Filosofia

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domingo, 17 de maio de 2009

O PROCESSO DE TRABALHO E A DESIGUALDADE SOCIAL

O PROCESSO DE
TRABALHO E A
DESIGUALDADE
SOCIAL



“A gente não quer só comida
A gente quer comida, diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída para qualquer parte
(...)
A gente não quer só comida
A gente quer a vida como a vida quer”
COMIDA – Arnaldo Antunes,
Marcelo Fromer e Sérgio Britto.


Você já escutou os versos acima e já
parou para pensar sobre o que podemos
fazer para ter tudo isto? Ou
melhor, o que você, sua família, e seus
amigos fazem para ter acesso a tudo isto?

Sabemos que para viver temos que ter comida, água potável, roupas
e uma moradia segura. Mas sabemos também que na sociedade
capitalista o caminho para ter o acesso à “comida, diversão e arte” não
é nada fácil, é uma verdadeira odisséia. Então, como é possível suprir
estas necessidades básicas?
Se “(...) a gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer
parte(...)”, o que fazemos afinal, para conseguirmos garantir e resolver
estas questões? O que você faz?
Agora, como estão nos versos da música, queremos ter a garantia
que as chamadas questões materiais – a comida, a água potável, as
roupas adequadas para cada tipo de estação, a casa com segurança –
e as questões subjetivas – sentimentos, desejos, gostos – sejam resolvidas.
Temos aqui, portanto, duas questões essenciais: o que é imediato
ou básico são necessidades materiais do ser humano; o que é subjetivo
são necessidades imateriais. Mas esta preocupação não é somente
uma preocupação particular, mas de todas as sociedades ao longo da
história humana. Como “(...) a gente não quer só comida (...)”, estas
duas necessidades devem ser resolvidas, e na busca destas soluções,
novas necessidade vão surgindo. Assim, o contorno do nosso cotidiano
vai sendo desenhado na medida em que as soluções de todos os tipos
vão se realizando. Para pensar sobre isso, vejamos como a Sociologia
pode nos auxiliar.
O pensador alemão Karl Marx (1818-1883) afirmou que, para resolver
as suas necessidades básicas, o ser humano vai se apropriando da
natureza, estabelecendo relações com outros seres humanos, pensando
sobre a sua vida e criando novas e novas necessidades. Como isso
é possível? Imagine que você tem que construir um banco de praça e
a matéria-prima é de “segunda mão”. Tendo o material, o que mais é
necessário para construir o banco? Bem, o conhecimento de como fazê-
lo, e de como utilizar o material reciclável e as ferramentas. Temos,
portanto:
(1) você – um SER HUMANO;
(2) o CONHECIMENTO;
(3) a natureza que já foi modificada, a MATÉRIA-PRIMA;
(4) e os INSTRUMENTOS – máquinas, ferramentas e utensílios.
São necessários todos estes elementos juntos para que o banco seja
construído. Temos uma unidade que permite que você produza ou
melhor construa o banco. Esta unidade é o que chamamos de PROCESSO
DE TRABALHO.
Foi com este processo que a humanidade construiu tudo o que
existe na vida: ferramentas, máquinas, a matéria-prima transformada
ou não (um exemplo disto é o ferro encontrado bruto na natureza,
transformado em aço para a fabricação de tratores, ônibus, geladeiras, bicicletas), os prédios, os estádios de futebol, as escolas, as ruas e estradas,
os ônibus espaciais... enfim um conjunto imenso de coisas. Se
isolarmos o conhecimento, as ferramentas e a matéria-prima e retirarmos
você da construção do banco, vamos observar que o banco não
será construído. Então consideramos você – o ser humano – o principal
elemento desta unidade. Isto porque é você quem vai dar asas à imaginação
(pois não é só de pão que vive o homem) e construir e transformar
tudo que o cerca.


PESQUISA:
Pegue qualquer objeto do seu dia- a- dia e pesquise:
1. Qual é a matéria-prima utilizada? Ela é bruta ou já foi processada?
2. Explique que tipo de conhecimento está envolvido na fabricação deste objeto: artístico, científico, filosófico?
3. Quais ferramentas foram utilizadas? Quem esteve envolvido na sua fabricação? Explique como.
4. Faça uma conclusão considerando a importância deste objeto para o seu cotidiano. Explique se ele
é fundamental ou secundário.

Então, seguindo o raciocínio anterior, sabemos que para viver temos
que resolver problemas de ordem material e básica como comer,
beber, vestir e morar. Mas como nos indica a música não é só disto que
vivemos. Ir ao cinema, sair com os amigos, ir ao futebol, participar das
festividades na família, exercitar e exercer nossa sensibilidade e gosto
por um tipo de roupa, de música, de filme, de time de futebol, de professor,
e de amigo fazem parte desta busca de resoluções. Para isto, os
seres humanos vêm modificando a natureza e tudo ao seu redor, até a
nós mesmos. Já sabemos que o ser humano é o principal elemento do
processo de produção.
Se acompanhamos os jornais vamos perceber que as ações não caminham
para a resolução das necessidades materiais e imateriais. A
destruição do planeta e de outros seres humanos ocorrem indiscriminadamente
em quase todos os lugares do mundo. Isto é o que em Sociologia
foi chamado de contradição, por Karl Marx, pensador alemão
já citado anteriormente neste texto: a não-resolução das necessidades
humanas mesmo tendo condições para fazê-lo. São problemas que a
humanidade não resolveu desde que o gênero homo começou a dominar
o planeta.
Você sabe que, nesta caminhada do ser humano, para resolver estas
necessidades, ele desenvolve ligações com os outros seres humanos e
várias formas de organizações sociais vão surgindo. Seguindo estciocínio, de que é a unidade entre o ser humano, o conhecimento, os
instrumentos e a matéria-prima, que possibilita a relação com o mundo
natural e a criação do mundo social modificado? Vamos tentar entender
como se desenvolvem estas ligações.
Quando o homem se espalhou pelo mundo, saindo da África e
convivendo, segundo as recentes pesquisas da Paleoantropologia, com
outras espécies do gênero, criou laços com os membros do seu grupo.
Estes laços se estreitaram, ficando cada vez mais fortes, pois enfrentar
a natureza – clima, vegetação, relevo, animais selvagens – revela-se
uma aventura difícil e perigosa. Por isso, a união para garantir a existência
passa a ser o elemento principal para continuar vivendo. Essas
ligações são denominadas de relações sociais. Estamos vendo que, no
início do processo de surgimento das primeiras formas de organização
social estas relações eram coletivas.
Então, o que significa dizer que essas relações eram coletivas?
Imagine que você e seus amigos estão perdidos na floresta Amazônica
e não conhecem o território, e necessitem fabricar instrumentos
e utensílios. O mundo natural parece ameaçador e com certeza vocês
buscarão ficar unidos, dividir igualmente a comida, a água, os cuidados
com aqueles que estão doentes e com medo. Querem resolver tudo
para que todos fiquem bem. Então, unidos, zelarão para que o grupo
consiga sobreviver em um ambiente inóspito para o forasteiro. É muito
importante observar que no processo de transformação da natureza, o
homem vai modificando o espaço natural considerando as suas capacidades e as ferramentas que possui. É uma combinação e uma escolha entre a capacidade humana de transformação e aquilo que ele vai encontrar na natureza. O que resulta desta relação é uma nova realidade que continua a ser explorada. Veja na proposta de trabalho a seguir como isto é possível.

PESQUISA:

Faça uma pesquisa e veja se ainda hoje existem regiões inóspitas além desta descrita acima, e pense
como você e seu grupo agiriam para sobreviver. Para isto você deve:
1. Localizar a região e indicar qual é o tipo da paisagem;
2. descrever como garantiriam a água;
3. descrever como garantiriam a segurança;
4. descrever como garantiriam os alimentos;
5. descrever como garantiriam a saúde;
6. descrever como garantiriam a locomoção


Então, no início da existência da humanidade (40.000 a.C.), havia
uma relativa igualdade entre os membros de um mesmo agrupamento
social. Relativa porque do ponto de vista das questões básicas de sobrevivência
todos têm acesso a eles. Ao mesmo tempo estas sociedades
eram hierarquizadas tanto com a divisão sexual do trabalho quanto com
as demarcações etárias. Como sabemos disto? É só observarmos os povos
indígenas brasileiros, antes da chegada dos europeus (século XIV da
Era Cristã). A forma de organização e de resolução dos problemas de sobrevivência
destes povos é exemplo deste período quando havia a necessidade
de agir coletivamente, para enfrentar a natureza.
Veja, os indígenas que habitam o Parque Nacional do Xingu e os
Bosquínamos da África setentrional. Atualmente, são exemplos deste
período (quando havia a igualdade descrita acima – 700.000 a.C. a
40.000 a.C.) em que, ao resolver suas necessidades básicas, o ser humano
o fazia coletivamente. Com o aprimoramento dos instrumentos
e dos utensílios, e um controle maior sobre a natureza, com a agricultura
e a domesticação dos animais, passa a existir em algumas regiões
e entre alguns povos o acúmulo de alimentos. As casas são melhoradas
para garantir um abrigo mais seguro e as roupas também acompanham
estas mudanças com a utilização de novas matérias-primas para
a sua confecção. Essas alterações acompanham a ocupação do espaço
geográfico fazendo com que deixem de ser nômades e se transformem
em povos sedentários. A Geografia, a História e a Sociologia são as Ciências
que vão pensar o processo de trabalho interpretando como este
se desenvolve nesta busca do ser humano de resolução das necessidades
materiais e subjetivas. O armazenamento da água e alimentos fica mais aprimorado com a
utilização da cerâmica como matéria-prima. O aperfeiçoamento da navegação
e a utilização da roda e do transporte acompanham este ritmo.
É importante frisar que estas transformações não são lineares nem evolutivas.
Elas são desiguais e acompanham a forma utilizada por cada
povo na sua região na ocupação do espaço e na criação da sociedade.
Não podemos achar que todos fizeram da mesma maneira. Ao contrário,
a forma de ocupação e o processo cultural revelam como cada povo
enfrentou a natureza e foi resolvendo suas necessidades básicas.
As formas mais apuradas de solução dos problemas imediatos: comer,
beber, vestir e morar, na medida em que são resolvidos acabam
criando outras e novas necessidades. Assim, locais onde é possível
guardar os alimentos e a água vão sendo construídos para que estes
sejam utilizados nos momentos de escassez, que são freqüentes e fazem
com que as contradições (Lembra? A não-resolução das primeiras
necessidades) assombrem os seres humanos. Vai ser necessário que alguns
cuidem deste acúmulo e da sobra do que foi produzido ou consumido.
Estes que vão cuidar do que todos produziram vão criar um grupo de
segurança para auxiliá-los nesta nova tarefa. Este corpo de segurança, provavelmente
são os mais fortes ou os que já tinham a tarefa de serem os
guerreiros do grupo. Temos aqui um conjunto de pessoas que se desliga,
se afasta daqueles que estão produzindo o necessário para a sobrevivência
de todos. Você pode perguntar: quando isso ocorreu?
Essas mudanças ocorrem na passagem do Neolítico para o surgimento
da sociedade desigual (III milênio antes da Era Cristã), quando
vai existir a propriedade e esta não vai ser coletiva. Este distanciamento
em que alguns vão viver do TRABALHO que outros executam,
permitiu o surgimento da desigualdade entre os seres humanos dentro
da mesma sociedade. Essa desigualdade foi se aprofundando e as decisões
sobre a distribuição do que foi produzido passam a ser realizadas
por estes, que vão se tornando donos/proprietários das terras, dos
animais, das ferramentas...
Como isso é possível? Imagine que você está trabalhando no campo
e as pessoas que cuidam do armazenamento observam que se não
for estipulada uma cota de consumo para cada família, não terão comida
suficiente para o próximo período de escassez. Então devem, para
garanti-la, criar punições para aqueles que não cumprirem o que foi
determinado. Que tipo de punição? Algo como ter que trabalhar em
dobro, dar os seus animais, dar as ferramentas que utilizam – daí, para
trabalhar tem que utilizar as ferramentas de outros. Viu como começou
a propriedade do que chamamos meios de produção – ferramentas,
matérias-primas, os galpões e prédios.
A forma de divisão da sociedade em que uns são proprietários dos
meios de produção – ferramentas, matérias-primas outros são somente proprietários da força de trabalho – energia gasta no
dia-a-dia e o conhecimento de como executar a sua tarefa no processo
produtivo – é a base para o que chamamos de sociedade capitalista.
Esta diferença entre os seres humanos vão marcar as relações sociais
que passaram a estabelecer a partir do fortalecimento das duas classes
sociais: os donos dos meios de produção e os proletários. Podemos,
assim, buscar no passado da humanidade muitas das explicações para
a situação complicada que é a busca do emprego hoje.
As soluções se inscrevem no plano daquilo que chamamos de conquistas
da humanidade; mas não podemos esquecer o que chamamos de
contradições. São elas que vão marcar estas conquistas e nos alertar para
perguntar sobre o principal elemento do trabalho que é o ser humano.
Bem, voltando às questões do início do texto, vamos ver que a humanidade,
para resolver as questões materiais e subjetivas (ter “comida,
diversão e arte”) vai construindo o seu cotidiano, e que este já foi predominantemente
coletivo, mas se modificou com a transformação da natureza.
Surge a desigualdade entre os seres humanos e essa, por sua vez,
vai marcar o dia-a-dia da sociedade.
Assim, o que não podemos esquecer é que, na medida em que a
humanidade vai se apropriando da natureza, modifica o espaço que a
cerca e desenvolve não só ações criativas, mas também destrutivas – o
aquecimento global – conseqüência do desmatamento, da poluição pelo
dióxido de carbono, pela poluição de rios e solos, pela retirada de minerais
de maneira predatória– sem citar a matança de animais e a destruição
do seu hábitat.

PESQUISA:

Pesquise três diferentes processos de trabalho e demonstre como ocorre a modificação da natureza
e as relações entre os homens nesta transformação. Faça um painel para cada um deles e apresente
para a sala.

E é justamente por isso que não podemos desejar somente a comida,
pois junto dela deve vir a água potável, a vestimenta adequada, a
casa segura, o acesso ao conhecimento, às artes, à Filosofia. Tudo o
que foi criado pelo ser humano com a intenção de resolver os problemas
para viver, e também as soluções para os problemas como os indicados
acima relacionados com as ações destrutivas. Pense sobre as
soluções que podem ser dadas para resolver estas novas questões – a
destruição da natureza, que estão diretamente ligadas às necessidades
materiais e subjetivas apontadas no início e nas indagações finais da
música “Comida” referenciada no texto.


Neste texto você leu sobre
a transformação da natureza
a partir do processo
de trabalho realizado ao longo
da história da humanidade,
na busca de resolver suas
necessidades básicas. Já
o emprego é esta ação que
chamamos de trabalho; ela é
a atividade remunerada, que
os trabalhadores assalariados
executam durante a jornada
de trabalho no dia-a-dia.


Essa busca de saídas para resolver as contradições entre produção
e escassez – de alimentos, de água, de moradia, de escolas, de segurança,
de saúde, de lazer.... de acesso à “diversão e arte” – transforma
o ser humano em um ser que supera limites. Assim, uma indagação deve
permanecer quando olhamos os problemas e vemos a dor e o sofrimento
de muitos: “Você tem fome de quê?”
Podemos fazer uma lista interminável de necessidades materiais e
subjetivas que não foram resolvidas, mas com certeza o item Justiça
deve aparecer. Sabia que a idéia (e, portanto uma necessidade subjetiva)
de justiça é uma construção humana? Muitas vezes para resolvermos
questões materiais, nós recorremos a uma questão subjetiva, como
a justiça. Então para sobreviver, o ser humano construiu tudo que
temos – transformando a natureza, construindo relações sociais e também
elaborando discussões complexas sobre as necessidades subjetivas.
Leia nos versos da música e perceba como eles formam uma unidade:
“(...)bebida é água /comida é pasto / você tem sede de quê? /
você tem fome de quê? / a gente não quer só comida /a gente quer comida,
diversão e arte”(...) !!!!

ATIVIDADE:

Pense nos versos da música e elabore uma lista das necessidades materiais e subjetivas. Relacione
essas necessidades com o processo de trabalho a partir do que foi tratado neste texto.


Filmes:
Segunda-feira ao sol.(Las Lunes al sol. 2002. Espanha, direção Fernando
Leon de Aranoa).
A guerra do fogo (1981, França/Canadá, direção: Jean-Jaques Annud)
Peões (2004, Brasil, direção Eduardo Coutinho).
Ilha das Flores (1989, Brasil, direção Jorge Furtado). Acesso à internet: www.
portacurtas.com.br
Tempos modernos (1936, direção Charles Chaplin)
Música:
Comida - Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto.

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