ouvisse no mesmo rádio.<br />
Para Adorno, a indústria cultural tem como único objetivo a dependência<br />
e a alienação dos homens. Ao maquiar o mundo nos anúncios que veicula, ela<br />
acaba seduzindo as massas para o consumo das mercadorias culturais, a fim de que elas se esqueçam da exploração que sofrem nas relações de produção.<br />
A indústria cultural estimularia, portanto, o imobilismo.<br />
Ao contrário de Adorno e Horkheimer, Marshall McLuhan (1911-1980)<br />
via a atuação dos mdcm de maneira otimista. Estudando principalmente a televisão,<br />
o autor acreditava que ela poderia aproximar os homens, diminuindo<br />
as distâncias não apenas territoriais como sociais entre eles. O mundo iria transformar-<br />
se, então, numa espécie de “aldeia global”, expressão que acabou ficando<br />
clássica entre os teóricos da comunicação.<br />
O crítico Umberto Eco, por sua vez, faz uma distinção polêmica entre os<br />
autores dedicados ao estudo da indústria cultural. Segundo ele, esses autores<br />
dividem-se entre “apocalípticos” (aqueles que criticam os meios de comunicação<br />
de massa) e “integrados” (aqueles que os elogiam). Entre os motivos para<br />
criticar os mdcm, segundo os “apocalípticos”, estariam:<br />
•a veiculação que eles realizam de uma cultura homogênea (que<br />
desconsidera diferenças culturais e padroniza o público);<br />
•o seu desestímulo à sensibilidade;<br />
•o estímulo publicitário (criando, junto ao público, novas necessidades de<br />
consumo);<br />
•a sua definição como simples lazer e entretenimento, desestimulando o<br />
público a pensar, tornando-o passivo e conformista.<br />
Nesse sentido, os mdcm seriam usados para fins de controle e manutenção<br />
da sociedade capitalista.<br />
Entre os motivos para elogiar os mdcm, apontados pelos “integrados”,<br />
estariam:<br />
•serem os mdcm a única fonte de informação possível a uma parcela da<br />
população que sempre esteve distante das informações;<br />
•as informações veiculadas por eles poderem contribuir para a própria<br />
formação intelectual do público;<br />
•a padronização de gosto gerada por eles funcionar como um elemento<br />
unificador das sensibilidades dos diferentes grupos.<br />
Nesse sentido, os mdcm não seriam característicos apenas da sociedade<br />
capitalista, mas de toda sociedade democrática.<br />
Eco irá criticar as duas concepções. Os “apocalípticos” estariam equivocados<br />
por considerarem a cultura de massa ruim simplesmente por seu caráter<br />
industrial. Para Eco, não se pode ignorar que a sociedade atual é industrial e<br />
que as questões culturais têm que ser pensadas a partir dessa constatação. Os<br />
“integrados”, por sua vez, estariam errados por esquecerem que normalmente<br />
a cultura de massa é produzida por grupos de poder econômico com fins<br />
lucrativos, o que significa a tentativa de manutenção dos interesses desses<br />
grupos através dos próprios mdcm. Além disso, não é pelo fato de veicular<br />
produtos culturais que a cultura de massa deva ser considerada naturalmente<br />
boa, como querem os “integrados”.<br />
Eco acredita que não se pode pensar a sociedade moderna sem os mdcm.<br />
Nesse sentido, sua preocupação é descobrir que tipo de ação cultural deve ser<br />
estimulado para que os mdcm realmente veiculem valores culturais.<br />
Nesse sentido, o papel dos intelectuais será fundamental, pois eles é que<br />
irão fiscalizar e exigir que isso aconteça.<br />
Outro autor também ligado à Escola de Frankfurt, mas com uma concepção<br />
diferente do papel da indústria cultural, é Walter Benjamin (1886-1940).<br />
Para ele, a revolução tecnológica do final do século XIX e início do século XX<br />
não acabou com a cultura erudita, como pensavam Adorno e Horkheimer, mas<br />
alterou o papel da arte e da cultura. Os mdcm e suas novas formas de produção<br />
cultural propiciaram mudanças na percepção e na assimilação do público<br />
consumidor, podendo, inclusive, gerar novas formas de mobilização e contestação<br />
por parte desse público.<br />
Para Benjamin, a possibilidade de reprodução técnica das obras de arte<br />
retirou delas o seu caráter único e mágico (o que ele chama de sua “aura”).<br />
Em compensação, possibilitou que elas saíssem dos palácios e museus e fossem<br />
conhecidas por um número infinito de pessoas. Por exemplo, a reprodução<br />
fotográfica permitiu que qualquer pessoa pudesse ter em sua sala as clássicas<br />
Monalisa e Santa ceia, de Leonardo da Vinci; a reprodução fonográfica<br />
fez com que muito mais pessoas pudessem escutar (e quantas vezes quisessem)<br />
uma sinfonia de Mozart.<br />
O impacto que a indústria cultural moderna pode provocar no público<br />
consumidor não seria, portanto, necessariamente negativo, podendo, ao contrário,<br />
contribuir para a emancipação desse público e para a melhoria da sociedade,<br />
uma vez que ampliaria o seu horizonte de conhecimento.<br />
Muitos críticos consideram a visão de Adorno e Horkheimer sobre a indústria<br />
cultural conservadora. Segundo eles, a posição desses autores, ao dizerem<br />
que a indústria cultural banalizaria a cultura erudita (que eles denominavam<br />
“alta cultura”), seria de valorizar a cultura burguesa. E não apenas isso,<br />
seria também de depreciar a cultura popular, que, segundo eles, ficaria ainda<br />
mais simplificada no âmbito da indústria cultural, e a própria capacidade crítica<br />
do público, considerado mero consumidor de mercadorias culturais, produzidas<br />
industrialmente.<br />
Essas diferentes visões sobre a indústria cultural, expostas de maneira<br />
simplificada, poderão servir como elementos para refletirmos sobre a questão<br />
da indústria cultural no Brasil.<br />
Nelson Dácio Tomazi, Iniciação à Sociologia, São Paulo, Atual, 1993.<br />
<br />
ANEXO - 3<br />
<br />
3 QUESTÕES SOBRE CONSUMISMO<br />
1. Como definir o comportamento consumista?<br />
2. Quais são suas causas?<br />
3. O consumismo pode ser terapêutico?<br />
Ana Verônica Mautner responde<br />
1. Comportamento consumista está associado, em primeiro lugar, à idéia<br />
de exagero e também à condição de insaciabilidade. O sujeito quer mais, sempre<br />
mais. Nessa etapa do processo ocorre uma mudança qualitativa. Ele deixa de<br />
apenas querer para querer exibir. Não se trata de exibir o que comprou. A exibição<br />
está no ato da troca, que culmina na aquisição. É no ato de conseguir a<br />
posse do bem, ou coisa, que encontramos a gratificação máxima do consumista.<br />
A questão, pois, reside no tema do poder. Eu quero (peço, encomendo, tomo).<br />
Pago e depois levo. Resumindo, diria que o comportamento consumista se caracteriza<br />
por uma insaciável necessidade de exibir poder. Às vezes o que se<br />
adquire é colecionado ou consumido ou distribuído ou simplesmente guardado.<br />
De qualquer forma, a negociação, a troca, contém o “gozo” que mantém o<br />
comportamento que psicólogos enquadram na categoria de compulsivo: o prazer<br />
no ato da compra é a gratificação que mantém o comportamento consumista.<br />
2. A mobilidade social, característica essencial do mundo moderno, exige<br />
dos membros da sociedade uma flexibilidade que nem sempre conseguimos.<br />
Nessa questão, crises egóicas de poder fluem para o consumo. Daí até que o<br />
ato de comprar sobrepuje a necessidade de ter é menos do que um passo. “O<br />
que” e “como” consumimos tornam-se nosso cartão de visita. O ato de comprar<br />
é, nesse contexto, elemento volátil na formação da identidade.<br />
3. O comportamento consumista enquanto fator de formação de identidade<br />
exerce o mesmo tipo de terapia que os remédios anestésicos: dá um descanso<br />
ao sofredor. Diminui a dor psíquica que sentimos quando elementos identificatórios<br />
não estão definidos. Quando a intolerância à dor atinge formas patológicas, seu<br />
uso deixa de ser terapêutico para tornar-se o causador de outras dores. É como a<br />
aspirina, que, tomada em excesso, dá azia. Comportamento consumista cria conflitos<br />
no lar, gera dívidas, juros e outros tantos inconvenientes. O comportamento<br />
consumista pode ser visto, pois, como uma das tentativas de que dispomos para<br />
driblar a sensação de impotência que a forma de organização da sociedade moderna<br />
(massa de indivíduos à procura de individuação) gera em seus membros.<br />
Everardo Rocha responde<br />
1. O consumo, na sociedade moderna, se liberta dos limites da tradição<br />
para se tornar um princípio fundamental, isto é, um sistema que, para<br />
além de saciar “necessidades” biológicas ou econômicas, serve a que os indivíduos estabeleçam semelhanças e diferenças entre si. A chamada “sociedade<br />
de consumo” nasce de um longo processo histórico, que envolve<br />
marcos como a corte elisabetana (século 16), o romantismo (século 18 e<br />
início do 19) e os meios de comunicação de massa (séculos 19 e 20); em si<br />
mesmo, tal modelo não é um mal, e sim uma “linguagem”, que visa a singularizar<br />
“indivíduos” em princípio igualados (pela democracia e o mercado).<br />
O mal está na apropriação indébita dessa linguagem – que podemos<br />
chamar de “consumismo”.<br />
2. Nesse caso, o “consumo, logo comunico” dá lugar ao “consumo,<br />
logo existo”, e a pessoa vê a si própria e todos os valores reduzidos à<br />
compulsão e ao sofrimento de “possuir” sempre mais. Esquecemos, assim<br />
– vide nossos festejos de Natal –, o que as festas primitivas (“kula”) tinham<br />
como postulado básico: o ato de trocar, a “relação”, vale mais que as coisas<br />
dadas ou recebidas.<br />
Como sugeri na resposta anterior, a atitude consumista é uma<br />
distorção, uma apropriação perversa das modernas regras de sociabilidade.<br />
Não vejo, por exemplo, na mídia o poder de manipulação suficiente<br />
para que fosse julgada “a responsável” por esse comportamento. Creio,<br />
antes, que o consumismo é uma variante exacerbada da sociedade de<br />
consumo, que se pode identificar em personagens como a protagonista<br />
de “Madame Bovary” (1857), de Gustave Flaubert, ou James Bond, cujas<br />
roupas, bebidas, mulheres, cigarros transmitiam o ideário “american way”<br />
do período da Guerra Fria.<br />
3. A pessoa que se separou e sai para as compras não resolverá, com<br />
isso, seu problema interno – ao contrário do que crê o consumista –, mas poderá<br />
ritualizar a tristeza, do mesmo modo como, antigamente, a roupa preta<br />
sinalizava a entrada e saída no período de luto: nos dois casos, o consumo<br />
ajuda à expressão de um outro olhar. Nesse sentido, consumir é terapêutico,<br />
assim como o é para o amigo que, dando um presente ao outro, exprime e<br />
reforça esse vínculo.<br />
In Folha de S. Paulo, 17/12/00, Mais!, p. 3.<br />
Ana Verônica Mautner é psicanalista e escritora, autora de Crônicas científicas;<br />
Everardo Rocha é antropólogo e professor de Comunicação Social na PUC-RJ,<br />
autor de A sociedade do sonho.<br />
<br />
Módulo 3<br />
Anexo- 4<br />
<br />
Tigrão, a Febem e nós<br />
<br />
SÃO PAULO - Não houve ontem, ao que consta, nenhuma morte, nenhuma<br />
rebelião na Febem, a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (sic). Na<br />
falta de notícia mais emocionante, programas de TV dedicados à “família brasileira”<br />
devem tê-la divertido com o funk do Tigrão.<br />
O fenômeno musical (?) da vez, oriundo do Rio, chegou aos bolsões ricos de<br />
São Paulo. Tchutchuquinhas dos Jardins e da Vila Olímpia (bairro novo-rico da capital<br />
que explica por que Maluf é possível) imitam as “minas” da Cidade de Deus,<br />
boca quente do crime no Rio. Repetem sorrindo que “um tapinha não dói”.<br />
A anomia da periferia se integra ao Brasil legal pela mídia, na forma de espetáculo.<br />
A violência temperada com sexo, à Gilberto Freyre, que todos consomem<br />
como diversão pela TV, é regularmente intercalada com o show de horror ao vivo<br />
da Febem. A convivência das duas coisas explica muito da exclusão brasileira.<br />
Se algum sociólogo se dispusesse a vasculhar a história da turma do Tigrão,<br />
na Cidade de Deus, e dos “manos” de Batoré, na Febem, encontraria provavelmente<br />
uma origem comum. Seus avós começaram a engordar, ainda nos<br />
anos JK, uma imensa periferia que foi excluída dos benefícios da modernização.<br />
Três ou quatro gerações de promessas frustradas e pauperização criaram<br />
esses tipos brasileiros, diante dos quais a classe média se diverte ou se horroriza.<br />
Na Febem ou fora dela, jovens miseráveis não têm mais a ilusão de que serão<br />
incorporados à vida decente. Sobrevivendo no inferno, como diz Mano Brown,<br />
não acreditam mais, como seus pais ou avós, que uma vida de privações e esforços<br />
poderia ser recompensada por um futuro melhor, para seus filhos que fosse.<br />
Que ninguém se iluda: caso perdido, a Febem deixou há muito de ser<br />
encarada como problema, desde que quem ali morra antes de virar adulto<br />
permaneça enjaulado. O Brasil já integrou seus tigrões. Basta ligar a TV.<br />
Fernando de Barros e Silva, in Folha de S. Paulo, 19/3/01, p. A-2.<br />
<br />
ANEXO - 5<br />
<br />
TV alavanca romance de Eça de Queirós<br />
Clássico da literatura portuguesa do século 19, “Os Maias” se beneficia da<br />
adaptação para a televisão e entra em quinto lugar no ranking Datafolha.<br />
Um clássico português do século 19, o romance “Os Maias”, aparece na<br />
quinta colocação do ranking Datafolha dos livros mais vendidos em ficção. O<br />
romance, que narra a decadência da aristocracia portuguesa do século 19, se<br />
beneficiou da adaptação para a TV, que resultou na minissérie que está sendo<br />
veiculada pela Globo. “Os Maias”, que tem edições da Nova Alexandria, L&PM<br />
e Ediouro, é o mais vendido na lista só do Rio de Janeiro, embora não figure no<br />
ranking em São Paulo. O primeiro lugar na capital paulista, e também no ranking<br />
geral das duas cidades, em ficção, ficou com “Ninguém É de Ninguém”, de<br />
Zibia Gasparetto.<br />
Folha de S. Paulo, 4/3/01, Mais!, p. 22.<br />
<br />
ANEXO - 6<br />
<br />
3 QUESTÕES SOBRE EDUCAÇÃO E INTERNET<br />
<br />
1. A internet beneficia ou prejudica a aprendizagem?<br />
2. Em que medida a navegação na rede altera o conceito de aprendizagem?<br />
3. Ela pode desbancar o ensino tradicional?<br />
Valdemar Setzer responde<br />
1. Depende. Se for criança ou jovem até uns 16 anos de idade, prejudica<br />
muitíssimo, pois acelera indevidamente o desenvolvimento.<br />
2. A educação sempre foi altamente contextual: um pai sempre examina<br />
um livro antes de comprá-lo para seu filho; uma professora dá uma<br />
aula tendo em vista o que ela deu em dias anteriores, a maturidade da<br />
classe e, idealmente, de cada aluno etc. A internet é totalmente<br />
descontextualizada. Crianças e jovens não têm capacidade para decidir o<br />
que é adequado para eles, pois, se tiverem, estarão indevidamente se comportando<br />
como adultos. TV, joguinhos eletrônicos e computador – e a internet<br />
em particular – produzem aceleração altamente prejudicial: qualquer queima<br />
de etapas em desenvolvimento e educação produz desequilíbrios fisiológicos<br />
e psicológicos.<br />
Além disso, o que se obtém por meio da internet são dados, eventualmente<br />
interpretados como informação. Esta é quase irrelevante diante do que a educação deveria ser: desenvolvimento de capacidades sociais, artísticas e<br />
científicas, principalmente por meio de vivências reais e não de abstrações<br />
virtuais.<br />
3. Sim, pois estamos num mundo verdadeiramente cão, onde as pessoas<br />
– em grande parte devido aos meios eletrônicos – perderam a sensibilidade, a<br />
intuição sobre o que deve ser uma educação sadia e equilibrada, adequada a<br />
cada idade. Essa perda não foi, em geral, substituída por uma necessária<br />
conceituação holística do que é o ser humano e a sua educação. Estamos na<br />
“era do cosmético”; ele é mais importante do que o conteúdo.<br />
TV, joguinho e computador são especialistas em cosméticos, atraindo pela<br />
forma, não pelo conteúdo, pela virtualidade, não pela realidade. A atração<br />
que o uso do computador na educação exerce nas crianças e jovens deveria<br />
servir de alerta para o fato de que ela está falida, pois é um absurdo uma<br />
máquina atrair mais do que um ser humano. A “escola do futuro” deveria ser<br />
mais humana, e não mais tecnológica, pois esta vai produzir futuros adultos<br />
menos humanos, comportando-se como animais e máquinas.<br />
O nazismo será fichinha perto do que essas crianças e jovens<br />
informatizados farão no futuro (e estão começando a fazer) e o sofrimento por<br />
que passarão.<br />
Rogério da Costa responde<br />
1. Talvez o que mais prejudique o aprendizado seja a própria idéia que<br />
temos de aprendizagem. Se acreditarmos que alguém possa aprender de modo<br />
diverso do que é proposto pelo sistema professor-aluno, que é possível aprender<br />
quando trocamos idéias com outras pessoas, que, ao relacionarmos informações<br />
dispersas, estamos, de algum modo, produzindo conhecimento, então<br />
a internet beneficia o aprendizado. Por outro lado, não há nada que prejudique<br />
mais o aprendizado tradicional do que um professor despreparado ou mal<br />
amparado materialmente. Esse problema a internet não irá resolver, mas poderá<br />
ajudar a resolver.<br />
2. A navegação na rede significa, basicamente, a possibilidade de explorarmos<br />
de um modo não-linear universos distintos de informações e conhecimentos.<br />
Ora, a idéia de “exploração”, por si só, já nos convida a refletir sobre a aprendizagem<br />
de uma maneira distinta daquela que comumente entendemos: a “recepção”<br />
do conhecimento exclusivamente por meio do professor. Porém a própria<br />
atividade de exploração dos mundos virtuais requer um aprendizado! Isso nos leva<br />
a crer que o ensino tradicional terá um papel importante a desempenhar nesse<br />
aspecto: ensinar o aluno a ser ele próprio o explorador de seu universo de interesses.<br />
As comunidades virtuais e o aprendizado coletivo que elas implicam constituem<br />
outro aspecto fundamental da navegação em rede. Aprender a “aprender<br />
coletivamente” talvez seja uma outra tarefa para o ensino fundamental.<br />
<br />
3. Penso que não é produtivo estabelecermos uma concorrência entre o<br />
ensino por meio de ambientes virtuais e o ensino tradicional. Ao contrário, eles<br />
podem ser vistos como perfeitamente complementares. Cabe lembrar, no entanto,<br />
que o fato de estarmos sendo provocados a pensar o ensino via internet, com<br />
todo o desafio que isso significa e com toda a riqueza que ele nos promete, nos faz<br />
refletir sobre a própria arquitetura do ensino tradicional que temos hoje. Isso nos<br />
leva a crer que nossa relação com o ensino presencial se tornará cada vez mais<br />
complexa, mais crítica e, esperamos, mais rica em mudanças e inovações.<br />
In Folha de S. Paulo, 23/7/00, Mais!, p. 3. Valdemar Setzer é professor do Departamento de Ciência<br />
da Computação da USP, autor de Introdução à rede internet e seu uso; Rogério da Costa é professor<br />
de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP, autor de Limiares do contemporâneo<br />
<br />
<br />
ANEXO - 7<br />
<br />
Texto 1<br />
PELA INTERNET<br />
Gilberto Gil<br />
CRIAR MEU WEB SITE<br />
FAZER MINHA HOME-PAGE<br />
COM QUANTOS GIGABYTES<br />
SE FAZ UMA JANGADA<br />
UM BARCO QUE VELEJE<br />
QUE VELEJE NESSE INFOMAR<br />
QUE APROVEITE A VAZANTE DA INFOMARÉ<br />
QUE LEVE UM ORIKI DO MEU VELHO ORIXÁ<br />
AO PORTO DE UM DISQUETE DE UM MICRO EM TAIPÉ<br />
UM BARCO QUE VELEJE NESSE INFORMAR<br />
QUE APROVEITE A VAZANTE DA INFORMARÉ<br />
QUE LEVE MEU E-MAIL ATÉ CALCUTÁ<br />
DEPOIS DE UM HOT-LINK<br />
NUM SITE DE HELSINQUE<br />
PARA ABASTECER<br />
EU QUERO ENTRAR NA REDE<br />
PROMOVER UM DEBATE<br />
JUNTAR VIA INTERNET<br />
UM GRUPO DE TIETES DE CONNECTICUT<br />
DE CONNECTICUT ACESSAR<br />
O CHEFE DA MACMILÍCIA DE MILÃO<br />
UM HACKER MAFIOSO ACABA DE SOLTAR<br />
UM VÍRUS PARA ATACAR PROGRAMAS NO JAPÃO<br />
EU QUERO ENTRAR NA REDE PRA CONTACTAR<br />
OS LARES DO NEPAL, OS BARES DO GABÃO<br />
QUE O CHEFE DA POLÍCIA CARIOCA AVISA PELO CELULAR<br />
QUE LÁ NA PRAÇA ONZE TEM UM VIDEOPOKER PARA SE JOGAR<br />
<br />
Texto 2<br />
CÉREBRO ELETRÔNICO<br />
Gilberto Gil<br />
O CÉREBRO ELETRÔNICO FAZ TUDO<br />
FAZ QUASE TUDO<br />
QUASE TUDO<br />
MAS ELE É MUDO<br />
O CÉREBRO ELETRÔNICO COMANDA<br />
MANDA E DESMANDA<br />
ELE É QUEM MANDA<br />
MAS ELE NÃO ANDA<br />
SÓ EU POSSO PENSAR SE DEUS EXISTE<br />
SÓ EU<br />
SÓ EU POSSO CHORAR QUANDO ESTOU TRISTE<br />
SÓ EU<br />
EU CÁ COM MEUS BOTÕES DE CARNE E OSSO<br />
HUM, HUM,<br />
EU FALO E OUÇO<br />
HUM, HUM,<br />
EU PENSO E POSSO<br />
EU POSSO DECIDIR SE VIVO OU MORRO<br />
PORQUE<br />
PORQUE SOU VIVO, VIVO PRA CACHORRO<br />
E SEI<br />
QUE CERÉBRO ELETRÔNICO NENHUM ME DÁ SOCORRO<br />
EM MEU CAMINHO INEVITÁVEL PARA A MORTE<br />
PORQUE SOU VIVO, AH, SOU MUITO VIVO<br />
E SEI<br />
QUE A MORTE É NOSSO IMPULSO PRIMITIVO<br />
E SEI<br />
QUE CERÉBRO NENHUM ME DÁ SOCORRO<br />
COM SEUS BOTÕES DE FERRO E SEUS OLHOS DE VIDRO<br />
Ambas as músicas in CD Gilberto Gil ao vivo, 1999.<br />
<br />
<br />
ANEXO -8 <br />
<br />
CINEMA NOVO<br />
Gilberto Gil e Caetano Veloso<br />
O FILME QUIS DIZER “EU SOU O SAMBA”<br />
A VOZ DO MORRO RASGOU A TELA DO CINEMA<br />
E COMEÇARAM A SE CONFIGURAR<br />
VISÕES DAS COISAS GRANDES E PEQUENAS<br />
QUE NOS FORMARAM E ESTÃO A NOS FORMAR<br />
TODAS E MUITAS: DEUS E O DIABO, VIDAS SECAS. OS FUZIS.<br />
OS CAFAJESTES, O PADRE E A MOÇA. A GRANDE FEIRA, O DESAFIO<br />
OUTRAS CONVERSAS, OUTRAS CONVERSAS SOBRE OS JEITOS DO BRASIL<br />
OUTRAS CONVERSAS SOBRE OS JEITOS DO BRASIL<br />
A BOSSA NOVA PASSOU NA PROVA<br />
NOS SALVOU NA DIMENSÃO DA ETERNIDADE<br />
PORÉM AQUI EMBAIXO “A VIDA”. MERA “METADE DE NADA”<br />
NEM MORRIA NEM ENFRENTAVA O PROBLEMA<br />
PEDIA SOLUÇÕES E EXPLICAÇÕES<br />
E FOI POR ISSO QUE AS IMAGENS DO PAÍS DESSE CINEMA<br />
ENTRARAM NAS PALAVRAS DAS CANÇÕES<br />
PRIMEIRO FORAM AQUELAS QUE EXPLICAVAM<br />
E A MÚSICA PARAVA PRA PENSAR<br />
MAS ERA TÃO BONITO QUE PARASSE<br />
QUE A GENTE NEM QUERIA RECLAMAR<br />
DEPOIS FORAM AS IMAGENS QUE ASSOMBRAVAM<br />
E OUTRAS PALAVRAS JÁ QUERIAM SE CANTAR<br />
DE ORDEM DE DESORDEM DE LOUCURA<br />
O DE ALMA À MEIA-NOITE E DE INDÚSTRIA<br />
E A TERRA ENTROU EM TRANSE Ê<br />
NO SERTÃO DE IPANEMA<br />
EM TRANSE Ê, NO MAR DE MONTE SANTO<br />
E A LUZ DO NOSSO CANTO. E AS VOZES DO POEMA<br />
NECESSITARAM TRANSFORMAR-SE TANTO<br />
QUE O SAMBA QUIS DIZER, O SAMBA QUIS DIZER: EU SOU CINEMA<br />
AÍ O ANJO NASCEU, VEIO O BANDIDO METERORANGO,<br />
HITLER TERCEIRO MUNDO. SEM ESSA ARANHA. FOME DE AMOR<br />
E O FILME DISSE: EU QUERO SER POEMA<br />
OU MAIS: QUERO SER FILME E FILME-FILME<br />
ACOSSADO NO LIMITE DA GARGANTA DO DIABO<br />
VOLTAR À ATLÂNTIDA E ULTRAPASSAR O ECLIPSE<br />
MATAR O OVO E VER A VERA CRUZ<br />
E O SAMBA AGORA DIZ: EU SOU A LUZ<br />
DA LIRA DO DELÍRIO. DA ALFORRIA DE XICA<br />
DE TODA A NUDEZ DE ÍNDIA DE FLOR DE MACABÉIA, DE ASA BRANCA<br />
MEU NOME É STELINHA, É INOCÊNCIA<br />
MEU NOME É ORSON ANTÔNIO VIEIRA CONSELHEIRO DE PIXOTE<br />
SUPER OUTRO<br />
QUERO SER VELHO, DE NOVO ETERNO, QUERO SER NOVO DE NOVO<br />
QUERO SER GANGA BRUTA E CLARA GEMA<br />
EU SOU O SAMBA. VIVA O CINEMA – VIVA O CINEMA NOVO.<br />
CD Tropicália 2, 1994.Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-89540347417502477072009-09-16T11:05:00.000-07:002009-09-16T11:10:13.640-07:00Cultura de massa ou indústria culturalEntre os autores preocupados em definir a indústria cultural ou cultura de<br />massa e compreender o seu papel na sociedade atual, existem posições diferentes<br />e até opostas. De maneira breve, examinemos algumas visões sobre a questão.<br />O termo indústria cultural foi criado por Theodor Adorno (1903-1969) e<br />Max Horkheimer (1895-1973), membros de um grupo de filósofos conhecido<br />como Escola de Frankfurt. Ao fazerem a análise da atuação dos meios de<br />comunicação de massa (que a partir de agora serão chamados pela sigla mdcm),<br />esses autores concluíram que eles funcionavam como uma verdadeira indústria<br />de produtos culturais, visando exclusivamente ao consumo. Conforme Adorno,<br />a indústria cultural vende mercadorias, mas, mais do que isso, vende imagens<br />do mundo e faz propaganda deste mundo tal qual ele é e para que ele<br />assim permaneça.<br />Segundo os dois autores, a indústria cultural pretenderia integrar os consumidores<br />das mercadorias culturais, agindo como uma ponte nociva entre a<br />cultura erudita e a popular. Nociva porque retiraria a seriedade da primeira e a<br />autenticidade da segunda. Adorno e Horkheimer vêem a indústria cultural como<br />qualquer indústria, organizada em função de um público-massa (abstrato e<br />homogeneizado) e baseada nos princípios da lucratividade.<br />Poderíamos pensar, a partir do que os autores indicam, que a indústria<br />cultural venderia mercadorias culturais como pasta de dentes ou automóveis,<br />e o público receberia esses “produtos” sem saber diferenciá-los ou sem questionar<br />seu conteúdo. Assim, após uma sinfonia de Beethoven, uma estação de<br />rádio poderia veicular o anúncio de um restaurante e, depois dele, noticiar um<br />golpe de Estado ou terremoto, sem nenhuma profundidade, sem nenhuma<br />discussão. Nesse sentido, é preciso observar como essa sucessão de música,<br />propaganda e notícia ilustra o caráter fragmentário dos mdcm, principalmente<br />o rádio e a televisão (esta, por sinal, profundamente criticada por Adorno).<br />Os meios tecnológicos tornaram possível reproduzir obras de arte em escala<br />industrial. Para os autores, essa produção em série (por exemplo, os discos<br />de música clássica, as reproduções de pinturas, a música erudita como pano<br />de fundo de filmes de cinema) não democratizou a arte. Simplesmente, banalizou-<br />a, descaracterizou-a, fazendo com que o público perdesse o senso crítico<br />e se tornasse um consumidor passivo de todas as mercadorias anunciadas pelos<br />mdcm. Nesse caso, o fato de um operário assobiar, durante o seu trabalho,<br />um trecho da ópera que ouviu no rádio não significaria que ele estaria compreendendo<br />a profundidade daquela obra de arte, mas apenas que ele a memorizou,<br />como faria com qualquer canção sertaneja, romântica, ou mesmo um<br />jingle que ouvisse no mesmo rádio.<br />Para Adorno, a indústria cultural tem como único objetivo a dependência<br />e a alienação dos homens. Ao maquiar o mundo nos anúncios que veicula, ela<br />acaba seduzindo as massas para o consumo das mercadorias culturais, a fim de que elas se esqueçam da exploração que sofrem nas relações de produção.<br />A indústria cultural estimularia, portanto, o imobilismo.<br />Ao contrário de Adorno e Horkheimer, Marshall McLuhan (1911-1980)<br />via a atuação dos mdcm de maneira otimista. Estudando principalmente a televisão,<br />o autor acreditava que ela poderia aproximar os homens, diminuindo<br />as distâncias não apenas territoriais como sociais entre eles. O mundo iria transformar-se, então, numa espécie de “aldeia global”, expressão que acabou ficando<br />clássica entre os teóricos da comunicação.<br />O crítico Umberto Eco, por sua vez, faz uma distinção polêmica entre os<br />autores dedicados ao estudo da indústria cultural. Segundo ele, esses autores<br />dividem-se entre “apocalípticos” (aqueles que criticam os meios de comunicação<br />de massa) e “integrados” (aqueles que os elogiam). Entre os motivos para<br />criticar os mdcm, segundo os “apocalípticos”, estariam:<br />· a veiculação que eles realizam de uma cultura homogênea (que<br />desconsidera diferenças culturais e padroniza o público);<br />· o seu desestímulo à sensibilidade;<br />· o estímulo publicitário (criando, junto ao público, novas necessidades de<br />consumo); a sua definição como simples lazer e entretenimento, desestimulando o<br />público a pensar, tornando-o passivo e conformista.<br />Nesse sentido, os mdcm seriam usados para fins de controle e manutenção<br />da sociedade capitalista.<br />Entre os motivos para elogiar os mdcm, apontados pelos “integrados”,<br />estariam:<br />· serem os mdcm a única fonte de informação possível a uma parcela da<br />população que sempre esteve distante das informações;<br />· as informações veiculadas por eles poderem contribuir para a própria<br />formação intelectual do público;<br />· a padronização de gosto gerada por eles funcionar como um elemento<br />unificador das sensibilidades dos diferentes grupos.<br />Nesse sentido, os mdcm não seriam característicos apenas da sociedade<br />capitalista, mas de toda sociedade democrática.<br />Eco irá criticar as duas concepções. Os “apocalípticos” estariam equivocados<br />por considerarem a cultura de massa ruim simplesmente por seu caráter<br />industrial. Para Eco, não se pode ignorar que a sociedade atual é industrial e<br />que as questões culturais têm que ser pensadas a partir dessa constatação. Os<br />“integrados”, por sua vez, estariam errados por esquecerem que normalmente<br />a cultura de massa é produzida por grupos de poder econômico com fins<br />lucrativos, o que significa a tentativa de manutenção dos interesses desses<br />grupos através dos próprios mdcm. Além disso, não é pelo fato de veicular<br />produtos culturais que a cultura de massa deva ser considerada naturalmente<br />boa, como querem os “integrados”.<br />493<br />Anexo<br />Eco acredita que não se pode pensar a sociedade moderna sem os mdcm.<br />Nesse sentido, sua preocupação é descobrir que tipo de ação cultural deve ser<br />estimulado para que os mdcm realmente veiculem valores culturais.<br />Nesse sentido, o papel dos intelectuais será fundamental, pois eles é que<br />irão fiscalizar e exigir que isso aconteça.<br />Outro autor também ligado à Escola de Frankfurt, mas com uma concepção<br />diferente do papel da indústria cultural, é Walter Benjamin (1886-1940).<br />Para ele, a revolução tecnológica do final do século XIX e início do século XX<br />não acabou com a cultura erudita, como pensavam Adorno e Horkheimer, mas<br />alterou o papel da arte e da cultura. Os mdcm e suas novas formas de produção<br />cultural propiciaram mudanças na percepção e na assimilação do público<br />consumidor, podendo, inclusive, gerar novas formas de mobilização e contestação<br />por parte desse público.<br />Para Benjamin, a possibilidade de reprodução técnica das obras de arte<br />retirou delas o seu caráter único e mágico (o que ele chama de sua “aura”).<br />Em compensação, possibilitou que elas saíssem dos palácios e museus e fossem<br />conhecidas por um número infinito de pessoas. Por exemplo, a reprodução<br />fotográfica permitiu que qualquer pessoa pudesse ter em sua sala as clássicas<br />Monalisa e Santa ceia, de Leonardo da Vinci; a reprodução fonográfica<br />fez com que muito mais pessoas pudessem escutar (e quantas vezes quisessem)<br />uma sinfonia de Mozart.<br />O impacto que a indústria cultural moderna pode provocar no público<br />consumidor não seria, portanto, necessariamente negativo, podendo, ao contrário,<br />contribuir para a emancipação desse público e para a melhoria da sociedade,<br />uma vez que ampliaria o seu horizonte de conhecimento.<br />Muitos críticos consideram a visão de Adorno e Horkheimer sobre a indústria<br />cultural conservadora. Segundo eles, a posição desses autores, ao dizerem<br />que a indústria cultural banalizaria a cultura erudita (que eles denominavam<br />“alta cultura”), seria de valorizar a cultura burguesa. E não apenas isso,<br />seria também de depreciar a cultura popular, que, segundo eles, ficaria ainda<br />mais simplificada no âmbito da indústria cultural, e a própria capacidade crítica<br />do público, considerado mero consumidor de mercadorias culturais, produzidas<br />industrialmente.<br />Essas diferentes visões sobre a indústria cultural, expostas de maneira<br />simplificada, poderão servir como elementos para refletirmos sobre a questão<br />da indústria cultural no Brasil.<br />Nelson Dácio Tomazi, Iniciação à Sociologia, São Paulo, Atual, 1993Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-80285856452824592322009-09-16T10:00:00.000-07:002013-03-30T13:49:00.010-07:00O surgimento da Sociologia<i><b>Everaldo Lorensetti<i></i></b></i><br />
<br />
<br />
Você é um privilegiado!<br />
eitor: – Como assim, privilegiado?<br />
O livro: – É, privilegiado! Você é um<br />
deles!<br />
Na sociedade, há pessoas privilegiadas.<br />
Um deles, por exemplo, pode<br />
ser aquele que tem o poder de<br />
governar e de conduzir os rumos da<br />
sociedade, o que muitas vezes pode<br />
não ser da maneira mais justa para<br />
todos. Outro exemplo...<br />
Leitor: – Um outro...?<br />
O livro: – Você mesmo é um, caro leitor!<br />
Leitor: – Mas, eu?! Como?<br />
O livro: – Simples! Seu privilégio está no fato do que você vai<br />
adquirir agora: conhecimento! Você poderá avançar<br />
no entendimento de como funciona a sociedade em<br />
que você vive, conhecer como trabalham os demais<br />
privilegiados (a elite social) e aumentar sua autonomia<br />
de reflexão e de ação diante dos fatos que lhe cercam.<br />
Sigamos adiante?<br />
Mas o que é essa AUTONOMIA de que estamos falando?<br />
Vamos lá! Vamos descobrir! Você vai entender o que estamos dizendo,<br />
passo a passo.<br />
Essa autonomia é quanto à sua maneira de pensar e de agir frente a<br />
diversas situações. Muitas pessoas não sabem (e não se preocupam em<br />
saber) como e por que determinadas coisas mexem com suas vidas.<br />
Vamos pensar num exemplo bem simples para você entender: você<br />
já viu uma TV que não “pega” direito? O que pode ser feito para se<br />
resolver o problema do sinal?<br />
Colocar palha-de-aço na antena resolveria?<br />
Essa atitude, de pôr a palha-de-aço na antena, falando de tempos<br />
passados, era algo muito mais comum do que hoje com as antenas parabólicas<br />
e TVs a cabo, o que não significa que ninguém mais o faça.<br />
Mas a palha-de-aço pode até resolver o problema, consideravelmente.<br />
Outras vezes, porém, ela não será suficiente para acabar com o<br />
defeito. Dependendo do sinal que a TV esteja recebendo.<br />
O que seria a palha-de-aço?<br />
Palha-de-aço = uma espécie de Senso Comum.<br />
No caso da TV, um técnico em eletrônica resolveria melhor o problema<br />
do sinal porque ele tem um conhecimento mais apurado daquilo<br />
que opera o funcionamento da televisão. Provavelmente ele iria dar<br />
uma boa gargalhada ao ver o “Bombril” pendurado na ponta da antena,<br />
pois ele sabe que aquilo pode ser apenas um “remendo no rasgo”,<br />
ainda que em alguns casos resolva, entende?<br />
Resumindo: Então, o que seria um Senso Comum?<br />
Poderíamos dizer que é uma resposta ou solução simples para o<br />
cotidiano, geralmente pouco elaborada e sem um conhecimento mais<br />
profundo, diga-se, científico.<br />
O teólogo brasileiro e Doutor em Filosofia, Rubem Alves, em seu livro<br />
Filosofia da Ciência, considera o senso comum como sendo aquilo<br />
que não é ciência. De outra maneira, seria dizer que o Bombril na antena<br />
da TV não é algo científico, mas sim um “eu acho que funciona”<br />
para o dia-a-dia das pessoas.<br />
Mas existe uma lógica em pôr a palha-de-aço na antena. As pessoas<br />
só não sabem qual é. E é por esse motivo, também, que Rubem Alves<br />
diz que a ciência, na verdade, é um refinamento, ou melhoramento,<br />
do senso comum.<br />
O senso comum e a ciência nos dão respostas, ou inventam soluções<br />
práticas para nossos problemas. A diferença é que a ciência é um<br />
conhecimento mais elaborado.<br />
“Eu acho que...” Fique sabendo!<br />
Muitas vezes quando alguém começar<br />
uma resposta com as palavras<br />
“eu acho que...”, tal resposta pode<br />
não chegar no centro real do problema<br />
a ser entendido ou resolvido. O<br />
que não significa, porém, que ela deva<br />
ser rejeitada. Ela só precisa ser refinada.<br />
Por exemplo, se alguém nos perguntasse<br />
o motivo que leva a economia<br />
de um país oscilar, nós poderíamos<br />
dar uma resposta certeira, com<br />
demonstrações, inclusive, mas também<br />
poderíamos dizer apenas: “eu<br />
acho que...”.<br />
A exemplo da economia, existem<br />
muitas outras coisas que acontecem<br />
na sociedade que nos atingem diretamente.<br />
E para todas essas coisas seria<br />
muito bom que tivéssemos curiosidade<br />
para saber se aquilo que é mostrado<br />
é realmente como é, entende?<br />
E a Sociologia? Como vai aparecer<br />
nessa conversa?<br />
Para muitas pessoas, passar debaixo de uma escada traz azar. Isso também pode ser um exemplo de senso comum.<br />
<br />
Contribuindo para que possamos entender um pouco mais o lugar onde<br />
vivemos!<br />
Veja, como já falamos, o senso comum não deve ser rejeitado.<br />
O que estamos propondo é que você pode ir além desse conhecimento<br />
comum, neste caso, sobre a sociedade.<br />
Uma outra coisa que deve ser desmitificada é o termo cientista.<br />
Confirmamos o pensamento de Rubem Alves quando diz que um cientista<br />
não é uma pessoa que pensa melhor do que os outros. Rubem Alves<br />
nos fala que a tarefa de refletir e de entender os porquês das coisas<br />
cabe a todos nós, e que a idéia de que não precisamos pensar, porque<br />
existem pessoas “melhores” para isto, é furada.<br />
Avançar um pouco mais em relação a um conhecimento elaborado e investigativo vai lhe trazer um entendimento mais claro sobre como<br />
funciona a sociedade, dentre outras coisas.<br />
Além do fato de que você terá maior autonomia para CONCORDAR<br />
OU DISCORDAR POR SI PRÓPRIO sobre as questões que você<br />
vive na sociedade.<br />
Essa é a independência que queremos que você tenha: A DE REFLEXÃO.<br />
<br />
E o que é ser alienado?<br />
Veja: se não tivermos nossa independência de pensamento<br />
e ação, ou seja, se não conseguimos refletir sobre<br />
aquilo que vemos e ouvimos, ou se concordamos com tudo<br />
o que acontece, então podemos estar vivendo de forma<br />
alienada.<br />
Segundo a filósofa brasileira Marilena Chauí, a alienação<br />
acontece quando o homem não se vê como sujeito (criador)<br />
da história e, nela, capaz de produzir obras.<br />
Para o homem alienado, e segundo esta mesma visão, a<br />
história e as obras produzidas nela são fatos estranhos e externos.<br />
E, sendo estranhos, tal homem não os pode controlar, ficando<br />
numa posição de dominado. Já o conhecimento pode nos fazer transformadores<br />
da história, e não apenas espectadores dela.<br />
Mais à frente retomaremos essa discussão sobre a alienação e a existência<br />
de elites e o faremos com mais recursos para a nossa reflexão.<br />
<br />
Conhecer e entender<br />
(sobre a Sociologia) é preciso!<br />
A Sociologia não é a redentora ou solucionadora dos males sociais,<br />
ou dos problemas intelectuais das pessoas. Ela surge como uma ciência<br />
que vai fornecer uma nova visão sobre a sociedade, que não é absoluta,<br />
ou a única a demonstrar a “verdade”.<br />
Sua contribuição está no fato de nos dar referenciais para refletirmos<br />
sobre as sociedades.<br />
<br />
A ”Gênesis Sociológica”:<br />
É importante...<br />
Nesse início de trabalho, buscaremos conhecer como a Sociologia<br />
surgiu, para depois sabermos como é que ela pode nos ajudar a entender<br />
a sociedade, bem como os problemas levantados pela atividade<br />
acima. Vamos fazer um passeio pela história para encontrarmos suas<br />
bases. Acompanhe:<br />
<br />
Como tudo começou!<br />
Apesar da ciência sociológica ser considerada nova, pois ela se consolidou por volta do século XIX, a angústia de se entender as sociedades,<br />
por sua vez, não é tão nova assim. Se olharmos para a Grécia Antiga, vamos ver que lá já havia o desejo de se entender a sociedade. No século V a.C, havia uma corrente filosófica, chamada sofista, que começava a dar mais atenção para os problemas sociais e políticos da época. Porém, não foram os gregos os criadores da Sociologia. Mas foram os gregos que iniciaram o pensamento crítico filosófico. Eles criaram a Filosofia (que significa amor ao conhecimento) e que, por sua vez, foi um impulso para o surgimento daquilo que chamamos, hoje, de ciência, a qual se consolidaria a partir dos séculos XVI e XVII, sendo uma forma de interpretação dos acontecimentos da sociedade mais distanciada das explicações míticas. Foram com os filósofos gregos Platão (427-347 a.C) e Aristóteles (384-322 a.C), que surgiram os primeiros passos dos trabalhos mais reflexivos sobre a sociedade. Platão foi defensor de uma concepção idealista e acreditava que o aspecto material do mundo seria um tipo de fruto imperfeito das idéias universais, as quais existem por si mesmas. Aristóteles já mencionava que o homem era um ser que, necessariamente, nasce para<br />
estar vivendo em conjunto, isto é, em sociedade.<br />
No seu livro chamado Política, no qual consta um estudo dos diferentes sistemas de governo existentes, percebe se o seu interesse em entender a sociedade.<br />
<br />
na Idade Média...<br />
Séculos mais tarde, no período chamado de Idade Média (que vai do século V ao XV, mais exatamente entre os anos 476 a 1453 a.C.), houve, segundo os renascentistas (que vamos conhecer mais à frente), um período de “trevas” quanto à maneira de ver o mundo. Segundo eles, havia um prevalecer da fé, onde o campo mítico e religioso tendia a ser a explicação mais viável para o mundo. Na Europa Medieval, esse predomínio foi pela igreja Católica. Tal predomínio da fé, de certo modo, e segundo os humanistas renascentistas, asfixiava as tentativas de explicações mais especulativas e racionais (científicas) sobre a sociedade. Não cumprir uma regra ou lei estabelecida pela sociedade, poderia ser entendido como um pecado, tamanha era a mistura entre a vida cotidiana e a esfera sobrenatural.<br />
É claro que se olharmos a Idade Média somente pela ótica dos renascentistas ela pode ficar com uma “cara meio tenebrosa”. Na verdade, ela também foi um período muito rico para a história da humanidade, importante, inclusive, para a formação da nossa casa, o mundo ocidental. Vale a pena conhecermos um pouco mais sobre essa história. E, na continuidade da história...<br />
Tudo caminhava para o uso da razão O predomínio da fé durou até pelo menos o século XV. Mas já no século XIV começava a acontecer uma renovação cultural. Era o início do período conhecido por Renascimento.<br />
Os renascentistas, com base naquilo que os gregos começaram, isto é, a questionar o mundo de maneira reflexiva (como já contamos anteriormente),<br />
rejeitavam tudo aquilo que seria parte da cultura medieval, presa aos moldes da igreja, no caso, a Católica. O renascimento espalhou-se por muitas partes da Europa e influenciava a arte, a ciência, a literatura e a filosofia, defendendo, sempre, o espírito crítico. Nesse tempo, começaram a aparecer homens que, de forma mais realista, começavam a investigar a sociedade. A exemplo disso temos Nicolau Maquiavel (1469-1527) que, em sua obra intitulada de O Príncipe, faz uma espécie de manual de guerra para Lorenzode Médici. Ali comenta como o governante pode manipular os meios<br />
para a finalidade de conquistar e manter o poder em suas mãos.<br />
Obras como esta davam um novo olhar para a sociedade, o olhar<br />
de que pela razão os homens poderiam dominar a sociedade, longe<br />
das influências divinas.<br />
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Era a doutrina do antropocentrismo ganhando força. O homem<br />
passava a ser visto como o centro de tudo, inclusive do poder de inventar<br />
e transformar o mundo pelas suas ações.<br />
Além de Maquiavel, outros autores renascentistas, como Francis Bacon<br />
(1561-1626), filósofo e criador do método científico conhecido por<br />
experimental, ajudavam a dar impulso aos tempos de domínio da ciência<br />
que se iniciavam.<br />
Não perdendo de vista...<br />
Estamos contando tudo isso para que você perceba que nem sempre as pessoas puderam contar com a ciência para entender o mundo, sobretudo o social, que é o queremos compreender. Dessa maneira, muitas pessoas, no passado, ficaram “presas” às explicações que poderiam ser falsas sobre a realidade, como é o caso das explicações míticas.<br />
<br />
O Iluminismo<br />
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Já no século XVIII, houve um momento, na Europa, chamado de Iluminismo, que começou na Inglaterra e França, mas que posteriormente espalhou-se por todo o continente, em que a idéia de se valorizar a ciência e a racionalidade sobre a vida da sociedade tornou-se ainda mais forte.<br />
Uma característica das idéias do Iluminismo era o combate ao Estado absoluto, ou absolutismo, que começou a surgir na Europa ainda no final da Idade Média, no século XV, em que o rei concentrava todo o poder em suas mãos e governava sendo considerado um representante divino na terra, uma voz de Deus, a qual até a igreja, não raramente, se sujeitava.<br />
Com a ciência ganhando força, era, digamos, inviável o fato de voltar<br />
a pensar a vida e a organização social por vias que não fossem científicas.<br />
Como por exemplo, imaginar os governantes como sendo representantes<br />
sobrenaturais. Nesse período, a continuada consolidação da reflexão sistemática sobre a sociedade foi ajudada por autores como Voltaire (1694-1778), filósofo que defendia a razão e combatia o fanatismo religioso; Jean- Jacques Rousseau (1712-1778), que estudou sobre as causas das desigualdades sociais e defendia a democracia; Montesquieu (1689-1755),<br />
que criticava o absolutismo, e defendia a criação de poderes separados<br />
(legislativo, judiciários e executivo), os quais dariam maior equilíbrio<br />
ao Estado, uma vez que não haveria centralidade de poder na mão do governante.<br />
Portanto, com a contribuição Iluminista...<br />
A partir das teorias sobre a sociedade que no período Iluminista surgiram, é que começa a ser impulsionada, ou preparada, a idéia da existência de uma ciência que pudesse ajudar a interpretar os movimentos da própria sociedade.<br />
<br />
CONSOLIDAÇÃO DO CAPITALISMO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL!<br />
Estamos mudando de assunto?<br />
Mudando em parte, porém não estamos deixando de falar do surgimento<br />
da Sociologia. Há outros elementos que a motivaram surgir.<br />
As transformações na sociedade européia não estavam ocorrendo somente no campo das idéias, como era o caso da consolidação da ciência como ferramenta de interpretação do mundo, que vimos até aqui.<br />
A também consolidação do sistema capitalista, culminada pela Revolução<br />
Industrial que ocorreu em meados do século XVIII, na Inglaterra, gerava grandes alterações no estilo de vida das pessoas, sobretudo nas das que viviam no campo ou do artesanato. Estes temas despertavam o interesse de críticos da época.<br />
Dessa maneira, quando a Sociologia iniciou os seus trabalhos, ela o fez com base em pensadores que viram os problemas sociais ocasionados a partir da crise gerada pelos fatos acima mencionados.<br />
Acompanhe:<br />
Recorrendo à História para entendermos...<br />
Podemos dizer que o início do sistema capitalista se deu na chamada Baixa Idade Média, entre os séculos IX e XV, na Europa Ocidental.<br />
A partir do século XI, com as “cruzadas” realizadas pela Igreja Católica,<br />
para conquistar Jerusalém que estava dominada pelos muçulmanos, um canal de circulação de riquezas na Europa foi aberto. O contato cultural e o comércio do ocidente com o oriente europeu foram retomados via Mar Mediterrâneo. Com a movimentação de pessoas e riquezas houve, na Europa Ocidental, o surgimento de núcleos urbanos, conhecidos por burgos. Destes, ressurgiram as cidades, pois existiam poucas naquele tempo. As chamadas corporações de ofício, que eram uma espécie de associação que organizava as atividades artesanais para ter acordo entre os preços de venda e qualidade do produto, por exemplo, começaram a aparecer a fim de regular o trabalho dos artesões que vinham para as cidades exercer sua profissão. Aqui vemos que a idéia do lucro se fortalecia.<br />
<br />
Mais tarde, os europeus...<br />
...começaram a explorar o comércio em termos mundiais, principalmente<br />
depois dos séculos XV e XVI e das chamadas Grandes Navegações. Por exemplo, com o descobrimento da América, muita riqueza daqui era levada à Europa para a criação de mercadorias que seriam vendidas nesse mercado mundial que estava surgindo. A idéia de uma produção em série de mercadorias começava a surgir.<br />
As antigas corporações de ofícios foram transformadas pelos comerciantes<br />
da época em manufatura. O trabalho manufatureiro acontecia com vários artesãos, em locais separados e dirigidos por um comerciante que dava a eles a matéria-prima e as ferramentas. No final do trabalho encomendado, os artesões recebiam um pagamento acertado com o comerciante.<br />
Mais à frente ainda, os comerciantes (futuros empresários capitalistas)<br />
pensaram que seria melhor reunir todos esses artesãos num só lugar, pois assim poderiam ver o que eles estavam produzindo. Além de cuidar da qualidade do produto, o controle sobre a matéria-prima e ritmo da produção poderia ser maior. Foi então que surgiu a idéia da fábrica...<br />
Um lugar com uma produção mais organizada, com a divisão de funções, onde o artesão passava a operar apenas parte da produção. Desse ponto, para a implantação das máquinas movidas a vapor, restava<br />
somente o tempo da invenção das mesmas. Quando o inventor escocês James Watt (1736-1819) conseguiu patentear a máquina a vapor, em abril de 1784, ela veio dar grande impulso à industrialização que se instalava, aumentando a produção, diminuindo os gastos com mão-de-obra e aumentando o acúmulo de capital.<br />
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Veja o quadro que se montava...<br />
O sistema feudal da Europa Ocidental, estava sendo superado. Ele não conseguiria suprir as necessidades dos novos mercados que se abriam. O sistema capitalista, com base na propriedade privada e no lucro, isto é, na acumulação de capital, estava sendo consolidado.<br />
A partir da Revolução Industrial (século XVIII), as cidades da Europa<br />
Ocidental começavam a se transformar em grandes centros urbanos comerciais e, posteriormente, industriais. Muitas delas “inchadas” por desempregados. O estilo de vida das pessoas estava se transformando – para alguns de forma violenta e radical – como era o caso de muitos camponeses que eram expulsos pelos senhores das terras que as cercavam para criar ovelhas e fornecer lã às fábricas de tecidos.<br />
Já no caso dos artesãos, esses “perdiam” sua qualificação profissional e o controle sobre o que produziam, ou seja, de profissionais, passavam a “não ter profissão”, pois a indústria era quem ditava que tipo de profissional precisava ser. Não importava se fossem grandes artesãos, só precisariam aprender a operar a máquina da fábrica. Se fosse Hoje, usaríamos o termo aprender a “apertar botões”. Dessa maneira, como não tinham capital para ter uma produção autônoma e competir com a fábrica, submetiam-se ao trabalho assalariado.<br />
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Sistema feudal:<br />
Sistema social que existiu durante a Idade Média. Com o<br />
desaparecimento das cidades, o comércio também desaparecia.<br />
As bases econômicas se centraram no campo, nos feudos. Os feudos eram<br />
grandes áreas de terras pertencentes a um senhor. Dentro deles havia as colônias de servos que lavravam a terra. Parte da produção era destinada<br />
ao senhor da terra, e parte era para os servos.<br />
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Novas e grandes invenções estavam sendo realizadas no campo tecnológico, como as próprias máquinas a vapor das indústrias. O comércio mundial estava aumentando cada vez mais. O mundo estava “encolhendo”, em termos de fronteiras comerciais e ficando “europeizado”. E em meio a isto, duas classes distintas emergiam: a composta pelos empresários e banqueiros, chamada de classe burguesa, e a classe assalariada, ou proletária.<br />
A classe burguesa é aquela que ao longo do tempo veio acumulando<br />
capital com o comércio e reteve os meios de produção em suas mãos, isto é, as ferramentas, os equipamentos fabris, o espaço da fábrica, etc., bem como o poder político. Já a classe proletária, sem capital e expropriada dos meios de produção, tornava-se fornecedora de mão-de-obra aos donos das fábricas.<br />
Agora perceba comigo:<br />
É em meio a todas essas transformações que ocorriam na Europa Ocidental, isto é, pela consolidação do sistema capitalista, a valorização da ciência contrapondo as explicações míticas sobre o mundo, a abertura de mercados mundiais, o surgimento de novas classes na sociedade e a crise da classe proletária versus enriquecimento da classe burguesa, é que a Sociologia começa a ser pensada como sendo uma ciência para dar respostas mais elaboradas sobre o caos social. A Sociologia e suas teorias, as quais vamos ver a seguir, se constituem ferramentas de reflexão sobre a sociedade industrial e científica que surgia. Vamos ver como elas refletem para entendermos os problemas sociais e ajudar a encontrar soluções para os mesmos.<br />
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Burguesia:<br />
As pessoas que moravam<br />
nos núcleos urbanos (burgos),<br />
eram identificadas como<br />
sendo os burgueses. Mas<br />
com o passar dos tempos,<br />
essa denominação ficou apenas<br />
para os que haviam enriquecido<br />
com o comércio, sobretudo<br />
os comerciantes e<br />
banqueiros<br />
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Referências:<br />
ALVES, Rubem. Filosofia da ciência. São Paulo: Ars Poética, 1996.<br />
AZEVED , Fernando de. Princípios de Sociologia: pequena introdução ao estudo<br />
da sociologia geral. 11ª ed. – São Paulo: Duas Cidades, 1973.<br />
CASTRO, Ana Maria de, DIAS, Edmundo Fernandes. Contexto histórico do<br />
aparecimento da sociologia. In.: Introdução ao pensamento sociológico. São<br />
Paulo: Centauro, 2001.<br />
CHAUI, Marilena de Souza. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980.<br />
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Martins Fontes, 1990.<br />
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Bertrand<br />
Brasil, 1994.<br />
MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. O manifesto do partido comunista. Rio de Janeiro:<br />
Paz e Terra, 1998.Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-78643845333030722052009-07-20T08:09:00.000-07:002009-07-20T08:19:04.212-07:00A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICOPrezado aluno iniciaremos os nossos estudos de Sociologia fazendo<br />uma análise do contexto sócio-histórico que propiciou o seu surgimento e, a<br />partir daí, poderemos entender melhor o seu conceito e o seu objeto de<br />estudo.<br />OBJETIVO DA UNIDADE:<br />• Analisar as condições sócio-históricas que favoreceram o<br />surgimento da Sociologia como ciência, identificando seu objeto<br />de estudo e comparando as diferentes posturas paradigmáticas<br />neste contexto, a fim de que possa participar do processo social<br />conscientemente.<br />PLANO DA UNIDADE:<br />• O contexto sócio-histórico e intelectual do surgimento da<br />Sociologia.<br />• A crise do Feudalismo.<br />• A formação dos Estados-Nacionais.<br />• O Mercantilismo e a expansão comercial ultramarina.<br />• A Sociologia se estabelece como Ciência.<br />Bem-vindo à primeira unidade de estudo.<br />Sucesso!<br />UNIDADE 1 - A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO<br />O CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO E INTELECTUAL DO SURGIMENTO DA<br />SOCIOLOGIA<br />O surgimento da Sociologia pode ser identificado no bojo de um amplo<br />processo histórico que tem início na transição feudal-capitalista, quando se<br />dá a desagregação da sociedade feudal no<br />século XV e vai até o período das revoluções<br />burguesas - revolução industrial inglesa e a<br />revolução francesa no século XVIII, marcando<br />a consolidação da sociedade capitalista.<br />Respondendo a essas indagações,<br />estaremos com os nossos estudos bem<br />encaminhados... Sendo assim, vamos em<br />frente!<br />A CRISE DO FEUDALISMO<br />Caminharemos juntos nesta etapa, visando entender que, para que a<br />nova ordem pudesse ganhar espaço, o Feudalismo teria que extinguir todas<br />as suas possibilidades de reprodução.<br />A partir dos séculos XV e XVI podemos observar que grandes<br />transformações ocorreram na Europa e, conseqüentemente, no mundo todo.<br />Esses acontecimentos desestruturaram o<br />sistema feudal existente e deram origem a<br />um novo sistema – o capitalismo. A grande<br />crise do feudalismo desenvolveu-se na<br />Europa Ocidental no século XIV, atingindo<br />indiscriminadamente campo e cidade,<br />disseminando a fome, epidemias e as<br />guerras, podendo ser explicada por um<br />conjunto de fatores que trouxe, como<br />conseqüência, a superação do sistema<br />feudal.<br />A economia medieval encontrava-se em<br />crise face à baixa produtividade agrícola,<br />ocasionada pelo esgotamento dos solos - utilização inadequada de técnicas<br />agrícolas predatórias - o que projetava um declínio na produção de alimentos,<br />gerando a fome e, conseqüentemente, as epidemias.<br />Em meados do século XIV, os comerciantes genoveses trouxeram da<br />região do Mar Negro uma epidemia que, no espaço de dois anos, espalhou a<br />morte por toda a Europa, atingindo homens e mulheres adultos e crianças<br />de todos os segmentos sociais, sendo conhecida como Peste Negra – um<br />castigo de Deus.<br />A crise se agravou na medida em que os senhores feudais viram seus<br />rendimentos declinarem devido à falta de trabalhadores e ao despovoamento<br />dos campos.<br />Capitalismo: sistema<br />social baseado no capital, no<br />dinheiro.<br />SOCIOLOGIA APLICADA<br />A mortalidade trazida pela fome e a peste<br />negra foi ainda ampliada pela longa Guerra<br />dos Cem Anos (1337/1453), desencadeada<br />pela disputa das regiões de Bordéus e<br />Flandres, entre França e Inglaterra.<br />A conjuntura de epidemias, de aumento<br />brutal da mortalidade e de superexploração<br />camponesa que caracterizou a Europa do<br />século XIV trazendo a crise, foi sendo superada<br />no decorrer do século XV, com a retomada do<br />crescimento populacional, agrícola e comercial.<br />FORMAÇÃO DOS ESTADOS-NACIONAIS<br />Para acompanharmos as transformações em curso, é fundamental<br />concentrarmos-nos na aliança entre a burguesia e o rei, que resulta na formação<br />dos Estados-Nacionais, verificando-se a consolidação territorial a partir de<br />práticas políticas absolutistas, com o fortalecimento do poder e autoridade<br />dos reis.<br />Essa nova forma de organização política atendia aos interesses tanto<br />da nobreza quanto da burguesia. Os nobres, apesar de sua crescente<br />dependência frente aos reis e da perda de autonomia, tiveram assegurados<br />os seus privilégios feudais sobre os camponeses, mantendo suas terras e os<br />seus títulos nobiliárquicos, além de cargos administrativos, pensões e chefias<br />de regimentos militares.<br />Os burgueses procuraram aliar-se aos reis, financiando-os com recursos<br />para a manutenção de exércitos profissionais permanentes, necessários à<br />manutenção da ordem e do poder. Além disso, a centralização política e<br />administrativa trouxe a gradual unificação de impostos, leis, moedas, pesos,<br />medidas e alfândegas em cada país, beneficiando o comércio e a burguesia.<br />Os Estados-Nacionais, formados a partir de fins do século XIV em<br />Portugal e durante o século XV na França, Espanha e Inglaterra, evoluíram no<br />sentido do Absolutismo monárquico. Sistema político o qual o rei detém o poder<br />total, cabendo-lhe o direito de impor leis e obediência aos súditos. Mesmo as<br />regiões que permaneceram divididas em pequenos reinos e cidades, como a<br />Itália e a Alemanha, a tendência foi para o<br />fortalecimento do poder político dos<br />governantes locais.<br />MERCANTILISMO E A EXPANSÃO<br />COMERCIAL ULTRAMARINA<br />Veremos agora como os europeus –<br />pioneiramente Espanha e Portugal - chegam<br />a regiões nunca antes alcançadas e quais<br />os seus verdadeiros interesses. A expansão<br />territorial implementada pela política<br />UNIDADE 1 - A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO<br />mercantilista resultou na conquista e exploração de novos territórios<br />denominados “colônias” e estas passando a cumprir o papel de<br />complementaridade da economia da metrópole, constituindo-se em fontes<br />geradoras de riquezas dos países europeus. Através do “Pacto Colonial”,<br />ficava assegurada a exclusividade das transações mercantis estabelecidas<br />entre as metrópoles e suas respectivas colônias, numa relação também<br />conhecida como monopólio comercial.<br />Dentre as características do Mercantilismo, podemos identificar:<br />• expansão marítima comercial e a conquista de novos mercados<br />fornecedores de matérias-primas e mão-de-obra;<br />• busca incessante do lucro, através da manutenção de uma<br />balança comercial de superávit, ou seja, exportar sempre mais<br />do que importar;<br />• idéia metalista – nível de riqueza de um país medido pelo<br />montante de ouro e prata acumulado em seu tesouro nacional;<br />• absolutismo monárquico – poder político centralizado em torno<br />do rei que constituía-se na autoridade maior do sistema, com o<br />Estado controlando a política econômica em favor dos interesses<br />burgueses.<br />As práticas mercantilistas impulsionaram o crescimento do capitalismo<br />comercial dando origem à acumulação primitiva de capitais, pré-condição<br />necessária ao desenvolvimento do próprio capitalismo.<br />Secularização<br />É importante agora, percebermos as mudanças do<br />entendimento do homem sobre si mesmo e o mundo. Na transição<br />feudal-capitalista surge um novo homem, principalmente nos<br />centros urbanos, mais crítico e sensível, representando um<br />pensamento antropocêntrico – o homem como o centro de<br />todas as coisas e racionalista – crença ilimitada na capacidade<br />da razão em dar conta do mundo - movimento resgatado da<br />antiguidade greco-romana, que chocava-se com a postura<br />teocêntrica e dogmática, definida pelo poder clerical na Idade<br />Média.<br />Desenvolve-se, então, uma nova forma de entender a<br />realidade, isto é, a razão passou a ser considerada o elemento<br />principal de interpretação dos fatos. O homem constrói uma concepção<br />anticlerical apoiada em bases de liberdade, que não precisava se submeter<br />à autoridade divina imposta pela Igreja Católica.<br />Renascimento<br />O Renascimento foi um movimento intelectual que marcou a cultura<br />européia entre os séculos XIV e XVI, originário da Itália e irradiado por toda<br />a Europa.<br />SOCIOLOGIA APLICADA<br />Está associado ao humanismo e fudamentado nos conceitos da<br />civilização da antiguidade clássica, numa demonstração de<br />menosprezo pela Idade Média, considerada como “noite de mil anos”<br />ou “escuridão”.<br />O Renascimento representou uma nova visão de mundo que<br />atendia plenamente aos interesses da burguesia em ascensão. Suas<br />principais características eram o racionalismo, crença na razão como<br />forma explicativa do mundo em oposição à fé; o antropocentrismo,<br />colocando o homem no centro de todas as coisas, em oposição ao<br />teocentrismo e o individualismo, em oposição ao coletivismo cristão.<br />O Humanismo pregava a pesquisa, a crítica e a observação, em<br />oposição ao princípio da autoridade.<br />A explicação da origem italiana do Renascimento e do<br />Humanismo, se dá em função da riqueza das cidades italianas, da<br />presença de sábios bizantinos, da herança clássica da Antiga Roma<br />e da difusão do mecenato. A invenção da Imprensa contribuiu muito<br />para a divulgação das novas idéias.<br />Fases do Renascimento<br />O Renascimento pode ser dividido em três grandes fases,<br />correspondentes aos séculos XIV, XV e o XVI.<br />Trecento - século XIV - manifesta-se predominantemente na Itália, mais<br />especificamente na cidade de Florença, pólo político, econômico e cultural da<br />região. Giotto, Boccaccio e Petrarca estão entre seus representantes. Suas<br />características gerais são o rompimento com o imobilismo e a hierarquia da<br />pintura medieval - valorização do individualismo e dos detalhes humanos;<br />Quatrocento - século XV - o Renascimento espalha-se pela península<br />itálica, atingindo seu auge. Neste período atuam Botticelli, Leonardo da Vinci,<br />Rafael e, no seu final, Michelangelo, considerados os três últimos o “trio<br />sagrado” da Renascença. As características gerais do período são: inspiração<br />greco-romana (paganismo e línguas clássicas), racionalismo e<br />experimentalismo;<br />Cinquecento – século XVI - o Renascimento torna-se neste século um<br />movimento universal europeu, tendo, no entanto, iniciado sua decadência.<br />Ocorrem as primeiras manifestações maneiristas e a Contra-reforma instaura<br />o Barroco como estilo oficial da Igreja Católica. Na literatura atuaram Ludovico<br />Ariosto, Torquato Tasso e Nicolau Maquiavel, já na pintura eram Rafael e<br />Michelangelo.<br />O Iluminismo<br />O Iluminismo foi o movimento intelectual desenvolvido na França no século<br />XVII e teve o seu apogeu durante o século XVIII - o chamado “Século das<br />Luzes”, que enfatizava o domínio da razão e da ciência como formas de<br />explicação para todas as coisas do universo, substituindo as crenças religiosas<br />e o misticismo que bloqueavam a evolução do homem desde a Idade Média.<br />UNIDADE 1 - A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO<br />Para os filósofos iluministas, o homem era naturalmente bom, porém<br />era corrompido pela sociedade com o passar do tempo. Eles acreditavam que<br />se todos fizessem parte de uma sociedade justa, com direitos iguais para<br />todos, a felicidade comum seria alcançada. Por esta razão, eles eram contra<br />as imposições de caráter religioso, contra as práticas mercantilistas, contrários<br />ao absolutismo do rei, além dos privilégios dados à nobreza e ao clero.<br />O Iluminismo foi mais intenso na França onde influenciou a Revolução<br />Francesa, assim como na Inglaterra e em diversos países da Europa onde a<br />força dos protestantes era maior, chegando a ter repercussões, mesmo em<br />alguns países católicos.<br />Podemos dizer que, de certo modo, este movimento é herdeiro da<br />tradição do Renascimento e do Humanismo por defender a valorização do<br />Homem e da Razão, contribuindo também para o avanço do capitalismo e<br />da sociedade moderna na medida em que disseminava os ideais de uma<br />sociedade “livre”, com possibilidades de transição de classes e mais<br />oportunidades iguais para todos.<br />Economicamente, o Iluminismo identificava que era da terra e da<br />natureza que deveriam ser extraídas as riquezas dos países. Segundo Adam<br />Smith, cada indivíduo deveria procurar lucro próprio sem escrúpulos o que,<br />em sua visão, geraria um bem-estar geral na civilização.<br />Os principais filósofos do Iluminismo foram: John Locke (1632-1704),<br />ele acreditava que o homem adquiria conhecimento com o passar do tempo<br />através do empirismo; Voltaire (1694-1778), ele defendia a liberdade de<br />pensamento e não poupava crítica à intolerância religiosa; Jean-Jacques<br />Rousseau (1712-1778), ele defendia a idéia de um estado democrático que<br />garantia igualdade para todos; Montesquieu (1689-1755), ele defendeu a<br />divisão do poder político em Legislativo, Executivo e Judiciário; Denis Diderot<br />(1713-1784) e Jean Le Rond d´Alembert (1717-1783), juntos organizaram<br />uma enciclopédia que reunia conhecimentos e pensamentos filosóficos da<br />época.<br />O outro lado da moeda<br />Estas transformações foram acompanhadas, nos séculos XVII e XVIII,<br />por mudanças políticas, tais como: a Revolução Inglesa, a Revolução<br />SOCIOLOGIA APLICADA<br />Americana e a Revolução Francesa, que introduziram grandes alterações<br />nessas sociedades e influenciaram a mudança de outras no mundo a fora.<br />Você pode observar que a sociedade que antes tinha suas bases na<br />produção da terra passa a ter suas bases na produção industrial e trouxe<br />consigo uma nova forma de trabalho, que é o trabalho assalariado. Este<br />também trouxe novas formas de relações entre as pessoas e de<br />representatividade nos governos.<br />Tudo mudava. Aquela sociedade tradicional que antes existia estava<br />completamente transformada precisando se organizar para atender às novas<br />necessidades.<br />Revolução Industrial Inglesa<br />Agora, iremos pesquisar a revolução que alterou a relação entre os<br />homens, configurando as formas do mundo contemporâneo.<br />No decorrer do século XVIII, a Europa Ocidental passou por uma grande<br />transformação no setor da produção, em decorrência dos avanços das<br />técnicas de cultivo e da mecanização das fábricas, a qual se deu o nome de<br />Revolução Industrial. A invenção e o aperfeiçoamento das máquinas<br />permitiram o aumento vertiginoso da produtividade, resultando na diminuição<br />dos preços dos produtos e o crescimento do consumo e dos lucros.<br />Esse momento revolucionário de passagem da energia humana,<br />hidráulica e animal para motriz, é o ponto culminante de uma revolução<br />tecnológica, social e econômica, cujas origens podem ser encontradas nos<br />séculos XVI e XVII, com a política de incentivo ao comércio, adotada pelos<br />Estados-Nacionais e a adoção da política mercantilista. A acumulação de<br />capitais nas mãos dos comerciantes burgueses e a abertura dos mercados<br />proporcionada pela expansão marítima estimularam o crescimento da<br />produção, exigindo mais mercadorias e preços menores. Gradualmente,<br />passou-se do artesanato disperso para a produção em oficinas e destas<br />para a produção mecanizada nas fábricas.<br />Para Karl Marx, a Revolução Industrial integra o conjunto das<br />chamadas “Revoluções Burguesas” do século XVIII, responsáveis pela crise<br />do Antigo Regime na passagem do capitalismo comercial para o industrial.<br />Os outros dois movimentos que a acompanham são a Independência dos<br />Estados Unidos e a Revolução Francesa que, sob influência dos princípios<br />iluministas, assinalam a transição da Idade Moderna para a Idade<br />Contemporânea.<br />A Inglaterra foi o país pioneiro da industrialização, sendo que alguns<br />fatores contribuíram para isso:<br />• o principal deles foi a aplicação de uma política econômica liberal<br />em meados do século XVIII, liberalizando a indústria e o<br />comércio o que acarretou um enorme progresso tecnológico e<br />aumento da produtividade em um curto espaço de tempo;<br />UNIDADE 1 - A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO<br />• a Lei de Cercamento dos Campos, denominados “enclouseres”<br />marcou o fim do uso comum das terras, expulsando o homem<br />do campo e gerando o “trabalhador livre”. Na medida em que<br />não tinham mais condições de vida no meio rural, partiam para<br />as cidades, gerando forte concentração de mão-de-obra urbana,<br />o que favorecia às indústrias;<br />• a Inglaterra possuía grandes reservas de carvão mineral em<br />seu subsolo, a principal fonte de energia para movimentar as<br />máquinas e as locomotivas a vapor. Possuíam também<br />consideráveis reservas de minério de ferro, principal matériaprima<br />utilizada neste período.<br />• a burguesia inglesa tinha capital suficiente para financiar as<br />fábricas, comprar matéria-prima, máquinas e contratar<br />empregados por causa da grande taxa de poupança que existia<br />na época;<br />• a agricultura inglesa desenvolveu-se com a difusão de novas<br />técnicas e instrumentos de cultivo.<br />A mecanização da produção criou o proletariado rural e urbano,<br />composto de homens, mulheres e crianças, submetido a jornadas de trabalho<br />diárias, extensivas e intensivas, de mais de 16 horas no campo ou nas fábricas.<br />Com a Revolução Industrial, consolida-se o sistema capitalista baseado<br />em duas classes fundamentais: a burguesia detentora do capital e o<br />proletariado, que nada possuíam a não ser a sua força de trabalho, que<br />vendiam aos capitalistas em troca de um salário.<br />O capital apresenta-se sob a forma de terras, dinheiro, lojas, máquinas<br />ou crédito. O agricultor, o comerciante, o industrial e o banqueiro, donos do<br />capital, controlam o processo de produção, contratam ou demitem os<br />trabalhadores, conforme seus interesses.<br />As formas de transformação de matérias-primas em produtos são:<br />trabalho artesanal – é a forma mais primitiva de trabalho, dominada<br />pelo homem há milhares de anos. O trabalho era manual, sem a utilização<br />de máquinas e o artesão realizava sozinho todas as etapas da produção,<br />desde o preparo da matéria-prima até o acabamento final dos produtos,<br />não havendo divisão do trabalho. O artesão era dono dos meios de produção<br />- oficina e ferramentas simples - possuindo também o produto final de seu<br />trabalho.<br />trabalho manufaturado – estágio intermediário entre o artesanato e a<br />indústria. Neste processo, podemos observar o uso de máquinas simples e<br />a divisão social do trabalho (especialização do trabalhador) com cada<br />trabalhador ou grupo de trabalhadores, realizando uma etapa para a obtenção<br />do produto final. Na manufatura, já encontramos a figura do capitalista com<br />interferência direta no processo produtivo, passando a comprar a matériaprima<br />e a determinar o ritmo de produção.<br />indústria moderna – com a mecanização da produção introduzida pela<br />Revolução Industrial, os trabalhadores perdem o controle do processo<br />SOCIOLOGIA APLICADA<br />produtivo, passando a trabalhar para um patrão – burguês - na condição de<br />operários – empregados assalariados. Esses trabalhadores passam a<br />manejar máquinas que pertencem agora ao empresário, dono dos meios de<br />produção e para o qual se destina o lucro, sendo que a matéria-prima e o<br />produto final não mais lhes pertencem.<br />Temos como etapas da industrialização, os seguintes períodos:<br />Primeira Revolução Industrial – desenvolvida entre meados do século<br />XVIII até as últimas décadas do século XIX, com a predominância do trabalho<br />intensivo com jornadas de trabalho de até 16 horas por dia, com baixa<br />remuneração do operariado. Utilização de máquinas à vapor nas indústrias<br />têxteis, sendo que a grande fonte de energia era o carvão mineral.<br />Segunda Revolução Industrial – compreendida entre as últimas décadas<br />do século XIX até o final da década de 1970 – século XX. A jornada de trabalho<br />cai para 8 horas diárias e passa a ser regulamentada por leis trabalhistas, a<br />partir dos avanços sociais relativos ao processo histórico de cada país. O<br />petróleo vai substituindo o carvão até se constituir na principal fonte de<br />energia e a indústria automobilística como maior atividade produtiva.<br />Terceira Revolução Industrial – conhecida também como Revolução<br />Técnico-Científica, tem início a apartir da segunda metade da década de 1970,<br />sendo caracterizada pelo avanço do conhecimento e tecnologia avançada.<br />As jornadas de trabalho são mantidas em 8 horas diárias. Os setores de<br />ponta são a informática, a robótica, as telecomunicações, a química fina e a<br />biotecnologia. Neste período, temos uma diversificação quanto às fontes de<br />energia – hidrogênio, energia solar, etc.<br />A Revolução Industrial favoreceu também o desenvolvimento dos<br />transportes. Logo vieram a locomotiva e a navegação a vapor, o que fez com<br />que houvesse uma redução nos custos dos fretes, baixando os preços dos<br />produtos e aumentando o consumo.<br />Com a Revolução Industrial, a Inglaterra se transformou no maior<br />produtor e exportador de produtos manufaturados e a população dos centros<br />urbanos cresceu assustadoramente. Não podemos esquecer de que havia<br />nesse país matérias-primas indispensáveis para o funcionamento e a<br />construção dessas máquinas – carvão e ferro.<br />E, então, você já pode imaginar o que foi acontecendo: a burguesia<br />investiu na inovação tecnológica e as máquinas foram cada vez mais se<br />aprimorando e aumentando a produção que se expandia por todo o mundo,<br />estabelecendo laços de dependência entre as nações.<br />O trabalho assalariado que substitui o trabalho artesanal ganha força<br />utilizando-se fortemente da mão-de-obra feminina e infantil e a energia a<br />vapor cresce em lugar da energia humana.<br />Revolução Francesa<br />A Revolução Francesa é um importante marco histórico da transição do<br />feudalismo para o capitalismo, inaugurando um novo modelo de sociedade<br />baseada na economia de mercado.<br />UNIDADE 1 - A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO<br />A Revolução Francesa significou o colapso das instituições feudais do<br />Antigo Regime e o fim da monarquia absoluta na França. Ao mesmo tempo,<br />propiciou a ascensão da burguesia ao poder político, fortalecendo as condições<br />essenciais para a consolidação do capitalismo.<br />Movimento político de extrema relevância para o continente europeu e<br />para o Ocidente, a Revolução Francesa teve início em 1789 e se prolongou<br />até 1815. Sofreu grande influência dos ideais do Iluminismo, baseando-se<br />no direito à liberdade, à igualdade e à fraternidade e nos princípios<br />democráticos e liberais da Independência Americana(1776).<br />O êxito do processo revolucionário francês, encerrando os privilégios<br />da nobreza e do clero, serviu de motivação para novos movimentos em<br />direção ao igualitarismo em outras partes da Europa.<br />A Revolução Francesa pode ser subdividida em quatro grandes<br />períodos: a Assembléia Constituinte, a Assembléia Legislativa, a Convenção<br />e o Directório.<br />Causas da Revolução<br />A Revolução Francesa foi resultado de uma conjugação de fatores<br />sociais, econômicos, políticos e, pelo menos um desses fatores, é apontado,<br />pela maioria dos historiadores, como determinante para o desencadeamento<br />do processo revolucionário. Trata-se do descontentamento do povo com os<br />abusos e privilégios do regime absolutista.<br />A composição social da sociedade francesa, na segunda metade do<br />século XVIII, é marcada por uma rígida hierarquia e estratificação social. A<br />hierarquia social francesa propiciava honras e privilégios em função do<br />nascimento e dividia a população de maneira discriminatória segundo ordens<br />ou estados.<br />De um lado, duas classes – o clero e a nobreza, que juntas usufruíam<br />dos privilégios e da riqueza produzida pela sociedade francesa.<br />O Clero ou 1º Estado composto por importantes membros da Igreja<br />Católica, originário da nobreza, que em 1789 representava 2% da população<br />francesa.<br />A Nobreza ou 2º Estado formado pelo rei e sua família, bem como<br />outros nobres como: condes, duques, marqueses, aproximava-se de 1,5%<br />dos habitantes. Controlava a maior parte das terras, concentrando em suas<br />mãos boa parte de tudo que produziam os camponeses; gozava de inúmeros<br />privilégios e não pagava impostos.<br />Do outro lado, o povo – base da sociedade francesa, que sustentava<br />pelo peso de impostos que pagava, a vida de riqueza e muito luxo dos nobres<br />e do clero.<br />O Povo ou 3º Estado era formado pela burguesia, pelos trabalhadores<br />urbanos (a maioria deles desempregados), artesãos e camponeses - sans<br />cullotes.<br />SOCIOLOGIA APLICADA<br />O desenvolvimento do comércio e da indústria, assim como a conquista<br />de novos mercados na Europa e fora dela, fizeram a burguesia acumular<br />riquezas muito rapidamente. A confortável posição que desfrutava no campo<br />dos negócios, contrastava com a desfavorável condição que a burguesia<br />ocupava na vida política do regime absolutista. Apesar de rica, a estrutura<br />social francesa barrava a ascensão da burguesia, uma vez que os privilégios,<br />honras e títulos estavam reservados somente à nobreza e ao alto clero.<br />Além disso, a má administração das finanças, a cobrança excessiva de<br />impostos e os gastos descontrolados da nobreza eram considerados<br />obstáculos aos interesses burgueses.<br />Os camponeses e os trabalhadores urbanos que representavam a<br />esmagadora maioria da população francesa viviam em precárias condições<br />de vida e de existência, ou seja, em quase absoluta miséria.<br />No campo, embora grande parte dos camponeses fosse livre, somente<br />uma pequena parcela podia manter-se com a produção da terra. A elevada<br />carga de impostos relegou boa parte dos pequenos proprietários a subsistir<br />trabalhando nas propriedades dos grandes senhores ou dedicar-se a<br />produção artesanal.<br />Por outro lado, o progresso industrial não representou para a classe<br />trabalhadora operária uma melhoria das condições de vida e de trabalho. A<br />classe operária convivia com salários muito baixos e com altos níveis de<br />desemprego.<br />O quadro de desigualdade social da sociedade francesa, alimentado<br />pela crise econômico-financeira do Antigo Regime, tornou ainda mais precárias<br />as condições em que viviam os trabalhadores do campo e da cidade.<br />Relegados a condições miseráveis de existência, camponeses e trabalhadores<br />urbanos desejavam novas formas de vida e de trabalho.<br />As origens do processo revolucionário francês de 1789 devem ser<br />buscadas nas contradições dos interesses estabelecidos pelo regime<br />absolutista e as novas forças sociais que estavam em ascensão. Ou seja, os<br />interesses econômicos e políticos da nova e poderosa classe burguesa<br />sufocada por uma organização social aristocrática e decadente fizeram<br />despertar o povo (o terceiro estado), que passou a rejeitar as ordens, as<br />diferenças sociais e as restrições. Diante das promessas igualdade e<br />fraternidade, o povo foi atraído para a causa<br />revolucionária.<br />A SOCIOLOGIA SE ESTABELECE COMO<br />CIÊNCIA<br />Tendo em vista todos estes<br />acontecimentos, Augusto Comte (1798-<br />1857) defende uma proposta para resolver<br />os problemas da sociedade de sua época que<br />viria através da reforma intelectual do homem<br />alcançando a reforma das instituições.<br />Liberalismo: corrente<br />política de pensamento que<br />defende a liberdade do indivíduo<br />frente ao<br />intervencionismo do Estado.<br />UNIDADE 1 - A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO<br />Estas reformas estavam embasadas no Liberalismo que triunfara no<br />século XIX e pregava a liberdade e a igualdade inata entre os homens. Porém,<br />suas reformas estabeleciam a autoridade e a ordem pública contra os abusos<br />do individualismo da Escola Liberal (RIBEIRO JR. 1988:15).<br />A Sociologia nasce como resposta a esse individualismo pregado pela<br />sociedade capitalista e vai assim enfatizar as ações altruístas entre os<br />homens.<br />O positivismo de Comte comparava a sociedade à vida orgânica, cujas<br />partes que a constituem desempenham funções que se orientam para a<br />preservação do todo. Sendo assim, a sociedade não poderia sofrer revoluções<br />violentas e sim se desenvolver harmoniosamente. Repudia o laissez-faire<br />do Liberalismo, pregando o planejamento social.<br />Comte defendia a idéia de que as ciências deveriam atingir a máxima<br />objetividade possível.<br />A influência de Comte foi além da escola francesa, atingindo também<br />os republicanos no Brasil, como podemos observar, o lema na bandeira<br />nacional “Ordem e Progresso”.<br />A especificidade do conhecimento sociológico<br />As ciências se distinguem pelos seus objetos de estudo e pelos seus<br />métodos.<br />E com a Sociologia não vai ser diferente. Se observarmos uma<br />sociedade, veremos que os homens praticam atos que podemos chamar de<br />individuais, tais como: dormir, respirar, caminhar, como também, praticam atos<br />considerados sociais – casar, fazer reuniões, pedir demissão – são situações<br />que só podem ser entendidas através das relações que se estabelecem<br />entre indivíduos ou grupos de indivíduos e que não podem ser entendidas<br />isoladamente. São estes fatos coletivos que interessam à Sociologia, pois<br />suas causas são encontradas não no individual, mas sim na sociedade.<br />É HORA DE SE AVALIAR!<br />Não esqueça de realizar as atividades desta unidade de<br />estudo, presentes no caderno de exercício! Elas irão ajudálo<br />a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no<br />processo de ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija as<br />respostas no caderno e depois as envie através do nosso<br />ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Interaja conosco!<br />Nesta primeira unidade estudamos a formação da Sociologia como<br />conhecimento científico. Na próxima unidade, estudaremos a Sociologia<br />Clássica. Espero você na próxima unidade. Temos muito que estudar!<br />Positivismo: corrente filosófica<br />cujo iniciador foi<br />Augusto Comte. Defendia a<br />ciência acima de tudo.<br />Laissez-faire: expressão<br />francesa que transmite uma<br />das essências do Liberalismo<br />que dizia: deixai - fazer, ou<br />seja, o homem era livre para<br />fazer o que quisesse.<br />Objeto de estudo: aquilo<br />que vai ser estudado pelo cientista.<br /><br />EXERCÍCIOS DE AUTO-AVALIAÇÃO<br />1. A partir da transição feudal-capitalista, surge uma nova postura intelectual<br />do homem, nova forma de ver a realidade e uma nova maneira de interpretar<br />as coisas sagradas, que o colocava numa condição de liberdade, rompendo<br />com a submissão diante da autoridade divina:<br />a) existencialismo;<br />b) positivismo;<br />c) marxismo;<br />d) racionalismo;<br />e) tomismo.<br />2. A Sociologia é a ciência que estuda as ações humanas sob qual perspectiva?<br />a) As ações humanas fora do contexto histórico-social;<br />b) As ações humanas comparativamente às demais espécies animais;<br />c) As ações humanas tomadas isoladamente;<br />d) As ações humanas tomadas em coletividade;<br />e) As ações humanas tomadas em estado de natureza.<br />3. Dentre os pensadores iluministas, destacamos Jean-Jacques Rousseau<br />(1712-1778), que defendia a idéia de:<br />a) procura do lucro individual sem escrúpulos;<br />b) centralização política em torno de um Estado forte;<br />c) intolerância religiosa;<br />d) um estado democrático que garanta igualdade para todos;<br />e) divisão do poder político em Legislativo, Executivo e Judiciário.<br />4. A Crise Geral do Feudalismo do século XIV, só foi superada em função da:<br />a) retomada do crescimento populacional, agrícola e comercial;<br />b) linha de crédito bancária obtida junto aos reis;<br />c) Revolução Industrial Inglesa;<br />d) fatores naturais dada a fé religiosa do povo;<br />e) união entre todos os segmentos sociais em torno do Pacto de Moncloa.<br />5. A produção industrial trouxe consigo uma nova forma de expressão do<br />trabalho:<br />a) servil;<br />b) escravo;<br />c) voluntário;<br />d) assalariado;<br />e) terceirizado.<br />10<br />UNIDADE 1 - A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CONHECIMENTO CIENTÍFICO<br />6. A Revolução Industrial inglesa, utiliza em seus momentos iniciais, que tipos<br />de energia?<br />a) Energia humana e energia eólica;<br />b) Energia humana e energia a vapor;<br />c) Energia humana e energia nuclear;<br />d) Energia humana e energia elétrica;<br />e) Energia humana e energia solar.<br />7. Que tipo de motivação, inserida na lógica do capitalismo, levou a classe<br />burguesa a investir em “inventos”?<br />a) Acompanhar o ritmo de produção da classe trabalhadora;<br />b) Retração da produção para atendimento do mercado interno;<br />c) Atender as exigências dos reis;<br />d) Renovação do parque industrial;<br />e) Racionalização e aumento da produção.<br />8. Com a Revolução Industrial, que tipo de fenômeno populacional se deu<br />na Inglaterra?<br />a) Aumento vertiginoso das populações urbanas;<br />b) Envelhecimento assustador da população adulta;<br />c) Aumento da população feminina, uma vez que o número de óbito entre<br />os homens aumentou em face da exploração desumana do trabalhador;<br />d) Alta na taxa de mortalidade infantil, num processo de contaminação<br />produzida pelas máquinas;<br />e) Aumento da taxa de mortalidade, tanto dos homens quanto das mulheres,<br />em razão de que, as condições de trabalho no sistema capitalista,<br />se apresentavam mais hostis do que as verificadas no sistema<br />feudal.<br />EXERCÍCIOS DE APRENDIZAGEM E FIXAÇÃO<br />1. O que foi o Renascimento e quais as suas principais características?<br />___________________________________________________________<br />___________________________________________________________<br />___________________________________________________________<br />___________________________________________________________<br />___________________________________________________________<br />2. O que foi o “Pacto Colonial” e quais as partes envolvidas neste acordo?<br />___________________________________________________________<br />___________________________________________________________<br />___________________________________________________________<br />___________________________________________________________Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-20119374023231267722009-05-17T10:00:00.000-07:002013-03-30T12:49:42.148-07:00MOVIMENTOS SOCIAIS<i>Valéria Pilão</i><br />
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<strong>MOVIMENTOS<br />
SOCIAIS<br />
Por que há pessoas que teimam<br />
em se organizar e propor mudanças<br />
para a sociedade?<br />
Você já ouviu falar em movimentos<br />
sociais, não é? Afinal, o que são os movimentos<br />
sociais, e mais, qual a importância<br />
deles para nossa vida cotidiana?</strong><br />
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Na história contemporânea temos diversos exemplos de formas<br />
de organizações coletivas, reivindicando as mais diferentes coisas ou<br />
ações caracterizando o que é um movimento social. Como exemplo, citamos o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), o Fórum Social Mundial (FSM), o movimento hippie, movimento feminista, o movimento estudantil, o movimento dos sem-teto, o movimento pela “Tradição, Família e Propriedade” (TFP), os movimentos anti-capitalistas, dentre outros. A lista de movimentos sociais existentes é longa, isso pensando apenas nos séculos XX e XXI.<br />
É pelo significado social e político e, ainda, pela quantidade de movimentos sociais existentes que tal tema é de extrema importância para a Sociologia.<br />
Vamos por partes...<br />
É importante dizer que abordaremos a temática dos movimentos sociais sempre pensando na forma de organização social atual em que vivemos. Portanto, estaremos tratando dos movimentos vinculados ao sistema capitalista. É relevante fazermos tal distinção agora, pois ao longo de toda a História da humanidade, por diversas vezes, os homens tiveram objetivos em comuns, que, por sua vez, os fizeram unir-se. Mas, no entanto, dentro da área de conhecimento da Sociologia, nem sempre estes agrupamentos são tratados como movimentos sociais. Esta diferenciação acontece porque há algumas características dos movimentos sociais existentes no modo de produção capitalista, que não havia nos movimentos presentes na história anteriormente. Por exemplo, o surgimento das cidades, organizadas na forma que conhecemos hoje, desenvolveu-se a partir do século XII, pois estas se organizaram devido às necessidades dos homens da sociedade medieval de realizarem trocas comerciais. Mas, no entanto, sabendo que durante a Idade Média (forma de organização social, existente na história entre os séculos V – XV, na qual a Igreja Católica detinha grande poder de decisão, e tinha sua produção e sociedade organizada nos feudos) a forma de organização social dava-se quase que exclusivamente dentro dos feudos, estas cidades ainda não assumem a importância que as mesmas possuem numa sociedade industrial. Portanto, o modo de vida urbana não fazia parte daquela realidade, impossibilitando encontrar um movimento como, por exemplo, o dos sem-teto.<br />
Com a consolidação do capitalismo a partir do século XVIII, continuou existindo uma separação entre campo e cidade, mas tal distinção não criava um isolamento do campo, ao mesmo tempo em que, o desenvolvimento e o progresso não se restringia à cidade. Em suma, estamos tratando da importância do rural e do urbano para o desenvolvimento capitalista, que cria duas realidades diversas, mas que, no entanto, nunca deixam de estarem vinculadas e apresentando novas necessidades.<br />
Os movimentos sociais são caracterizados por reivindicações que permeiam o interesse de classe do grupo social organizado. Esta é uma outra peculiaridade histórica que só existe no modo de produção capitalista.<br />
Nenhuma forma de organização social até então foi estabelecida por meio do conflito entre duas únicas classes, a saber: a burguesia e o proletariado. Portanto, considerando que o modo de produção capitalista estabeleceu-se com a exploração dos trabalhadores pelos possuidores de capital, todos os movimentos sociais existentes nesta forma de organização social possuem um interesse de classe.<br />
Assim, na sociedade contemporânea, tanto quem vive nas zonas urbanas, como quem vive nas zonas rurais, organizam-se em torno de seus interesses particulares e formam os mais diversos movimentos sociais.<br />
Não negamos a diferença quanto ao ritmo de vida existente para quem mora no campo e para quem vive na cidade; por exemplo: quem mora na cidade sempre se assusta, num primeiro momento, com os horários que as pessoas da zona rural acordam, almoçam e jantam, pois, na maioria das vezes, isso ocorre sempre mais cedo, quando comparada à vida urbana. A comparação contrária também é verdadeira: quem sempre morou no campo fica alucinado com o número de pessoas nas ruas, com a quantidade de carros, de prédios e da corrida contra o tempo de quem vive nas cidades.<br />
Diferenças entre o campo e a cidade existem e, certamente, vão muito além destes dois exemplos acima, mas há também um elemento que une as duas formas de vida aparentemente tão distintas: o fato de que, tanto o homem que vive no campo, como o da cidade, tenha de vender sua força de trabalho para conquistar e obter a sua sobrevivência, pois ambos estão diretamente vinculados à produção capitalista. Sendo assim, os movimentos sociais que se organizam a partir desta realidade social possuem sempre características diversas, mas tendo em comum o fato de possuírem um caráter de classe, e serem organizados pró ou contra algo que seja desnecessário ou necessário à sua sobrevivência.<br />
Os movimentos caracterizam-se por reivindicações diferentes, mas a idéia do movimento social como forma de organização coletiva é extremamente importante neste sistema, pois é a partir deles que se consegue suprir determinadas necessidades dos mais diversos grupos. Assim, não trataremos das associações entre os homens das sociedades pré-capitalistas (formas de organizações sociais existentes antes da vigência do modo de produção capitalista) como movimentos sociais, pois estes não eram caracterizados pelo conflito de classe; e ainda, não tinham uma organização como os movimentos sociais existentes no capitalismo.<br />
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<em><strong>PESQUISA:<br />
Pesquise como o modo de produção capitalista, ao longo do século XX, determinou as formas de trabalho encontradas tanto no campo como na cidade, diferenciando-as, e traçando suas semelhanças.</strong></em><br />
Quando tratamos dos movimentos sociais encontramos diversas características gerais que permeiam a todos eles, uma delas, por exemplo, é o fato de que estes demonstram a possibilidade de atuarem na História de modo à “determinar” como será o seu desenvolvimento. Estamos falando que os indivíduos tornam-se sujeitos históricos quando organizados de forma coletiva e com objetivos em comum, e, portanto, apesar de não terem certezas sobre o futuro do movimento, podem lutar (seja qual for a reivindicação e o projeto) para a inclusão, exclusão ou transformação radical da sociedade.<br />
Esta forma de movimento é muito importante numa sociedade como a que vivemos, pois políticas públicas, tais como: econômicas, sociais, educacionais, trabalhistas, dentre tantas outras, podem ser modificadas, quando indivíduos que isoladamente não possuiriam um grande poder de transformação organizam-se, e com isso, conseguem interferir na sociedade, transformando-a, ou até, mantendo-a de forma a garantir seus interesses.<br />
Podemos citar como exemplo de manifestações sociais que extrapolam a tentativa de reformas e desejam uma transformação social radical da sociedade, a Revolução Cubana, que surge como uma manifestação contrária ao regime ditatorial presente no país, e acaba por culminar num governo socialista, a partir de 1959. Inúmeros exemplos poderiam ser citados para mostrar o homem enquanto sujeito histórico. A partir do momento em que no Brasil tem-se o movimento social dos negros buscando a sua inclusão, umas séries de benefícios foram por este grupo conquistado, como por exemplo: as políticas afirmativas (sobre este assunto ver mais no “Folhas” sobre cultura), isso representa um processo de transformação na organização da sociedade, que para acontecer necessitou que o indivíduo compreendesse seu papel na sociedade como sujeito histórico. Portanto, afirmar que a sociedade é desta ou daquela forma, e que não adianta tentar interferir, pois de nada vai adiantar, é reproduzir um pensamento que na verdade atende aos interesses da classe dominante, já que os movimentos sociais estão presentes na História para demonstrar exatamente o contrário; e que quando os indivíduos organizam-se coletivamente muito da estrutura social pode ser alterada. A princípio, abordaremos este tema de forma mais teórica para melhor definir o que é, quando, como e porque se desenvolvem os movimentos sociais.<br />
Os movimentos sociais apresentam-se ao longo da História de diversas maneiras e por diversos motivos, mas, como já foi afirmado, no modo de produção capitalista, há algumas características em comum a todos eles, por exemplo: em todo movimento social há um princípio norteador.<br />
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O que seria este princípio norteador?<br />
Trata-se de um projeto construído coletivamente, na maioria das vezes buscando a solução de um problema, a transformação de uma situação, ou ainda, o retorno a uma situação anterior, na qual os indivíduos entendem que havia uma melhor condição para suas vidas. O que vai estabelecer o tipo de projeto do movimento social será a condição de classe do mesmo. Isso quer dizer que à medida que uma reivindicação é estabelecida como um projeto, como uma ideologia, esta estará buscando interesses que serão contrários ou não à ordem social estabelecida; por exemplo, no caso do sistema capitalista temos duas classes sociais, a burguesia e a classe trabalhadora. E em torno dessas duas classes é que se estabelecem os interesses dos movimentos sociais.<br />
Para uma melhor compreensão do que está sendo dito acima podemos usar como exemplo as reivindicações do Movimento dos Trabalhadores<br />
Rurais Sem-Terra (MST). Este tem como projeto a realização da reforma agrária que significa o fim dos latifúndios e a possibilidade da existência de pequenas propriedades rurais, nas quais os menos favorecidos, nesta sociedade capitalista, poderiam estabelecer-se de forma a criarem seu sustento através de uma agricultura de subsistência ou organizada em cooperativas.<br />
É importante salientar que a questão da terra no Brasil sempre foi uma das bandeiras dos movimentos sociais, pois em nossa estrutura agrária a concentração de terras e a existência de latifúndios estão presentes desde o início de nossa colonização. Isto porque nossa formação social deu-se em dependência de outros países, consequentemente, nossa produção agrária também.<br />
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Para elucidar o que estamos dizendo, podemos citar desde a criação das Capitanias Hereditárias — cuja produção era destinada ao mercado português; um exemplo disso na atualidade é a produção da soja e da laranja que também é destinado ao mercado internacional.<br />
Assim, temos como característica estruturante em nosso país uma produção em larga escala, dependente das necessidades exteriores, com grandes extensões de terras, produzindo uma pequena variedade de produtos.<br />
Podemos ter uma maior clareza desse processo no Brasil, quando utilizamos algumas informações obtidas a partir dos dados cadastrais do INCRA de 1992, no qual fica claro que a concentração de terra no Brasil só tem aumentado. Conforme podemos observar no gráfico abaixo, desde a década de 1960, vem aumentando a porcentagem de propriedades com mais de 1000 hectares em contrapartida, diminuindo aquelas com menos de 100 hectares. Para facilitar a compreensão da imensidão de terras que estamos tratando, cada 1 hectare equivale a 10.000 m2.<br />
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<strong>Capitanias Hereditárias:<br />
forma inicial da distribuição<br />
das terras brasileiras.<br />
Neste modelo, as terras<br />
eram dadas, pela coroa portuguesa,<br />
para quem tivesse<br />
a possibilidade de investimento<br />
e queria se aventurar<br />
por aqui.</strong><br />
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<strong>ATIVIDADE:<br />
O que aconteceu no período de 1972 a 1978 que acelerou a concentração fundiária brasileira? Isto<br />
ocorreu em todas as regiões? Por quê?<br />
Quais as conseqüências sociais desse processo no campo e nas cidades?</strong><br />
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Essa concentração fundiária causa sérios problemas. Os pequenos produtores não conseguem obter rendimentos significativos, pois lhes falta o essencial – a terra. Considerando que esses produtores são a maioria e que empregam grande parte da força de trabalho do campo, podemos entender muitos fatos, como as precárias condições de vida da maioria da população rural e a venda de terras por parte dos pequenos proprietários para os produtores maiores ou para as grandes empresas.<br />
Em suma, a questão da terra torna-se uma bandeira para os movimentos sociais, pois sua concentração transforma-se em um problema num país de grandes dimensões, e com uma população sem acesso à terra e sem condições de ter acesso àquilo que ela produz.<br />
Quando esta reivindicação é realizada por um agrupamento social organizado, há um interesse de classe sendo defendido. Neste caso específico os que defendem a reforma agrária são contrários à existência dos latifúndios. Temos assim, um conflito de classes e de interesses, no qual a classe que defende a reforma agrária organiza-se como um movimento buscando uma mudança na estrutura fundiária.<br />
Assim sendo, entendemos que uma das características gerais dos movimentos sociais é a condição de classe que o mesmo defende. Um outro exemplo, que poderíamos utilizar para elucidar estas diferentes perspectivas, são os vários movimentos que possuem sua origem na defesa de projetos que não transformam a ordem social vigente, mas sim, defendem a mesma.<br />
Na atualidade, um movimento que pode explicar de maneira clara o que são essas organizações coletivas, que não pensam na organização social de forma a transformá-la e sim de modo a voltar a formas anteriores são os movimentos neonazistas, também conhecidos como skinheads.<br />
Não só no Brasil, mas por todo o mundo ocidental, crescem as manifestações fóbicas a diferentes culturas, nacionalidades e etnias; especificamente aqui há movimentos oriundos da ideologia nazista, que por diversas vezes chegam a matar indivíduos que se vestem ou comportam-se diferentemente do que eles assumem como o correto.<br />
Há um grupo no estado de São Paulo chamado “Carecas do ABC”, cuja atividade coletiva chegou ao extremo de jogarem um garoto pela janela do trem, pois o mesmo era punk. As manifestações homofóbicas também estão presentes, o preconceito contra o negro é outra característica que permeia estes movimentos. Na cidade de Curitiba, capital do estado do Paraná, recentemente (set/2005) um grupo pregando “o orgulho branco” agrediu um negro na região denominada setor histórico. Suas atitudes não pararam por aí, panfletos cujo conteúdo propunha o preconceito ao homossexual e ao negro foram afixados nos postes do local.<br />
<br />
<br />
Ainda temos um terceiro tipo de movimento social que não só luta pela transformação de uma dada situação, mas também tem como objetivo a transformação radical da forma de organização da sociedade.<br />
O que estamos dizendo, neste caso, é que o coletivo organiza-se a partir de uma necessidade cotidiana, como, por exemplo, melhores condições de trabalho; mas quando o movimento começa a desenvolver seus objetivos transformam-se, a luta intensifica-se, e inicia-se uma tentativa de mudança radical do sistema.<br />
Certamente, o que estamos descrevendo não é nenhuma receita de como o movimento social deve se organizar para se tornar revolucionário, na verdade, para que tal dimensão possa ser atingida há fatores sociais e históricos do momento vivenciado que contribuem para tal formação, portanto, há uma indeterminação histórica, isso quer dizer que há uma impossibilidade, a priori de afirmar o que acontecerá ou não no futuro, se esse caráter revolucionário pode ocorrer ou não.<br />
Esses movimentos geralmente organizam-se a partir de uma reivindicação local e específica, mas, à medida que se desenvolvem, começam a adquirir maior expressão social, extrapolando suas reivindicações iniciais, o que exige do próprio movimento um novo projeto e uma nova proposta para o futuro.<br />
Estamos dizendo agora que, se por um lado, é possível pensar em movimentos que querem alterar algumas características da realidade social, outros pedem uma volta a antigas formas de pensamento preconceituosas e autoritárias, e ainda, existem os movimentos sociais que criam a possibilidade de uma nova forma de organização social, na tentativa de superarem suas necessidades. Este tipo de movimento tem sua origem marcada pela luta de classes, pois, especificamente, quando falamos da questão do trabalho a diferença entre as mesmas fica mais explícita. É por meio das reivindicações de melhores salários, melhor condição de trabalho que se possibilitam para os trabalhadores a compreensão que realizando apenas algumas reformas na organização da sociedade fica impossível superar determinadas barreiras impostas à sua classe.<br />
<br />
<br />
<strong>PESQUISA:<br />
Realize uma pesquisa buscando um movimento social existente no Brasil que represente uma destas três formas descritas acima, caracterizando-o e compreendendo os motivos que os levaram a defenderem tal causa. Para realizar esta pesquise sugerimos que procure um movimento que exista na sua região, seja ela rural ou urbana.</strong><br />
Assim, caracterizamos três formas de movimentos sociais existentes no capitalismo, e que de alguma forma encontram-se na nossa realidade social. Mas, há de se fazer algumas ressalvas quanto à existência destes movimentos: por mais que historicamente sejam possíveis essas três formações específicas, na atualidade, é perceptível a existência apenas de duas.<br />
É muito mais saliente na nossa vida contemporânea a existência de movimentos sociais que procurem:<br />
<br />
<strong>a) voltar a realizar ações sociais com características preconceituosas e fóbicas, que já deveriam ter sido superadas, oriundas de organizações sociais e explicativas do mundo datadas de meados do século XX;<br />
<br />
b) ou movimentos que busquem uma reforma na ordem social vigente [tentando mudá-la, mas que não almejam uma ruptura radical com a realidade.<br />
As causas para a generalização de formas de movimentos sociais com caráter reformador são várias, podemos citar: a) a reestruturação produtiva iniciada a partir de década de 1970; b) a queda do Muro de Berlim em 1989; c) o fim da URSS em 1991. Essas três transformações históricas acabam por contribuir para uma desorganização da classe trabalhadora, pois em função do primeiro item citado, os trabalhadores não possuem uma identidade coletiva; e em função dos dois últimos fatos, não há mais, supostamente, um projeto alternativo ao capitalismo que contribua e favoreça para que tais tipos de movimentos sociais desenvolvam-se.<br />
Desta forma, trataremos um pouco mais cuidadosamente dos movimentos sociais que apresentam pouca possibilidade de ruptura (transformação radical da sociedade) com a realidade social posta, mas que de alguma forma apresentam alternativas. Um bom exemplo para estas formas de movimento encontra-se no Fórum Social Mundial, realizado desde 2001, que já ocorreu no Brasil, em Porto Alegre, e na Índia, em Mumbai. E será este o caso que abordaremos agora. O Fórum Social Mundial (FSM) foi idealizado e criado a partir da iniciativa de alguns brasileiros que desejavam desenvolver uma resistência ao pensamento dominante, e principalmente, a forma neoliberal de organização política e econômica em que a sociedade encontra-se na atualidade. A vontade de fazer oposição ao neoliberalismo no Fórum Social é tão séria que, as datas para as suas realizações foram programadas sempre concomitantes a do Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça.<br />
Esse Fórum Econômico é realizado anualmente para discutir os rumos a serem dados à economia dos países centrais e periféricos.<br />
A partir do momento em que surgiu a idéia, criou-se um Comitê Organizador a fim de por em prática o Fórum; o mesmo acabou ocorrendo no ano de 2001, em Porto Alegre, na sua primeira edição, e no mesmo ano foi criado um Conselho Internacional para melhor desenvolver a sua organização e eventos.</strong><br />
Reestruturação Produtiva:<br />
processo de mudança<br />
ocorrido nas indústrias a<br />
partir da década de 1970,<br />
quando há a incorporação,<br />
nas mesmas, das novas<br />
tecnologias micro-eletrônicas,<br />
transformando a produção<br />
e a organização da<br />
fábrica.<br />
<br />
<strong>Neoliberalismo:<br />
Os princípios do neoliberalismo remontam o liberalismo clássico<br />
de Adam Smith, no qual o mercado não é regulado pelo Estado,<br />
e sim pela livre concorrência. Na atualidade o liberalismo<br />
está sendo reestabelecido de acordo com as novas necessidades<br />
históricas surgidas – por isso, o uso do prefixo neo (novo)<br />
– na política econômica mundial</strong><br />
O FSM é também composto por outros Fóruns realizados paralelamente nas mais diversas regiões, com os mais diversos propósitos. Há os chamados fóruns temáticos: Fórum Mundial da Educação, Fórum sobre “Democracia, Direitos Humanos, Guerra e Tráfico de Droga”; e ainda, os fóruns nacionais e regionais: como por exemplo, Fórum Pan - Amazônico, Fórum Social Africano, entre tantos outros mais. Esta formação caracteriza o FSM como uma série de grandes eventos, nos quais são discutidas as mais diversas temáticas sempre preocupadas com a criação de alternativas para a realidade social. Desta forma, o FSM constitui-se como um espaço de articulação, debate, discussão e reflexão teóricos pelos mais diversos movimentos sociais que participam de suas atividades.<br />
Estes movimentos sociais, por sua vez, possuem os interesses mais diversos, não havendo, portanto, uma prioridade na defesa das lutas.<br />
Todas são importantes e válidas, pois seguindo o projeto norteador do Fórum, cada uma delas possui um contexto específico que as fazem necessárias. Segundo o que diz Boaventura de Sousa Santos, sociólogo e participante do Fórum: “As prioridades políticas estão sempre situadas e dependentes do contexto” (Santos, 2005: 37).<br />
Assim, a impossibilidade da construção de uma alternativa coletiva, geral, ao mesmo tempo em que, possibilita a diversidade e a não imposição de um único modelo como alternativa, também faz com que o ambiente de debate perca-se na preocupação individual de cada movimento. Geralmente, é pensado como uma saída que reforme o sistema, pois para uma transformação radical da sociedade é necessário a existência de um grande movimento social.<br />
Portanto, cada movimento possui suas necessidades, buscam alternativas diferenciadas para seus problemas e utiliza-se do FSM como um momento para suas articulações e debates. Esta característica é tão forte dentro da organização ou realização do Fórum que na sua carta de princípios consta que nenhum dos participantes pode falar em nome do FSM, tamanha é a diversidade de reivindicações e propostas lá encontradas.<br />
Para maiores informações sobre a Carta de Princípios do FSM pode ser consultado o site do Fórum: www.forumsocialmundial.org.br.<br />
Uma outra característica peculiar quanto à constituição do Fórum é o fato do mesmo não possuir qualquer liderança; os seus dois conselhos e o caráter democrático das decisões não permitem que exista uma hierarquia, e ainda é atribuída, por parte dos movimentos sociais que participam do Fórum uma grande importância às redes que são criadas ou possibilitadas por intermédio da Internet. Assim, como afirma o próprio Boaventura: “O FSM é uma utopia radicalmente democrática que celebra a diversidade, a pluralidade e a horizontalidade. Celebra um outro mundo possível, ele mesmo plural nas suas possibilidades”. (Santos, 2005: 89).<br />
As diferenças dos participantes do FSM, portanto, são inúmeras, como já foi afirmado. Há uma pluralidade quanto à sua constituição que fica ainda mais clara quando são discutidas as possibilidades e alternativas para a sociedade. Encontram-se desde os que querem romper drasticamente com esta forma de organização social em que vivemos, até os que reivindicam uma reforma no sistema político, econômico e social, garantindo sua inclusão neste.<br />
O que há em comum em todos eles, e os fazem se reunir é a luta contra as formas devastadoras assumidas pelo neoliberalismo contra as minorias e os não-detentores de capital. Ainda, há também a negação da luta armada, portanto, a busca da transformação (seja ela qual for) dá-se por intermédio da democracia, lutando e idealizando um mundo em paz.<br />
Na verdade essa caracterização atual do Fórum enquanto espaço de movimentos sociais, não é um consenso. Esta é uma posição, por exemplo, de Francisco Withaker (um dos fundadores do FSM e membro das comissões), defensor da idéia de que se uma linha comum for estabelecida, o espaço será perdido e se estará “asfixiando” a própria fonte de vida do Fórum.<br />
Outra posição também encontrada é a de que o Fórum deve ser sim um movimento dos movimentos, isso quer dizer que o Fórum deve assumir uma posição política, pois caso contrário será um espaço que se perderá e não canalizará nenhuma ação concreta, perdendo seu sentido de existência.<br />
Portanto, há um debate interno sobre as características do Fórum, mas independente disso, o fato é que uma ação coletiva com um propósito único, a partir de seus integrantes é impossível de ser pensada, atualmente. “A maioria dos movimentos sociais e organizações têm experiências políticas nas quais momentos de confrontação alternam ou combinam-se com momentos de diálogo e de compromisso [...] em que as denúncias radicais ao capitalismo não paralisam uma energia para as pequenas mudanças quando as grandes não são possíveis”. (SANTOS, 2005: 92).<br />
Essa afirmativa acima do Boaventura de Sousa Santos só vem a reforçar nossas afirmações quanto ao caráter plural e reformador presentes no FSM. Pois, se por um lado, há a possibilidade de uma tentativa individual dos movimentos que leve ao confronto direto ao capitalismo, por outro, a impossibilidade de uma ação conjunta os levam a crerem que grandes mudanças estruturais no sistema sejam impossíveis. Essa discussão que estamos fazendo em torno do FSM, na verdade, caracteriza quase que todos os movimentos sociais presentes da atualidade, por isso, que foi dito anteriormente, que o FSM é representativo de como, hoje, encontram-se os movimentos sociais e quais as suas principais características.<br />
<br />
<strong>PESQUISA:<br />
Uma afirmação realizada no inicio desta discussão ainda pode ser retomada: foi afirmado que o FSM é representativo dos movimentos sociais que não realizam uma ruptura radical com a realidade, mas também, foi dito, que os movimentos que compõem o Fórum são contrários ao neoliberalismo e buscam alternativas para a sociedade. Assim, com base no que foi dito acima, pesquise os projetos de dois movimentos sociais que participam do Fórum Mundial Social e compare seus objetivos e suas propostas para a sociedade. Para realizar tal pesquisa, sugerimos que se consulte o site ou os materiais impressos pelo Fórum produzidos.<em></em></strong>Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-40789132200406201832009-05-17T08:57:00.000-07:002013-03-30T12:03:32.046-07:00FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO <i>Salvina Maria Ferreira</i><br />
<br />
Se os homens sempre procuraram ser livres,<br />
por que organizaram um meio de serem<br />
controlados?<br />
<br />
Tal como nós, muitas pessoas tentaram responder à questão acima e escreveram verdadeiros tratados a partir de seus estudos e análises de sua sociedade e do momento histórico em que viviam. Acompanhemos algumas dessas respostas!<br />
Comecemos por Nicolau Maquiavel (1469-1527) que viveu numa sociedade italiana corrompida, dividida, sujeita às invasões externas.<br />
Ele nos diz que os homens buscam uma organização de um poder capaz<br />
de colocar freios em seus maus sentimentos e em seus desejos<br />
mundanos. Assim sendo, o homem só tem um caminho: escolher uma<br />
forma de governo capaz de controlar a maldade humana.<br />
Afinal que tipo de governo seria esse? Segundo Maquiavel, somente<br />
um príncipe seria capaz de organizar os homens numa sociedade onde<br />
existisse o equilíbrio, sem maus desejos, educada, virtuosa e com instituições<br />
estáveis. Quando chegasse a atingir esse tipo de sociedade, o<br />
príncipe não precisaria mais governar pois os homens chegariam a um<br />
ideal e poderiam mudar a forma de governo para a República pois os<br />
homens seriam virtuosos e participariam ativamente.<br />
Para o filósofo Thomas Hobbes (1588-1679), o homem, em seu “estado<br />
de natureza”, acaba provocando conflitos com os outros, pois<br />
vive competindo, desconfia de todos e vive buscando a glória. Essa<br />
situação levou os homens a buscarem uma maneira de evitar esse<br />
constante estado de guerra de todos contra todos.<br />
E qual foi a saída? A saída foi fazer um contrato que assegurasse a<br />
paz. Mas será que só isso resolveu a questão? Segundo Hobbes, não,<br />
pois um papel assinado não garante a paz. É necessário que os homens<br />
submetam sua vontade à vontade de um só homem que os mantenha<br />
em respeito e sob leis. E quem seria esse homem? Que tipo de<br />
organização seria necessária? Esse homem seria um rei que exerceria o<br />
poder despoticamente e essa organização seria o Estado absolutista.<br />
Mas o que é Estado absolutista e por que Hobbes nos dá essa resposta?<br />
Bem, na sociedade dele, a Inglaterra, havia muitos conflitos entre<br />
o poder real, absoluto, e o poder do Parlamento, que queria liberdade<br />
política e econômica, e isso estava levando a muitas brigas. Além<br />
do mais, o governo existe para que possamos viver em paz e o poder<br />
do governante tem que ser ilimitado. Portanto, segundo Hobbes, ou o<br />
poder é absoluto, centralizado e sem divisões ou continuamos a viver<br />
na condição de guerra, de poderes que se enfrentam constantemente.<br />
Já, para John Locke (1632-1704), a resposta à questão inicial é: os<br />
homens concordaram, livremente, em organizar a sociedade com o<br />
objetivo de preservar e consolidar ainda mais os direitos que possuíam<br />
no “estado de natureza”. Que direitos são esses? O direito à vida,<br />
à liberdade e aos bens, que Locke simplesmente chama de propriedade.<br />
E como garantiriam isso? Por meio de um corpo de leis. A próxima<br />
ação dos homens foi a de escolher a forma de governo a partir da<br />
decisão da maioria.<br />
Qual a forma de governo defendida por Locke? Aquela que for escolhida<br />
pela maioria e que cumpra seu objetivo: conservar a propriedade.<br />
Se isso não for cumprido e ainda o governo usar da força sem<br />
amparo legal, o povo tem o legítimo direito de resistência à opressão<br />
e à tirania.<br />
Por que Locke defende o poder legítimo da população ir contra uma<br />
forma de governo? Porque ele era contra o poder absoluto exercido em<br />
sua sociedade, a inglesa. Essa é mais uma prova de que qualquer tipo de<br />
governo, para ele, só é válido se for do consentimento do povo.<br />
Vejamos mais uma resposta à nossa questão inicial. Ela nos é dada<br />
por Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) que, em seu livro O Contrato<br />
Social, nos diz que os homens fizeram uma escolha entre serem infinitamente<br />
livres em seus impulsos, que podem aniquilar a “vida natural”<br />
ou aceitarem as garantias de liberdade e de propriedade dadas pela<br />
lei. É possível, então, ser livre mesmo a partir da criação de leis? Não<br />
é algo esquisito, pois as leis não nos limitam? Segundo Rousseau não,<br />
porque somos parte ativa e passiva nesse processo. Como assim? É o<br />
seguinte: nós elaboramos as leis e ao mesmo tempo as obedecemos, o<br />
que mostra ser possível a relação perfeita entre liberdade e a obediência.<br />
Obedecer à lei escrita por nós mesmos é um ato de liberdade.<br />
Para que a melhor escolha prevalecesse, foi necessário que todos<br />
fizessem uso da razão e da liberdade, a fim de instituírem um contrato.<br />
Essa é a primeira condição que dá legitimidade à vida política, uma<br />
vez que todos estamos em pé de igualdade. A partir daí os homens fizeram<br />
um contrato que inaugurou a organização de um Estado. E qual<br />
a forma de governo defendida por Rousseau? Diferentemente dos outros<br />
pensadores aqui apresentados, ele afirma que qualquer forma de<br />
governo que se adote é secundária desde que ela esteja submetida ao<br />
poder soberano do povo. O governo é, então, entendido como corpo<br />
administrativo do Estado, sendo limitado pelo poder do povo. É nesse<br />
sentido que, mesmo sob o regime monárquico, o poder do povo pode<br />
ser soberano, se o monarca governar como funcionário do povo.<br />
<br />
<strong>ATIVIDADE:</strong><br />
<br />
<strong>Diante dessas idéias, nos cabem algumas questões. Responda-as:<br />
1. Pesquise o que significa “estado de natureza” para Hobbes e John Locke. É a mesma explicação de<br />
“vida natural” para Rousseau? Faça uma comparação entre os significados encontrados.<br />
2. Releia as idéias de Maquiavel, Hobbes, John Locke e Rousseau. Depois diga com qual delas você<br />
concorda e não concorda, bem como o porquê.<br />
3. Você é convocado a responder a questão: “Por que o homem, querendo ser livre organiza um meio<br />
de ser controlado?” Como a responderia?</strong><br />
<br />
E a problemática continua, mesmo que tenhamos conseguido entender<br />
um pouco os motivos da organização do Estado. E qual seria,<br />
então a melhor forma de organização desse Estado? Maquiavel defende<br />
um governo centralizado na pessoa de um príncipe; Hobbes defende a<br />
monarquia absolutista; John Locke diz que a melhor forma é aquela<br />
escolhida pelo povo; já Rousseau defende que a melhor forma de<br />
governo é aquela em que, quem for escolhido para governar deve ser<br />
funcionário do povo, que é soberano. Para entendermos melhor por<br />
que existem essas opções de tipos de governo, leia atentamente a história<br />
que se segue.<br />
<br />
“Uma discussão célebre”<br />
“Uma história das tipologias das formas de governo, como esta, pode ter início na discussão referida por Heródoto, na sua História (...) entre três persas – Otanes, Megabises e Dario – sobre a melhor forma de governo a adotar no seu país depois da morte de Cambises. O episódio, puramente imaginário, teria ocorrido na segunda metade do século VI antes de Cristo, mas o narrador, Heródoto, escreve<br />
no século seguinte. De qualquer forma, o que há de notável é o grau de desenvolvimento que já tinha atingido o pensamento dos gregos sobre a política um século antes da grande sistematização teórica de Platão e Aristóteles (no século IV). A passagem é verdadeiramente exemplar porque, como veremos, cada uma das três personagens defende uma das três formas de governo que poderíamos denominar<br />
de “clássicas” (...). Essas três formas são: o governo de muitos, de poucos e de um só, ou seja, “democracia”, “aristocracia” e “monarquia”, embora naquela passagem não encontremos ainda todos os termos com que essas três modalidades de governo foram consignadas à tradição que permanece viva até nossos dias. (...) Otanes propôs entregar o poder ao povo (...) argumentando assim: ‘Minha opinião é que nenhum<br />
de nós deve ser feito monarca, o que seria penoso e injusto. Vimos até que ponto chegou a prepotência de Cambises, e sofremos depois a dos magos. De qualquer forma poderia não ser irregular o governo monárquico se o monarca pode fazer o que quiser, se não é responsável perante nenhuma instância? Conferindo tal poder, a monarquia afasta do seu caminho normal até mesmo o melhor dos homens. A posse de grandes riquezas gera nele a prepotência, e a inveja é desde o princípio parte de<br />
sua natureza. Com esses dois defeitos, alimentará todas as malvadezas: cometerá de fato os atos mais reprováveis, em alguns casos devido à prepotência, em outros à inveja. Poderia parecer razoável que o monarca e tirano fosse um homem despido de inveja, já que possui tudo. Na verdade, porém, do modo como trata os súditos demonstra bem o contrário: tem inveja dos poucos bons que permanecem, compraz-se com os piores, está sempre atento às calúnias. O que há de mais vergonhoso é que, se alguém lhe faz homenagens com medida, crê não ter sido bastante venerado; se alguém o venera em excesso, se enraivece por ter sido adulado. Direi agora, porém, o que é mais grave: o monarca subverte<br />
a autoridade dos pais, viola as mulheres, mata os cidadãos ao sabor dos seus caprichos.<br />
O governo do povo, porém, merece o mais belo dos nomes, ‘isonomia’; não faz nada do que caracteriza o comportamento do monarca. Os cargos públicos são distribuídos pela sorte; os magistrados precisam prestar contas do exercício do poder; todas as decisões estão sujeitas ao voto popular. Proponho, portanto, rejeitarmos a monarquia, elevando o povo ao poder: o grande número faz com que tudo seja possível’. (...) Megabises, contudo, aconselhou a confiança no governo oligárquico: ‘Subscrevo o que disse Otanes em defesa da abolição da monarquia; quanto à distribuição do poder ao povo, contudo, seu conselho não é o mais sábio. A massa inepta é obtusa e prepotente; nisto nada se lhe compara. De nenhuma forma deve tolerar que, para escapar da prepotência de um tirano, se caia sob a plebe desatinada.<br />
Tudo o que faz, o tirano faz conscientemente; mas o povo não tem sequer a possibilidade de saber o que faz. Como poderia sabê-lo, se nunca aprendeu nada de bom e de útil, se não conhece nada disso, mas arrasta indistintamente tudo o que encontra no seu caminho? Que os que querem mal aos persas adotem o partido democrático; quanto a nós, entregaríamos o poder a um grupo de homens escolhidos<br />
dentre os melhores – e estaríamos entre eles. É natural que as melhores decisões sejam tomadas pelos que são melhores’. (...) Em terceiro lugar, Dario manifestou sua opinião: ‘O que disse Megabises a respeito do governo popular me parece justo, mas não o que disse sobre a oligarquia. Entre as três formas de governo, todas elas consideradas no seu estado perfeito, isto é, entre a melhor democracia, a melhor oligarquia e a melhor monarquia, afirmo que a monarquia é superior a todas. Nada poderia parecer melhor do que<br />
um só homem – o melhor de todos; com seu discernimento, governaria o povo de modo irrepreensível; como ninguém mais, saberia manter seus objetivos políticos a salvo dos adversários. Numa oligarquia, é fácil que nasçam graves conflitos pessoais entre os que praticam a virtude pelo bem público: todos querem ser o chefe, e fazer prevalecer sua opinião, chegando por isso a odiarse; de onde surgem as facções, e delas os delitos. Os delitos levam à monarquia, o que prova que esta é a melhor forma de governo.<br />
Por outro lado, quando é o povo que governa, é impossível não haver corrupção na esfera dos negócios públicos, a qual não provoca inimizades, mas sim sólidas alianças entre os malfeitores: os que agem contra o bem comum fazem-no conspirando entre si. É o que acontece, até que alguém assume a defesa do poder e põe fim às suas tramas, tomando-lhes o lugar na admiração popular, admirado mais do que eles, torna-se monarca. Por isso, também a monarquia é a melhor forma de governo.<br />
Em suma, para dizê-lo em poucas palavras: de onde nos veio a liberdade? Quem a deu? O povo, uma oligarquia, ou um monarca? Sustento que, liberados por obra de um só homem, devemos manter o regime monárquico e, além disso, conservar nossas boas instituições pátrias: não há nada melhor’.”<br />
<br />
(BOBBIO, 1985. p.39-41).<br />
<br />
<br />
<strong>ATIVIDADE:<br />
Vejamos: temos algumas respostas do porquê os homens organizaram a sociedade e o Estado. Vamos<br />
trabalhar um pouco respondendo às questões abaixo.<br />
1. Os três personagens da história “Uma discussão célebre”, Otanes, Megabises e Dario fazem, cada<br />
um, a defesa de uma das formas de governo e criticam outra. Faça um quadro que mostre qual é<br />
o tipo de governo defendido e criticado por cada um. Neste quadro anote os argumentos que eles<br />
utilizam.<br />
2. Com mais três colegas, elejam um tipo de governo para defenderem<br />
e um outro para criticarem, isto é, dizerem porque apóiam<br />
um e não o outro. Depois montem um tribunal onde apresentarão<br />
a defesa e as críticas desses tipos de governo. Escolham<br />
cinco colegas para serem os juizes que elaborarão o veredicto<br />
final de cada tipo de governo.</strong><br />
Tudo isso nos leva a pensarmos em nossas sociedades e em nossos<br />
tipos de governo. Por que temos, no Brasil e nos E.U.A., a República<br />
presidencialista? Por que na Inglaterra e na Espanha há a Monarquia<br />
parlamentarista? Por que na França e na Itália há o Parlamentarismo?<br />
Por que a experiência de alguns países, como, por exemplo, a França<br />
e os E.U.A., é tida como modelo para os demais?<br />
Para respondermos essas questões é necessária a pesquisa do processo<br />
histórico de cada país a fim de entendermos as razões ou os motivos<br />
de terem determinado certo tipo de governo. Vejamos a história<br />
da França, mais exatamente o processo da Revolução Francesa, como<br />
exercício de análise e compreensão.<br />
Essa Revolução ocorreu em 1789 e desde então é cantada em verso<br />
e prosa como modelo de revolução democrático-burguesa. Mas por<br />
quê? É considerada modelo porque pode e deve servir de exemplo;<br />
democrático porque ao lançar as palavras de ordem – liberdade, igualdade<br />
e fraternidade – procurou assegurar o respeito aos direitos de cada<br />
um; e burguesa porque, conforme mostrou a história, ajudou e ajuda<br />
a deter propostas de mudanças mais efetivas.<br />
Mas precisamos nos perguntar sobre a organização da sociedade<br />
francesa às vésperas da revolução de 1789: Que tipo de sociedade era?<br />
Quem a governava? Como a governava? Quem inspirou os ideais revolucionários?<br />
Os revolucionários conseguiram atingir os objetivos propostos?<br />
Para começar, pode-se dizer que, apesar dos historiadores colocarem<br />
como período final do feudalismo o século XVI, havia ainda,<br />
na França, alguns caracteres feudais que, teimosamente, insistiam em<br />
manter-se vivos por mais tempo. Isso está longe de significar, entretanto,<br />
que o sistema feudal se mantivesse dominante até o século XVIII,<br />
pois, um capitalismo “agrário” vinha sendo introduzido muito antes<br />
disso, a ponto de, no século XVIII, os tradicionais pagamentos aos senhores<br />
serem bastante modestos quando comparados com os arrendamentos<br />
capitalistas.<br />
Politicamente, a sociedade francesa era governada pelos<br />
reis que mantinham o poder centralizado em suas mãos a<br />
ponto de Luis XV dizer ao Parlamento de Paris:<br />
<br />
<strong>“Em minha pessoa reside o poder soberano. Só a mim<br />
pertence o poder legislativo, sem dependência e sem<br />
partilha. A ordem pública emana de mim por inteiro, e os<br />
direitos e interesses da nação estão unidos necessariamente<br />
aos meus, e só repousam em minhas mãos.” (MICELI,<br />
1987:52).</strong>Veja você! O que diferencia os antigos reis absolutistas dos ditadores<br />
de hoje não é a prepotência deles, mas a capacidade de dizer claramente<br />
e em público, o que ia em suas cabeças!<br />
Luis XV ignorava ou talvez fingia não saber que a monarquia estava<br />
desacreditada, que os poderes locais, simbolizados pelos antigos<br />
senhores feudais, não aceitavam a centralização da administração, que<br />
os intendentes de justiça, de polícia e de finanças eram funcionários<br />
poderosos, pois em suas mãos estava o controle das revoltas, do comércio,<br />
da agricultura e da indústria, além de serem responsáveis pelo<br />
recrutamento de soldados para o exército e da cobrança de impostos<br />
antecipados à Coroa.<br />
Além desses problemas internos, a França estava falida pois disputava,<br />
com a Inglaterra, a Áustria e a Prússia, por exemplo, territórios<br />
coloniais. No fundo era uma briga pela divisão do mundo e do controle<br />
político e econômico a partir de interesses exclusivos.<br />
Está dando para perceber como o tipo de governo implantado na<br />
França vai construindo seu próprio fim? Então continuemos! Vejamos<br />
agora como a sociedade francesa estava organizada internamente. Vamos<br />
lembrar de uma perguntinha clássica que se faz quando estudamos<br />
de 5ª à 8ª: Como estava organizada a sociedade francesa às vésperas<br />
da revolução de 1789? Lembra a resposta? Vamos ajuda-lo! Ela<br />
estava organizada em três grupos:<br />
a) 1º Estado representado pelo clero que tinha privilégios políticos, judiciários<br />
e fiscais, controlava 10% das terras de todo território francês e,<br />
além disso, cobrava taxas de batismo, casamento, sepultura e a dízima.<br />
Isso não quer dizer que todo o clero tinha esses privilégios. Somente o<br />
alto clero, isto é, bispos e abades, tinha esses privilégios. Os que pertenciam<br />
ao baixo clero, ou seja, os padres sem cargos, passavam dificuldades<br />
tanto quanto a maioria da população francesa.<br />
b) 2º Estado representado pela nobreza, aquela que detinha o poder<br />
na Idade Média, também tinha muitos privilégios como: podiam<br />
usar espada; tinham banco reservado nas igrejas; não pagavam impostos;<br />
tinham o monopólio de acesso aos cargos superiores do<br />
exército, da igreja e de serem juízes. Muitos ainda recebiam impostos<br />
dos seus camponeses.<br />
c) 3º Estado era composto pelos camponeses, artesãos, operários, pela<br />
burguesia, fosse ela comercial, industrial ou financeira e pelos<br />
profissionais liberais – médicos, juristas, literatos e professores. Para<br />
grande parte desses que compunham o 3º Estado, especialmente<br />
os camponeses, artesãos e operários, a situação não era nada boa.<br />
Para piorar, uma grande seca, entre 1785 e 1789, provocou a elevação<br />
dos preços dos principais produtos consumidos por eles. Isso<br />
fez com que a fome se alastrasse ainda mais. Dá para perceber<br />
o que andou acontecendo, não? Como conter camponeses, artesãos<br />
e operários famintos e revoltosos?<br />
<br />
Aqui, para tentar responder quem inspirou os propósitos da revolução, retornemos aos nossos<br />
pensadores, especialmente Locke e Rousseau que tentaram provar que os homens são os<br />
principais responsáveis por seu destino. Analisemos assim: as necessidades práticas da burguesia<br />
de aumentar seus lucros e a busca dos camponeses, artesãos e operários de acabar com<br />
a fome e a miséria acabaram dando<br />
respaldo às idéias filosóficas. Só faltava<br />
arregaçarem as mangas e irem para<br />
a luta. Foi o que aconteceu em 14<br />
de julho de 1789 quando uma multidão<br />
invadiu e tomou a Bastilha, fortaleza<br />
onde o rei trancafiava seus inimigos<br />
políticos.<br />
<br />
<br />
<br />
<strong>PESQUISA:<br />
<br />
Só nos resta saber se os revoltosos conseguiram seus objetivos. Fica aqui o desafio:<br />
1. Faça uma pesquisa e responda se os revoltosos conseguiram atingir seus objetivos e quais meios<br />
foram utilizados.<br />
2. Pesquise se na história do Brasil houve um acontecimento ou uma revolta que possa ser comparada<br />
com a Revolução Francesa. Faça um quadro comparativo entre elas destacando: por que ocorreu,<br />
quem participou, quais os objetivos, o que a influenciou e quais os resultados obtidos.<br />
3. Entreviste cinco pessoas com as seguintes questões:<br />
a) Você sabe explicar o que é:<br />
1) Monarquia?<br />
2) Oligarquia?<br />
3) Democracia?<br />
4) Parlamentarismo?<br />
b) Hoje, no Brasil, temos o presidencialismo como tipo de governo. Quem fez essa escolha? Com<br />
base em quê?<br />
c) Se tivéssemos um plebiscito no Brasil para mudar o tipo de governo, em qual você votaria? Monarquia,<br />
Oligarquia, Parlamentarismo ou Presidencialismo? Por quê?<br />
Construa um texto comentando e relacionando as respostas com a questão inicial de nosso estudo.<br />
Leia suas conclusões para os demais colegas.</strong>Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-74592433620454148202009-05-17T08:48:00.000-07:002009-05-17T08:55:55.707-07:00O PROCESSO DE TRABALHO E A DESIGUALDADE SOCIAL<strong>O PROCESSO DE<br />TRABALHO E A<br />DESIGUALDADE<br />SOCIAL<br /><br /></strong><br /><br /><span style="color:#ff0000;"><strong>“A gente não quer só comida<br />A gente quer comida, diversão e arte<br />A gente não quer só comida<br />A gente quer saída para qualquer parte<br />(...)<br />A gente não quer só comida<br />A gente quer a vida como a vida quer”<br />COMIDA – Arnaldo Antunes,<br />Marcelo Fromer e Sérgio Britto.<br /></strong></span><br /><br />Você já escutou os versos acima e já<br />parou para pensar sobre o que podemos<br />fazer para ter tudo isto? Ou<br />melhor, o que você, sua família, e seus<br />amigos fazem para ter acesso a tudo isto?<br /><br />Sabemos que para viver temos que ter comida, água potável, roupas<br />e uma moradia segura. Mas sabemos também que na sociedade<br />capitalista o caminho para ter o acesso à “comida, diversão e arte” não<br />é nada fácil, é uma verdadeira odisséia. Então, como é possível suprir<br />estas necessidades básicas?<br />Se “(...) a gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer<br />parte(...)”, o que fazemos afinal, para conseguirmos garantir e resolver<br />estas questões? O que você faz?<br />Agora, como estão nos versos da música, queremos ter a garantia<br />que as chamadas questões materiais – a comida, a água potável, as<br />roupas adequadas para cada tipo de estação, a casa com segurança –<br />e as questões subjetivas – sentimentos, desejos, gostos – sejam resolvidas.<br />Temos aqui, portanto, duas questões essenciais: o que é imediato<br />ou básico são necessidades materiais do ser humano; o que é subjetivo<br />são necessidades imateriais. Mas esta preocupação não é somente<br />uma preocupação particular, mas de todas as sociedades ao longo da<br />história humana. Como “(...) a gente não quer só comida (...)”, estas<br />duas necessidades devem ser resolvidas, e na busca destas soluções,<br />novas necessidade vão surgindo. Assim, o contorno do nosso cotidiano<br />vai sendo desenhado na medida em que as soluções de todos os tipos<br />vão se realizando. Para pensar sobre isso, vejamos como a Sociologia<br />pode nos auxiliar.<br />O pensador alemão Karl Marx (1818-1883) afirmou que, para resolver<br />as suas necessidades básicas, o ser humano vai se apropriando da<br />natureza, estabelecendo relações com outros seres humanos, pensando<br />sobre a sua vida e criando novas e novas necessidades. Como isso<br />é possível? Imagine que você tem que construir um banco de praça e<br />a matéria-prima é de “segunda mão”. Tendo o material, o que mais é<br />necessário para construir o banco? Bem, o conhecimento de como fazê-<br />lo, e de como utilizar o material reciclável e as ferramentas. Temos,<br />portanto:<br />(1) você – um SER HUMANO;<br />(2) o CONHECIMENTO;<br />(3) a natureza que já foi modificada, a MATÉRIA-PRIMA;<br />(4) e os INSTRUMENTOS – máquinas, ferramentas e utensílios.<br />São necessários todos estes elementos juntos para que o banco seja<br />construído. Temos uma unidade que permite que você produza ou<br />melhor construa o banco. Esta unidade é o que chamamos de PROCESSO<br />DE TRABALHO.<br />Foi com este processo que a humanidade construiu tudo o que<br />existe na vida: ferramentas, máquinas, a matéria-prima transformada<br />ou não (um exemplo disto é o ferro encontrado bruto na natureza,<br />transformado em aço para a fabricação de tratores, ônibus, geladeiras, bicicletas), os prédios, os estádios de futebol, as escolas, as ruas e estradas,<br />os ônibus espaciais... enfim um conjunto imenso de coisas. Se<br />isolarmos o conhecimento, as ferramentas e a matéria-prima e retirarmos<br />você da construção do banco, vamos observar que o banco não<br />será construído. Então consideramos você – o ser humano – o principal<br />elemento desta unidade. Isto porque é você quem vai dar asas à imaginação<br />(pois não é só de pão que vive o homem) e construir e transformar<br />tudo que o cerca.<br /><br /><br /><span style="color:#000099;">PESQUISA:<br />Pegue qualquer objeto do seu dia- a- dia e pesquise:<br />1. Qual é a matéria-prima utilizada? Ela é bruta ou já foi processada?<br />2. Explique que tipo de conhecimento está envolvido na fabricação deste objeto: artístico, científico, filosófico?<br />3. Quais ferramentas foram utilizadas? Quem esteve envolvido na sua fabricação? Explique como.<br />4. Faça uma conclusão considerando a importância deste objeto para o seu cotidiano. Explique se ele<br />é fundamental ou secundário.<br /></span><br />Então, seguindo o raciocínio anterior, sabemos que para viver temos<br />que resolver problemas de ordem material e básica como comer,<br />beber, vestir e morar. Mas como nos indica a música não é só disto que<br />vivemos. Ir ao cinema, sair com os amigos, ir ao futebol, participar das<br />festividades na família, exercitar e exercer nossa sensibilidade e gosto<br />por um tipo de roupa, de música, de filme, de time de futebol, de professor,<br />e de amigo fazem parte desta busca de resoluções. Para isto, os<br />seres humanos vêm modificando a natureza e tudo ao seu redor, até a<br />nós mesmos. Já sabemos que o ser humano é o principal elemento do<br />processo de produção.<br />Se acompanhamos os jornais vamos perceber que as ações não caminham<br />para a resolução das necessidades materiais e imateriais. A<br />destruição do planeta e de outros seres humanos ocorrem indiscriminadamente<br />em quase todos os lugares do mundo. Isto é o que em Sociologia<br />foi chamado de contradição, por Karl Marx, pensador alemão<br />já citado anteriormente neste texto: a não-resolução das necessidades<br />humanas mesmo tendo condições para fazê-lo. São problemas que a<br />humanidade não resolveu desde que o gênero homo começou a dominar<br />o planeta.<br />Você sabe que, nesta caminhada do ser humano, para resolver estas<br />necessidades, ele desenvolve ligações com os outros seres humanos e<br />várias formas de organizações sociais vão surgindo. Seguindo estciocínio, de que é a unidade entre o ser humano, o conhecimento, os<br />instrumentos e a matéria-prima, que possibilita a relação com o mundo<br />natural e a criação do mundo social modificado? Vamos tentar entender<br />como se desenvolvem estas ligações.<br />Quando o homem se espalhou pelo mundo, saindo da África e<br />convivendo, segundo as recentes pesquisas da Paleoantropologia, com<br />outras espécies do gênero, criou laços com os membros do seu grupo.<br />Estes laços se estreitaram, ficando cada vez mais fortes, pois enfrentar<br />a natureza – clima, vegetação, relevo, animais selvagens – revela-se<br />uma aventura difícil e perigosa. Por isso, a união para garantir a existência<br />passa a ser o elemento principal para continuar vivendo. Essas<br />ligações são denominadas de relações sociais. Estamos vendo que, no<br />início do processo de surgimento das primeiras formas de organização<br />social estas relações eram coletivas.<br />Então, o que significa dizer que essas relações eram coletivas?<br />Imagine que você e seus amigos estão perdidos na floresta Amazônica<br />e não conhecem o território, e necessitem fabricar instrumentos<br />e utensílios. O mundo natural parece ameaçador e com certeza vocês<br />buscarão ficar unidos, dividir igualmente a comida, a água, os cuidados<br />com aqueles que estão doentes e com medo. Querem resolver tudo<br />para que todos fiquem bem. Então, unidos, zelarão para que o grupo<br />consiga sobreviver em um ambiente inóspito para o forasteiro. É muito<br />importante observar que no processo de transformação da natureza, o<br />homem vai modificando o espaço natural considerando as suas capacidades e as ferramentas que possui. É uma combinação e uma escolha entre a capacidade humana de transformação e aquilo que ele vai encontrar na natureza. O que resulta desta relação é uma nova realidade que continua a ser explorada. Veja na proposta de trabalho a seguir como isto é possível.<br /><br /><span style="color:#000099;">PESQUISA:<br /><br />Faça uma pesquisa e veja se ainda hoje existem regiões inóspitas além desta descrita acima, e pense<br />como você e seu grupo agiriam para sobreviver. Para isto você deve:<br />1. Localizar a região e indicar qual é o tipo da paisagem;<br />2. descrever como garantiriam a água;<br />3. descrever como garantiriam a segurança;<br />4. descrever como garantiriam os alimentos;<br />5. descrever como garantiriam a saúde;<br />6. descrever como garantiriam a locomoção<br /><br /></span><br />Então, no início da existência da humanidade (40.000 a.C.), havia<br />uma relativa igualdade entre os membros de um mesmo agrupamento<br />social. Relativa porque do ponto de vista das questões básicas de sobrevivência<br />todos têm acesso a eles. Ao mesmo tempo estas sociedades<br />eram hierarquizadas tanto com a divisão sexual do trabalho quanto com<br />as demarcações etárias. Como sabemos disto? É só observarmos os povos<br />indígenas brasileiros, antes da chegada dos europeus (século XIV da<br />Era Cristã). A forma de organização e de resolução dos problemas de sobrevivência<br />destes povos é exemplo deste período quando havia a necessidade<br />de agir coletivamente, para enfrentar a natureza.<br />Veja, os indígenas que habitam o Parque Nacional do Xingu e os<br />Bosquínamos da África setentrional. Atualmente, são exemplos deste<br />período (quando havia a igualdade descrita acima – 700.000 a.C. a<br />40.000 a.C.) em que, ao resolver suas necessidades básicas, o ser humano<br />o fazia coletivamente. Com o aprimoramento dos instrumentos<br />e dos utensílios, e um controle maior sobre a natureza, com a agricultura<br />e a domesticação dos animais, passa a existir em algumas regiões<br />e entre alguns povos o acúmulo de alimentos. As casas são melhoradas<br />para garantir um abrigo mais seguro e as roupas também acompanham<br />estas mudanças com a utilização de novas matérias-primas para<br />a sua confecção. Essas alterações acompanham a ocupação do espaço<br />geográfico fazendo com que deixem de ser nômades e se transformem<br />em povos sedentários. A Geografia, a História e a Sociologia são as Ciências<br />que vão pensar o processo de trabalho interpretando como este<br />se desenvolve nesta busca do ser humano de resolução das necessidades<br />materiais e subjetivas. O armazenamento da água e alimentos fica mais aprimorado com a<br />utilização da cerâmica como matéria-prima. O aperfeiçoamento da navegação<br />e a utilização da roda e do transporte acompanham este ritmo.<br />É importante frisar que estas transformações não são lineares nem evolutivas.<br />Elas são desiguais e acompanham a forma utilizada por cada<br />povo na sua região na ocupação do espaço e na criação da sociedade.<br />Não podemos achar que todos fizeram da mesma maneira. Ao contrário,<br />a forma de ocupação e o processo cultural revelam como cada povo<br />enfrentou a natureza e foi resolvendo suas necessidades básicas.<br />As formas mais apuradas de solução dos problemas imediatos: comer,<br />beber, vestir e morar, na medida em que são resolvidos acabam<br />criando outras e novas necessidades. Assim, locais onde é possível<br />guardar os alimentos e a água vão sendo construídos para que estes<br />sejam utilizados nos momentos de escassez, que são freqüentes e fazem<br />com que as contradições (Lembra? A não-resolução das primeiras<br />necessidades) assombrem os seres humanos. Vai ser necessário que alguns<br />cuidem deste acúmulo e da sobra do que foi produzido ou consumido.<br />Estes que vão cuidar do que todos produziram vão criar um grupo de<br />segurança para auxiliá-los nesta nova tarefa. Este corpo de segurança, provavelmente<br />são os mais fortes ou os que já tinham a tarefa de serem os<br />guerreiros do grupo. Temos aqui um conjunto de pessoas que se desliga,<br />se afasta daqueles que estão produzindo o necessário para a sobrevivência<br />de todos. Você pode perguntar: quando isso ocorreu?<br />Essas mudanças ocorrem na passagem do Neolítico para o surgimento<br />da sociedade desigual (III milênio antes da Era Cristã), quando<br />vai existir a propriedade e esta não vai ser coletiva. Este distanciamento<br />em que alguns vão viver do TRABALHO que outros executam,<br />permitiu o surgimento da desigualdade entre os seres humanos dentro<br />da mesma sociedade. Essa desigualdade foi se aprofundando e as decisões<br />sobre a distribuição do que foi produzido passam a ser realizadas<br />por estes, que vão se tornando donos/proprietários das terras, dos<br />animais, das ferramentas...<br />Como isso é possível? Imagine que você está trabalhando no campo<br />e as pessoas que cuidam do armazenamento observam que se não<br />for estipulada uma cota de consumo para cada família, não terão comida<br />suficiente para o próximo período de escassez. Então devem, para<br />garanti-la, criar punições para aqueles que não cumprirem o que foi<br />determinado. Que tipo de punição? Algo como ter que trabalhar em<br />dobro, dar os seus animais, dar as ferramentas que utilizam – daí, para<br />trabalhar tem que utilizar as ferramentas de outros. Viu como começou<br />a propriedade do que chamamos meios de produção – ferramentas,<br />matérias-primas, os galpões e prédios.<br />A forma de divisão da sociedade em que uns são proprietários dos<br />meios de produção – ferramentas, matérias-primas outros são somente proprietários da força de trabalho – energia gasta no<br />dia-a-dia e o conhecimento de como executar a sua tarefa no processo<br />produtivo – é a base para o que chamamos de sociedade capitalista.<br />Esta diferença entre os seres humanos vão marcar as relações sociais<br />que passaram a estabelecer a partir do fortalecimento das duas classes<br />sociais: os donos dos meios de produção e os proletários. Podemos,<br />assim, buscar no passado da humanidade muitas das explicações para<br />a situação complicada que é a busca do emprego hoje.<br />As soluções se inscrevem no plano daquilo que chamamos de conquistas<br />da humanidade; mas não podemos esquecer o que chamamos de<br />contradições. São elas que vão marcar estas conquistas e nos alertar para<br />perguntar sobre o principal elemento do trabalho que é o ser humano.<br />Bem, voltando às questões do início do texto, vamos ver que a humanidade,<br />para resolver as questões materiais e subjetivas (ter “comida,<br />diversão e arte”) vai construindo o seu cotidiano, e que este já foi predominantemente<br />coletivo, mas se modificou com a transformação da natureza.<br />Surge a desigualdade entre os seres humanos e essa, por sua vez,<br />vai marcar o dia-a-dia da sociedade.<br />Assim, o que não podemos esquecer é que, na medida em que a<br />humanidade vai se apropriando da natureza, modifica o espaço que a<br />cerca e desenvolve não só ações criativas, mas também destrutivas – o<br />aquecimento global – conseqüência do desmatamento, da poluição pelo<br />dióxido de carbono, pela poluição de rios e solos, pela retirada de minerais<br />de maneira predatória– sem citar a matança de animais e a destruição<br />do seu hábitat.<br /><br /><span style="color:#000099;">PESQUISA:<br /><br />Pesquise três diferentes processos de trabalho e demonstre como ocorre a modificação da natureza<br />e as relações entre os homens nesta transformação. Faça um painel para cada um deles e apresente<br />para a sala.<br /></span><br />E é justamente por isso que não podemos desejar somente a comida,<br />pois junto dela deve vir a água potável, a vestimenta adequada, a<br />casa segura, o acesso ao conhecimento, às artes, à Filosofia. Tudo o<br />que foi criado pelo ser humano com a intenção de resolver os problemas<br />para viver, e também as soluções para os problemas como os indicados<br />acima relacionados com as ações destrutivas. Pense sobre as<br />soluções que podem ser dadas para resolver estas novas questões – a<br />destruição da natureza, que estão diretamente ligadas às necessidades<br />materiais e subjetivas apontadas no início e nas indagações finais da<br />música “Comida” referenciada no texto.<br /><br /><br /><strong>Neste texto você leu sobre<br />a transformação da natureza<br />a partir do processo<br />de trabalho realizado ao longo<br />da história da humanidade,<br />na busca de resolver suas<br />necessidades básicas. Já<br />o emprego é esta ação que<br />chamamos de trabalho; ela é<br />a atividade remunerada, que<br />os trabalhadores assalariados<br />executam durante a jornada<br />de trabalho no dia-a-dia.<br /><br /></strong><br />Essa busca de saídas para resolver as contradições entre produção<br />e escassez – de alimentos, de água, de moradia, de escolas, de segurança,<br />de saúde, de lazer.... de acesso à “diversão e arte” – transforma<br />o ser humano em um ser que supera limites. Assim, uma indagação deve<br />permanecer quando olhamos os problemas e vemos a dor e o sofrimento<br />de muitos: “Você tem fome de quê?”<br />Podemos fazer uma lista interminável de necessidades materiais e<br />subjetivas que não foram resolvidas, mas com certeza o item Justiça<br />deve aparecer. Sabia que a idéia (e, portanto uma necessidade subjetiva)<br />de justiça é uma construção humana? Muitas vezes para resolvermos<br />questões materiais, nós recorremos a uma questão subjetiva, como<br />a justiça. Então para sobreviver, o ser humano construiu tudo que<br />temos – transformando a natureza, construindo relações sociais e também<br />elaborando discussões complexas sobre as necessidades subjetivas.<br />Leia nos versos da música e perceba como eles formam uma unidade:<br /><span style="color:#cc0000;"><strong>“(...)bebida é água /comida é pasto / você tem sede de quê? /<br />você tem fome de quê? / a gente não quer só comida /a gente quer comida,<br />diversão e arte”(...) !!!!<br /></strong></span><br /><span style="color:#000099;">ATIVIDADE:<br /><br />Pense nos versos da música e elabore uma lista das necessidades materiais e subjetivas. Relacione<br />essas necessidades com o processo de trabalho a partir do que foi tratado neste texto.<br /></span><br /><br />Filmes:<br />Segunda-feira ao sol.(Las Lunes al sol. 2002. Espanha, direção Fernando<br />Leon de Aranoa).<br />A guerra do fogo (1981, França/Canadá, direção: Jean-Jaques Annud)<br />Peões (2004, Brasil, direção Eduardo Coutinho).<br />Ilha das Flores (1989, Brasil, direção Jorge Furtado). Acesso à internet: www.<br />portacurtas.com.br<br />Tempos modernos (1936, direção Charles Chaplin)<br />Música:<br />Comida - Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto.Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5852449184132798291.post-78161273858019879652009-05-17T07:59:00.000-07:002009-05-17T08:01:58.928-07:00Cultura ou Culturas.UMA CONTRIBUIÇÃO<br />ANTROPOLÓGICA<br />Sheila Aparecida Santos Silva1<br /><br /><br />Você já parou para pensar... porque eu,<br />você e tantos outros somos da maneira<br />que somos?<br />O que nos leva a nos expressarmos de maneiras<br />tão diferentes?<br /><br /><br />Todos nós sabemos que cada pessoa possui seu próprio comportamento.<br />Pelo menos é isto o que a maioria de nós, muitas vezes, pensamos<br />e falamos. Mas, a humanidade ora se diferencia e, ora se assemelha<br />em muitos aspectos comportamentais. O que faz com que isso<br />ocorra?<br />Para dar conta de responder e explicar a grande diversidade que<br />caracteriza toda a humanidade em todos os tempos, lugares e sociedades,<br />muitos cientistas sociais, dentre eles e, em especial, os sociólogos<br />e antropólogos, ocuparam-se em analisar um certo aspecto da vida humana.<br />A saber: a cultura. O entendimento que muitos de nós temos sobre a cultura é pautado<br />num conhecimento de senso comum. Quando somos questionados<br />a respeito do que venha a ser a cultura, logo respondemos<br />que cultura é coisa de índio, ou de folclore, ou ainda de danças e<br />comidas típicas de determinada nação, como também das regiões<br />de nosso país, etc.<br />E, outras vezes, relacionamos cultura com o conhecimento, a Ciência,<br />a Arte, as pessoas “cultas”, os intelectuais. Ou seja, freqüentemente<br />separamos alguns aspectos da diversidade da vida humana e dizemos<br />que é cultura.<br />Muitos de nós temos a curiosidade de saber o porquê somos da<br />maneira que somos. Surgem questionamentos a respeito da organização<br />familiar, como é ou foi a “educação” que os pais passaram para os<br />filhos. Alguém pode se perguntar: como pode a família de meu vizinho<br />educar seus filhos de forma “tão liberal”? Ou ainda dizer: como pode<br />meu vizinho ser “tão tradicional”?<br />Observamos também os costumes e hábitos dos outros, comparando-<br />os com os nossos ou vice-versa. Outras vezes, abrangemos o questionamento,<br />nos indagamos sobre a organização de nossa própria sociedade,<br />que é “construída” social e culturalmente. Há muito que o<br />homem vem se questionando a respeito de sua origem. Tais questões<br />sempre foram motivos de preocupação para muitas pessoas.<br /><br /><br />Existe uma grande discussão “científica” e, muitas são as interpretações<br />para a definição do conceito de cultura. Para obter tais respostas<br />o homem passou a estudar suas diferentes formas de organização social.<br />Surgiu então, a preocupação de se “criar” um conceito de cultura,<br />para melhor explicar a diversidade entre os povos.<br />Veremos ao longo deste texto que cada cultura é resultado de uma<br />história particular. É tudo o que caracteriza uma população humana.<br />São seus costumes, hábitos, idéias e valores, algo que é transmitido.<br />Existe uma tradição viva e dinâmica que leva uma determinada coletividade<br />a ser diferente de outras; que permite que cada sociedade ou<br />grupo social tenha características diferentes e singulares.<br />Você já deve ter percebido a grande quantidade de países que existem<br />no globo, não é?<br />O que é cultura para você?<br />São muitos os povos e, muitas as diferenças entre eles! A história<br />natural nos relata, pelas teorias evolucionistas darwinista, que somos<br />fruto de uma seleção natural das espécies, que começou de uma pequena<br />e estranha célula. Ou pela Bíblia, teoria criacionista, a qual diz<br />que somos originados em Adão e Eva, que foram fruto da criação Divina.<br />E, desde o início da humanidade, os homens tem a característica<br />de viver em coletividade.<br />Em coletividade, nos grupos sociais, nas comunidades ou sociedades,<br />durante a história, o homem vem criando e recriando estilos de<br />vida e diferentes modos de comportamentos. A variedade das culturas<br />existente acompanha a variedade da história humana, dos processos<br />de transformação social. Assim, não se pode dizer que exista uma totalidade<br />humana, que os homens são todos iguais.<br />Cada povo ou nação compartilha processos históricos comuns e semelhantes<br />em sua existência social. Mas, no entanto, a particularidade<br />cultural é evidente em cada sociedade e grupo social. Cada cultura tem<br />a sua história, assim como sua própria lógica, que é construída e também<br />modificada pelos “acidentes” históricos universais.<br />Você já “reparou” no mundo à sua volta? Todas as pessoas que vivem<br />nos mesmos ambientes em que você freqüenta, são parecidíssimas<br />com você na maneira de viver, na maneira de falar, vestir, agir...?<br />Todos tiveram a mesma educação familiar, escolar, pensam da mesma<br />maneira, têm os mesmos objetivos e perspectivas de vida?<br />Diferença entre povo e<br />nação:<br />Constitui-se povo, um<br />conjunto de pessoas que<br />embora são ligadas por<br />sua origem ou por qualquer<br />outro laço, não habitam<br />necessariamente o<br />mesmo país, por exemplo<br />o povo judeu. E torna-se<br />nação, quando um determinado<br />povo de um mesmo<br />território se organiza,<br />politicamente sob um único<br />governo.<br />Qual o seu estilo de vida? É o mesmo de uma pessoa que tenha a sua idade,<br />mas que faz parte de uma sociedade indiana, por exemplo?<br />Imaginemos uma situação, que dificilmente atingiria a vida da maioria<br />dos jovens, neste século. Suponhamos que você leitor, ao invés de<br />ter nascido no final do século XX, tenha vindo ao mundo em meados<br />do século XV, numa pequena aldeia de índios, localizada numa exuberante<br />floresta. Sua vida se resumiria ao convívio social com as mesmas pessoas que seus pais, avós e parentes, sempre conviveram. O que você<br />mais gostaria de fazer seria ouvir e praticar os ensinamentos dos mais<br />velhos, para conquistar a bravura e a honra de ser um guerreiro. Depois<br />de muitos anos, a sua rotina de vida muda, pois, chega à aldeia um certo<br />“viajante” que buscava conhecer e viajar pelo mundo (o colonizador).<br />E, este viajante trazia consigo vários objetos. Dentre os objetos um, em<br />especial, trouxe um novo “estilo” de vida à pequena comunidade. Era<br />uma espingarda. Num primeiro momento parecia muito útil esse objeto,<br />com um simples tiro certeiro, já era possível ter a caça no chão. Contudo,<br />os ensinamentos de como se tornar um guerreiro e caçador, com as<br />habilidades tradicionais do grupo, já não eram necessários, a partir de<br />então outros objetos e valores passaram a ser incorporados na aldeia e<br />mudaram assim, o estilo de vida do grupo.<br />O que podemos constatar nesta história? Vemos que ocorreu um “acidente”<br />histórico: um processo de mudança cultural. E é justamente o<br />mesmo que veio ocorrendo desde os séculos XV e XVIII. O mundo<br />vem passando por muitas transformações tecnológicas e sociais, que<br />por fim transformaram as sociedades e suas culturas. São exemplos de<br />“acidentes” históricos, o colonialismo dos séculos XV e XVI; a Revolução<br />Industrial que marcou as gerações passadas e ainda a nossa, trazendo<br />um novo estilo de vida e uma nova organização social.<br /><br /><strong><span style="color:#000099;">PESQUISA<br /></span></strong>Vamos ver como são as diferenças culturais no cotidiano! Faça um levantamento por escrito das diferenças<br />de hábitos, costumes, valores morais e religiosos que predominam no bairro ou comunidade<br />em que você vive. Depois, divididos em grupos, exponham os resultados.Profº Bornhttp://www.blogger.com/profile/15636039838812904512noreply@blogger.com0