Filosofia

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sexta-feira, 4 de março de 2011

A PRODUÇÃO SOCIOLÓGICA BRASILEIRA

— E o Brasil?
— O Brasil? Como assim? O que tem ele?
— Mas é isto mesmo o que queremos saber...
— O que tem o Brasil?
O fato é que até aqui vimos apenas teorias
sociológicas “importadas”.
Mas será que tais teorias, de pensadores
que não viveram a realidade deste que é
gigante pela própria natureza, belo, forte,
um impávido colosso, e que tem um futuro
que espelha sua enorme grandeza, podem dar
contar de explicar o que acontece por aqui?
Everaldo Lorensetti1
O que há de VERDE e
AMARELO na SOCIOLOGIA?

Bom, antes de estudarmos a produção sociológica brasileira, gostaria
de mencionar, bem rapidamente, uma idéia que pode nos ajudar a
pensar sobre um aspecto muito importante: a escolha das teorias para
refletirmos sobre a sociedade.
Vamos imaginar que durante a leitura destes textos você se identificou
muito com os elementos que Karl Marx nos fornece para interpretação
da sociedade, isto é, pela lógica econômica e material.
Mas veja. Será que a teoria marxista, apenas, seria suficiente para
entender todas as questões sociais, como por exemplo, o movimento
feminista, a união de casais homossexuais, os suicídios dos homensbomba,
as religiões, etc.?
Bem, o que estamos querendo transmitir com essa reflexão é que,
o ideal, é não termos posturas doutrinárias quanto à teoria que mais
gostamos, como se fosse uma espécie de “verdade absoluta”, não aceitando,
portanto, a contribuição que outras teorias podem nos dar para
o trabalho de reflexão sobre a sociedade.
Portanto, o que devemos fazer é exercitar uma “conversa” com as
mesmas para, então, elegermos a teoria que seja mais adequada à situação
que queremos entender. Ok?
E falando em teorias...
A Sociologia no Brasil...
Podemos dizer que a Sociologia brasileira começa a “engatinhar” a
partir da década de 1930, vindo a se fortalecer nas décadas seguintes.
Apesar de alguns autores da sociologia dizerem que não há uma
data correta que marca o seu começo em solo brasileiro, essa época
parece ser a mais adequada para se falar em início dos estudos sociológicos
no Brasil.
Quando dizemos “data mais adequada”, é porque as produções literárias
que surgem a partir dessa década (1930) começam a demonstrar
um interesse na compreensão da sociedade brasileira quanto à sua
formação e estrutura.
Mas note, não estamos afirmando que antes da data acima ninguém
havia se proposto a entender nossa sociedade. Antes da década de
1930 muitos ensaios sociológicos sobre o Brasil foram elaborados por
historiadores, políticos, economistas, etc. No entanto, a maioria destes
trabalhos apresentava uma tendência de se escrever sobre raça, civilização
e cultura, por exemplo, mas não tentavam explicar a formação
e a estrutura da sociedade brasileira.
A partir de 1930, surge no Brasil um período no qual a reflexão sobre
a realidade social ganha um caráter mais investigativo e explicativo.
Esse caráter mais investigativo e explicativo foi impulsionado pelos
muitos movimentos que estimularam uma postura mais crítica sobre o
que acontecia na sociedade brasileira. Dentre alguns destes movimentos
estão o Modernismo, a formação de partidos (sobretudo o partido
comunista) e os movimentos armados de 1935.
Movimentos como esses, de alguma forma, traziam transformações
de ordem social, econômica, política e cultural ao país, e despertavam
o interesse de pensadores em dar explicações a tais fenômenos. Aos
poucos a Sociologia passa a constituir-se como uma forma de reflexão
sobre a sociedade brasileira. Veja como isso aconteceu:

Fases da sua implantação
Dividindo os acontecimentos da implantação da Sociologia no Brasil
como ciência, em fases, ou em geração de autores, de acordo com
o sociólogo brasileiro Otávio Ianni (1926-2003), destacamos aqui três
delas, as quais se complementam:

A fase “A” da implantação da Sociologia no Brasil:
A primeira geração da Sociologia brasileira seria composta por
aqueles autores que se preocuparam em fazer estudos históricos sobre
a nossa realidade, com um caráter mais voltado à Literatura do que para
a Sociologia.
Desta geração de autores, queremos destacar Euclides da Cunha
(1866-1909). Cunha nasceu no Rio de Janeiro, foi militar engenheiro,
além de ter estudado Matemática e Ciências Físicas e Naturais. Porém,
o que gostava de fazer, como profissional, era o jornalismo.
Em 1895, abandonou o Exército e começou a trabalhar como correspondente
do jornal “O Estado de São Paulo”. Nessa função foi enviado
para a Guerra de Canudos, no interior da Bahia, de onde surgiu
sua maior contribuição à Sociologia brasileira: o livro Os Sertões.
Se analisarmos este livro pelo enfoque literário, podemos perceber
que Cunha faz, usando seus conhecimentos de Ciências e Físicas Naturais,
relatos sobre como era a terra e a paisagem de Canudos. Também
faz a descrição dos homens que ali viviam, ou seja, os sertanejos,
nos quais percebe que, ao contrário do que pensava antes de conhecê-
los, eram fortes e valentes, ainda que a aparência dos mesmos não
demonstrasse isso.
Por fim, Cunha descreve a guerra, isto é, como foi que o governo
da época conseguiu acabar com o que considerava ser uma revolução
que reivindicava a volta do sistema monárquico no Brasil. Na verdade

Antonio Conselheiro (o líder da Revolução de Canudos) e seus seguidores
apenas defendiam seus lares, sua sobrevivência.
“É que estava em jogo, em Canudos, a sorte da República...” Diziam-no
informes surpreendedores; aquilo não era um arraial de bandidos truculentos
apenas. Lá existiam homens de raro valor – entre os quais se nomeavam
conhecidos oficiais do exército e da armada, foragidos desde a Revolução
de Setembro, que o Conselheiro avocara ao seu partido.” (CUNHA, 1979: 250).
Olhando mais pelo lado sociológico, podemos perceber que Cunha
estava fazendo revelações quanto à organização da República que estava
sendo consolidada. Canudos era um retrato de uma sociedade republicana
que não conseguia suprir as necessidades básicas de seu povo.
Coisa que Antonio Conselheiro, com sua maneira missionária de
ser, acreditava e lutava para acontecer, pois...
“...abria aos desventurados os celeiros fartos pelas esmolas e produtos
do trabalho comum. Compreendia que aquela massa, na aparência inútil,
era o cerne vigoroso do arraial. Formavam-na os eleitos, felizes por terem
aos ombros os frangalhos imundos, esfiapados sambenitos de uma penitência
que lhes fora a própria vida; bem-aventurados porque o passo trôpego,
remorado pelas muletas e pelas anquiloses, lhes era a celeridade máxima,
no avançar para a felicidade eterna”. (CUNHA, 1979: 132 ).
Após duas tentativas sem sucesso de “tomar” Canudos – pois os
sertanejos tornavam difícil a vida dos soldados, por conhecerem muito
bem a caatinga sertaneja – o governo federal republicano deixou
de subestimar a força daquelas pessoas que se uniram a Conselheiro.
Convocou para uma terceira expedição batalhões armados de vários
estados brasileiros e promoveu uma grande guerra e matança naquela
região, em prol da República.
A observação de Euclides da Cunha e as revelações que faz quanto
à sociedade brasileira em Os Sertões, transforma esta obra em um dos
referenciais de início do pensamento sociológico no Brasil.



Movimento Modernista:
Lutava para que as regras
vigentes sobre a arte e a literatura
deixassem de “engessar”
a produção brasileira. A
intenção do movimento era
que os moldes internacionais
não sufocassem o que viesse
a ser arte com um jeito
nacional. A Semana de Arte
Moderna de 1922, em SP,
foi uma espécie de marco da
independência da arte brasileira.
Partido Comunista: Fundado
em 25 de Março de
1922, tinha o ideário de criar
uma cultura socialista no Brasil.
Com base em teóricos como
o alemão Karl Marx, inauguraram
uma maneira de se
fazer política voltada aos interesses
do proletariado.
Movimentos armados de
1935: Também conhecidos
como o “Levante Comunista”.
Tiveram como protagonistas
o Partido Comunista
(PCB) e os Tenentes de esquerda
do exército brasileiro.
Alguns de seus projetos e lutas
eram pelo fim do imperialismo
e pela existência de
uma ditadura democrática.
Apesar de vencidos, serviram
para que o PCB ficasse
conhecido e ganhasse maior
força no cenário brasileiro.
Ver indicação de filme correspondente
no final deste trabalho.


A fase “B” da implantação da Sociologia no Brasil:
Numa segunda fase de geração de autores, a preocupação em se fazer
pesquisas de campo, que é uma característica das pesquisas sociológicas,
começa a ser levada em conta.
Existem vários autores desta geração que poderíamos referenciar,
como Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda,
Fernando de Azevedo, Nelson Wernek Sodré, Raymundo Faoro, etc.
No entanto, vamos nos fixar em dois deles, os quais podem ser vistos
como clássicos do pensamento social brasileiro: Gilberto Freyre e Caio
Prado Júnior.
Gilberto Freyre foi o autor de Casa Grande & Senzala (1933), livro no
qual demonstrou as características da colonização portuguesa, a formação
da sociedade agrária, o uso do trabalho escravo e, ainda, como
a mistura das raças ajudou a compor a sociedade brasileira.
Freyre foi um sociólogo que nasceu em Pernambuco no ano de
1900 e, no desenvolver de sua profissão, criou várias cátedras de Sociologia,
como na Universidade do Distrito Federal, fundada em 1935.
Freyre faleceu em 1987.
Quando escreveu Casa Grande & Senzala tinha 33 anos e, anti-racista
que era, inaugurou uma teoria que combatia a visão elitista existente
na época, importada da Europa, a qual privilegiava a cor branca.
Segundo tal visão racista, a mistura de raças seria a causa de uma formação
“defeituosa” da sociedade brasileira, e um atraso para o desenvolvimento
da nação.
Freyre propõe um caminho inverso. Em Casa Grande & Senzala ele
começa justamente valorizando as características do negro, do índio e
do mestiço acrescentando, ainda, a idéia de que a mistura dessas raças
seria a “força”, o ponto positivo, da nossa cultura.
Este autor forneceu, para o seu tempo, uma nova maneira de ver a
constituição da nacionalidade brasileira, isto é, o Brasil feito por uma
harmoniosa união entre o branco (de origem européia), o negro (de
origem africana), o índio (de origem americana) e o mestiço, ressaltando
que essa “mistura” contribuiu, em termos de ricos valores, para a
formação da nossa cultura.
Veja alguns trechos de sua obra a este respeito:
“Um traço importante de infiltração de cultura negra na economia e na vida
doméstica do brasileiro resta-nos acentuar: a culinária” (FREYRE, 2002)
“Foi ainda o negro quem animou a vida doméstica do brasileiro de sua
maior alegria.”(FREYRE, 2002)
“Nos engenhos, tanto nas plantações como dentro de casa, nos tanques
de bater roupa... carregando sacos de açúcar... os negros trabalhavam
sempre cantando.” (FREYRE, 2002).


No entanto, vale ressaltar aqui que Gilberto Freyre tinha um “olhar”
aristocrático e conservador sobre a sociedade brasileira, pois além de
justificar as elites no governo, sua descrição do tempo da escravidão
em Casa Grande & Senzala adquire uma conotação harmoniosa, ele não
via conflitos nessa estrutura.
Mas se para Gilberto Freyre era um erro pensar que a mistura das raças
seria um atraso para o Brasil, há um outro autor que se propôs a verificar
qual seria e onde estaria a origem do atraso da nação brasileira.
Estamos falando de Caio Prado Júnior. Este autor vai nos fornecer
uma visão muito mais crítica sobre a formação da nossa sociedade. Veja
por quê.
Enquanto Gilberto Freyre fazia uma análise conservadora da formação
da sociedade brasileira, Caio Prado recorria à visão marxista, isto
é, partindo do ponto de vista material e econômico para o entendimento
da nossa formação.

Caio Prado Júnior nasceu em 1907 e faleceu em 1990. Formou-se em
direito e, de forma auto-didata, leu e tomou para si os ideais de Marx,
o que o fez uma pessoa comprometida com o Socialismo.
Caio Prado também era uma espécie de “contra-mão” do Partido
Comunista Brasileiro no seu tempo, pois um dos militantes daquele
partido, Octávio Brandão (1896-1980), havia escrito um livro na década
de 1920, chamado Agrarismo e Industrialismo no qual apresentava a
tese de que o atraso do Brasil, em termos econômicos, estava no fato
dele ter tido um passado feudal. E esta tese continuou a ser defendida
pelo PCB com o historiador Nelson Wernek Sodré (1911-1999), que
interpretava o escravismo, no Brasil Colonial, como uma característica
do feudalismo.
É por essa razão que Caio Prado era contrário ao Partido Comunista,
pois a idéia de que no passado o Brasil havia sido feudal era “importada”
do marxismo oficial, da Europa, e que na sua opinião, não
funcionava aqui. E, para Caio Prado, a prova disso estaria no fato de
que no sistema feudal o servo não era considerado uma mercadoria,
coisa que ocorria aqui com os escravos, o que denota uma característica
do sistema capitalista (e não feudal) no que tange à análise da
mão-de-obra.
No seu livro Formação do Brasil Contemporâneo, publicado em 1942,
Caio Prado apresenta a tese de que a origem do atraso da nação brasileira
estaria vinculada ao tipo de colonização a que o Brasil foi submetido
por Portugal, isto é, uma colonização periférica e exploratória.
Traduzindo para melhor compreendermos... Caio Prado explica
que Portugal teve grande contribuição no “nosso atraso” como nação,
pois o centro do capitalismo, na época do “descobrimento” do Brasil, estava na Europa, o que fazia com que as riquezas daqui fossem levadas
para lá. Este tipo de organização econômica foi denominado de
primária e exportadora, pois os produtos extraídos das monoculturas
brasileiras, nos latifúndios, eram exportados para os países que estavam
em processo de industrialização.
Segundo Caio Prado, a América era vista pelos europeus como sendo
“...um território primitivo habitado por rala população indígena incapaz de
fornecer qualquer coisa de realmente aproveitável. Para os fins mercantis
que se tinham em vista, a ocupação não se podia fazer como nas simples
feitorias comerciais, com um reduzido pessoal incumbido apenas do negócio,
sua administração e defesa armada; era preciso ampliar estas bases,
criar um povoamento capaz de abastecer e manter as feitorias que se fundassem
e organizar a produção dos gêneros que interessassem ao seu comércio.
A idéia de povoar surge daí, e só daí”. (PRADO JÚNIOR, 1942: 24).
As teses desse autor rompem com as análises dos autores que antes
dele apresentaram um pensamento conservador restrito, isto é, de
reprodução daquilo que estava posto na sociedade brasileira e, conseqüentemente,
sem a intenção de apresentar propostas para sua transformação.
Assim sendo, segundo a visão de Caio Prado, Gilberto Freyre, em
Casa Grande e Senzala, pode ser considerado “conservador”. Veja porque:
a) seus escritos nos levam a pensar que a miscigenação acontecia
sempre de maneira harmoniosa. Mas e a relação entre os senhores
brancos e suas escravas negras, por exemplo? Se verificarmos relatos
da história veremos que as negras eram forçadas a terem relações
sexuais com eles, o que é bem diferente de harmonia.
b) sobre os problemas sociais da época, Freyre não apresenta nenhuma
proposta para a solução dos mesmos, ou para a transformação
da sociedade.
Para Caio Prado Júnior, os pontos “a” e “b” mencionados acima demonstram
a postura conservadora de Gilberto Freyre, pois transparece
um certo conformismo com a situação em que se apresentava a sociedade.
Conformismo que pressupõe continuidade, sem transformação.


E a fase “C” da implantação da Sociologia no Brasil:
Já a partir dos anos de 1940 novos sociólogos começa a aparecer
no cenário brasileiro.
Esta terceira geração é formada por sociólogos que vieram de diferentes
instituições universitárias, fundadas a partir de 1930. Estes inauguram
estilos mais ou menos independentes de se fazer Sociologia,
pois trabalhavam com os autores clássicos da Sociologia e a produção
crítica destes, até então realizada por autores brasileiros.
Dessa forma, e progressivamente, a intelectualidade sociológica no
Brasil começa a ganhar corpo. Também começam a surgir estilos ou
tendências, o que fez com que surgissem diferentes “escolas” de Sociologia
em São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte
e em outros lugares.
Dos autores que fazem parte dessa terceira geração, podemos citar
Oliveira Viana, Florestan Fernandes, Guerreiro Ramos, dentre vários
outros. Mas vamos nos deter na obra do sociólogo paulista

Florestan Fernandes (1920-1995), importante nome da Sociologia crítica
no Brasil.
Qual é a proposta de Sociologia que ele apresenta?
Florestan Fernandes foi um sociólogo que fez um contínuo questionamento
sobre a realidade social e das teorias que tentavam explicar
essa realidade. O objetivo deste autor foi de, numa intensa busca
investigativa e crítica, ir além das reflexões já existentes.
Florestan Fernandes tinha como metodologia “dialogar”, de maneira
muito crítica, com a produção sociológica clássica, com os autores
citados no Folhas 02. Mas veja, o diálogo não se dava somente com
aqueles autores, pois a lista de clássicos, principalmente modernos, é
bem extensa.
Florestan também mantinha contínuo diálogo com o pensamento
crítico brasileiro. Autores como Euclides da Cunha e Caio Prado Júnior,
os quais vimos anteriormente, fazem parte de sua lista de interlocutores.
O diálogo com esses autores foi fundamental para o seu trabalho
de análise dos movimentos e lutas existentes na sociedade, principalmente
aquelas travadas pelos setores populares.
Um outro aspecto de sua maneira crítica de fazer Sociologia foi a
sua afinidade com o pensamento marxista, principalmente sobre o modo
de analisar a sociedade, o que se constituiu numa espécie de “norte”
crítico orientador de seu pensamento.
As transformações sociais que ocorreram a partir de 1930 no Brasil
foram, também, uma espécie de “motor” para os trabalhos de Florestan.
Mas não apenas para ele, pois como já mencionamos, essas transformações
serviram de impulso para os trabalhos sociológicos no Brasil
como um todo. E isso se deu principalmente a partir de 1940, pois
essas transformações se intensificaram muito por causa do aumento da
industrialização e da urbanização.
Algumas das conseqüências da urbanização, inclusive gerada pela
migração de pessoas que, vindas do campo, procuravam trabalho nas
indústrias das grandes cidades, foram o surgimento de problemas de
falta de moradia, desemprego e criminalidade. Essas situações emergentes,
logicamente, tornavam-se temas para a análise sociológica.
Para finalizar, vale ressaltar que a Sociologia crítica que Florestan
inaugura também tinha o “olhar” voltado aos mais diversos grupos e
classes existentes na sociedade. Algumas de suas pesquisas com grupos
indígenas e sobre as relações raciais em São Paulo, por exemplo,
tiveram o mérito de fornecer explicações que se contrapunham às explicações
dadas pelas classes dominantes da sociedade brasileira.

Para exemplificarmos a forma do trabalho sociológico de Florestan...
Veja que interessante:
Uma de suas pesquisas, sobre os negros em São Paulo, demonstrada
no livro A integração do negro na sociedade de classes, de 1978, vai auxiliar
nossa explicação. Nesse trabalho, Florestan analisa como os negros
foram sempre situados à margem na nossa sociedade.
Na presente obra podemos perceber as seguintes características sociológicas
de Florestan:

a) O interesse em explicar fatos relativos aos setores populares da sociedade,
neste caso, os negros. Florestan queria saber como se deu
o processo que colocou esse grupo “à margem” na sociedade brasileira.
E, mais, queria uma interpretação diferente daquelas que as
elites da sociedade forneciam a este respeito.

b) Ele se filia ao pensamento crítico brasileiro ao afirmar que o negro
não era um problema para a nação. Inclusive desenvolve a idéia de
que os negros sempre foram agentes participantes das transformações
sociais do país, ainda que de maneira menos privilegiada que
os brancos.

c) Faz uma crítica à sociedade capitalista que não “absorveu” os negros,
que, segundo as elites da sociedade, encontravam-se em iguais condições
em relação aos brancos e, inclusive, em relação aos inúmeros estrangeiros
que chegavam ao Brasil para viverem e trabalhar.

Hum... Iguais condições? Será?
Imagine só... De um dia para outro todos os negros, os que antes
foram de maneira desumana tratados como “coisas” e úteis apenas para
o trabalho, tornaram-se livres para atuarem nas empresas e comércio
da época, se é que assim podemos chamar os empreendimentos
daquele tempo, isto é, em 1888.
Os negros tentaram, mas “...viram-se repudiados, na medida em que
pretenderam assumir os papéis de homem livre com demasiada latitude
de ingenuidade, num ambiente em que tais pretensões chocavam-se com
generalizada falta de tolerância, de simpatia militante e de solidariedade.”
(FERNANDES, 1978: 30-31).
Afinal, quem é que daria emprego a um homem que “até ontem à
tarde” era não mais que um pertence de alguém, isto é, um utensílio
de um senhor?
E se você fosse um patrão na época da Abolição, daria trabalho a
tal pessoa em sua loja?
Hoje, no Brasil, ainda podemos encontrar muitos problemas quanto
à aceitação da diversidade cultural, apesar dos muitos movimentos
que combatem a desigualdade racial e social nas mais diversas áreas
da sociedade. Esses problemas são, na verdade, heranças de um passado,
que fora muito pior.
Vamos “voltar” no tempo e tentar imaginar a cena de um negro, recém-
liberto, pedindo emprego. Talvez o diálogo fosse esse:


- Senhor, há vagas para trabalho o trabalho na sua loja?

- Vossa senhoria tem experiência profissional?
- Sabe ler e escrever?

- Não, senhor eu era apenas um escravo!

Ora veja, ainda que o discurso das elites privilegiasse a liberdade
dos negros, eles não tinham condições de igualdade na concorrência
com os brancos,
“como não se manifestou nenhuma impulsão coletiva que induzisse os
brancos a discernir a necessidade, a legitimidade e a urgência de reparações
sociais para proteger o negro (como pessoa e como grupo) nessa fase
de transição, viver na cidade pressupunha, para ele, condenar-se a uma
existência ambígüa e marginal.” (FERNANDES, 1978: 20).
Segundo Florestan, para os negros e os mulatos apenas duas portas
se abriam, pois...
“vedado o caminho da classificação econômica e social pela proletarização,
restava-lhes aceitar a incorporação gradual à escória do operariado urbano
em crescimento ou abater-se penosamente, procurando no ócio dissimulado,
na vagabundagem sistemática ou na criminalidade fortuita meios
para salvar as aparências e a dignidade de “homem livre. (FERNANDES, 1978:20).
Portanto, pela interpretação de Florestam, a inexistência de um plano
de incorporação do negro, elaborado pela sociedade que o libertou,
com estratégias de aceitação social dos mesmos, foi fator importante
que contribuiu para sua marginalidade social.


Sugestão de filmes:
“Guerra de Canudos”, 1997, BRASIL, Direção: Sérgio Rezende
“Olga”, 2004, BRASIL, Direção: Jayme Monjardim

REFERÊNCIAS:
CUNHA, Euclides da. Os sertões – Campanha de Canudos. 29ª ed. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1979.
FERNANDES, Florestan. Fundamentos da explicação sociológica – 3ª ed. Rio
de Janeiro: LTC, 1978.
____________________. A integração do negro na sociedade de classes. São
Paulo: Ática, 1978.
FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. 46ª ed. Rio de Janeiro: Record,
2002.
GOMES, Cândido. A educação em perspectiva sociológica. São Paulo: EPU,
1985.
IANNI, Octávio. Sociologia da Sociologia – o pensamento sociológico brasileiro.
3ª ed., São Paulo: Ática, 1989.
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 23ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 2000.
MOREIRA, Marcos. A vida dos grandes brasileiros – Cândido Portinari. Cajamar:
Três, 2001.
VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários de 35: sonho e realidade.
São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

Um comentário:

Anônimo disse...

muito bom esse texto,pode ter certeza