Filosofia

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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O PROCESSO DE DESUMANIZAÇÃO E COISIFICAÇÃO DO OUTRO



Pobreza e Exclusão

Não há evidências, na história, de que houve alguma sociedade igualitária. Havia idéias de distinção e de discriminação entre grupos sociais. Diferenças de sexo e idade onde grupos discriminados exerciam funções diferentes, tendo certa parcela de poder e determinados direitos e deveres. Na sua “evolução”, as sociedades foram se tornando mais complexas, onde membros não tinham iguais acesso a algumas vantagens como poder de decisão e a liberdade. Durante todo esse processo, tendência marcante foi a “diferença” crescente tornando complexa a sociedade, onde diferentes grupos formados passaram a se distinguir por etnia, nacionalidade, religião, profissão e, de forma mais acentuada, por classe social. Como sociedades plurais, formadas por inúmeros grupos, cada um teriam uma função, um conjunto de direitos, deveres, obrigações e possibilidades de ação social.
Tem-se assistido o resultado desse longo processo histórico, na formação de uma civilização complexa e diferenciada, onde todos procuram conquistar direitos na luta pela igualdade social. O que se vê é que boa parte da população vive à margem dos benefícios do desenvolvimento industrial e sem terem acesso a uma quantidade mínima não só de bens, mas de educação, saúde e segurança.
A modernidade levou a humanidade a acreditar no progresso, na evolução de indivíduos e nações, enfim, onde acreditaram que tudo daria certo. No entanto, a realidade comprovou o contrário. Nessa forma de organização social há contradição quando a desigualdade assume o caráter de privilégio de alguns e de injustiça para com outros. E é essa nova consciência que torna a pobreza tão incômoda.
Muitos defendem que todos os homens têm os mesmos direitos e são iguais perante a lei. Mas como justificar tamanha diferença social?
Em pleno desenvolvimento da indústria de massa, se produz e se coloca em circulação uma quantidade imensa de produtos. Com a concorrência entre os grupos sociais acabam por criar mecanismos de apropriação e monopólio dos bens econômicos e sociais, acabando por gerar crescente concentração de renda. No meio dessa sociedade da abundância, a pobreza adquire um caráter contraditório e, até, paradoxal. E tem como agravante, o apelo ao consumo das campanhas publicitárias veiculadas pelos meios de comunicação de massa criando uma distância social maior entre ricos e pobres. É trágico e inaceitável, já que, consumismo e abundância fazem parte do desejo de bem-estar social no interior de cada pessoa carente.
Com uma economia organizada e globalizada, podemos medir os índices de analfabetismo, dívida externa, renda per capita, produto interno bruto, que são análise freqüente para a classificação das regiões e nações onde adquirem grande importância já que medem características presumidamente presentes em diferentes agrupamentos sociais e populações. É no cálculo estatístico que a pobreza deixa de ser uma característica abstrata ou um conceito para se tornar uma grandeza. Pessoas, grupos sociais e países passam a ser considerados pobres não só em relação a si mesmos, como também em relação aos outros grupos ou países, com os quais são permanentemente comparados.
Carência de bens materiais e carência de recursos de sobrevivência são formas clássicas de pobreza. John Friedmann e Leonie Sandercock, especialistas em planificação urbana, em artigo intitulado “Os desvalidos”, na publicação de maio de 1995, pelo O Correio da UNESCO, revelaram três diferentes formas de pobreza:
1. Despossessão Psicológica - diz respeito a um sentimento de autodesvalorização da população pobre em relação à rica, ou de um país pobre em relação a um país rico.
2. Despossessão Social - se manifesta pela completa impossibilidade, de certa cota da população, ter acesso aos mecanismos de êxito social, de atingirem o mínimo de prestígio e manterem relações sociais estruturadas e permanentes.
3. Despossessão Política - é outro lado da pobreza contemporânea e diz respeito à incapacidade de certos grupos sociais terem qualquer participação na vida pública. Não tem acesso aos mecanismos de interferência e ação política.
Atualmente, com a informática e a integração das diversas atividades de mídias digitais, aparece um novo tipo de pobreza, a tecnológica. A pobreza tecnológica se dá quando pessoas, que não possuem "alfabetização digital”, estando excluídas dos mais diferentes espaços e da comunicação globalizada e, o mais importante, do mercado de trabalho também. A pobreza tecnológica aflige, envergonha e exclui.
Muitos economistas e sociólogos tentam descobrir tendências para o futuro das populações carentes. As teorias políticas tentam explicam sua natureza, estudos econômicos e sociais reservam suas análises à compreensão desse problema e o Estado preocupa-se com a questão da pobreza. Mas qualquer que seja a medida a serem adotados os prognósticos é sempre pessimista.
“O capitalismo Industrial alcançará tal nível de desenvolvimento que os recursos naturais do planeta se esgotarão e as populações serão assoladas pela fome.” (Thomas Malthus e David Ricardo)
“O desenvolvimento do modo de produção capitalista levará a uma constante e irreversível concentração de propriedade e riqueza, monopolizada por poucos, enquanto o restante da população estará reduzido a um nível econômico de subsistência.” (Karl Marx, no Manifesto do Partido Comunista)
“Haverá degradação dos níveis de vida da humanidade, com um aumento constante do trabalho árduo, da falta de instrução e saúde e da baixa expectativa de realização pessoal.” (Alfred Marshall, 1927)
As teorias possuíam um caráter de alerta e denúncia, assumiam uma função quase profética, espalhando pessimismo e desconfiança, por se fundamentarem nas leis que regulam o desenvolvimento dos sistemas sociais.
Ao longo dos anos, estas teorias mostraram-se falhas em seus prognósticos, pois vivemos numa sociedade de abundância e não de escassez. E dispomos de meios para uma distribuição mais igualitária de bens. Mas, para que isso ocorra, tem de haver vontade política. Mas o que vemos são homens que participam de maneira consciente dos sistemas econômicos e sociais e que podiam interferir nessa dinâmica problemática, mas nada fazem.
Procurar no perfil da população as justificativas para sua condição subalterna seria uma atitude preconceituosa. Muitas teorias encontram explicações "naturais" e biológicas para a condição social das populações carentes. A título de exemplos temos:
1. Nos Estados Unidos, desenvolveu-se uma teoria que se popularizou como “Curva do Sino”, atribuindo a pobreza dos negros a uma possível inferioridade mental de origem genética. Os índices utilizados para medir esse desempenho intelectual foram influenciados pela situação de pobreza.
2. Herdeiros do etnocentrismo e do eurocentrismo, foi outro estudo que identificava como causas das desigualdades sociais indicadores que nada mais eram do que conseqüências do estado de carência de determinados grupos sociais. Onde esses indicadores revelavam o estado de indigência da população e a complexidade do conceito de pobreza.
3. No Nordeste brasileiro foi evidenciada a pequena estatura da população, conseqüência do baixo poder calórico da alimentação nas faixas sociais mais carentes. Dando, a população como característica, a pobreza e a baixa produtividade local.
Apesar dos avanços tecnológicos e conquistas inimagináveis da sociedade do século XXI, nada tem impedido que a pobreza continue resistente às análises e aos esforços que os Estados dizem estar desenvolvendo. Enquanto isso, as favelas se multiplicam, caracterizando a paisagem urbana; o desemprego aumenta juntamente com a criminalidade e a mendicância.
Os excluídos, grande parte da população, permanece à margem do desenvolvimento e não usufrui dos benefícios alcançados pela sociedade, onde trabalham desde criança, desenvolvendo atividades sem qualificação, não tendo instrução nem acesso a eventos culturais, não desfrutando de saneamento básico e, às vezes, nem de um teto. Às crianças abandonadas na rua, durante décadas, sucedendo uma geração de crianças de rua, geradas sem família e sem moradia, alimentando-se de forma irregular e precariamente, vivem na indigência e são vítimas de violência policial.
A presença constante, próxima e crescente dessa massa de pobres, que chegam a dois terços da população do terceiro Mundo, incomoda e constrange por vários motivos:
1. Demonstra a ineficiência da administração do Estado, do qual se espera medidas racionais;
2. Parece crescer a quantidade de pessoas excluídas do contingente de consumidores nacionais;
3. É temido que essa população crescente se organize e aja politicamente contra um sistema que os marginaliza;
A percepção de incompetência, do sistema econômico e político, se somam ao desconforto de saber que, nos grandes centros, milhares de pessoas não se encontram sob a vigilância das instituições sociais, vivem como podem, à deriva e à revelia dos planejamentos oficiais; Cria-se, em relação a essa população, um sentimento de desconfiança e de insegurança, já que há uma relação entre o crescimento dessa população e o aumento da criminalidade nos grandes centros urbanos. Evidenciado tanto na mídia como nos estudos de caráter científico, o perfil social, dos criminosos, ajudam a reforçar essa associação entre pobreza e criminalidade. Os autores dos crimes, oficialmente denunciados, são geralmente analfabetos, trabalhadores braçais e predominantemente de cor negra. Entretanto, sociólogos mais cuidadosos têm estabelecido outras relações, como o cientista social brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, diz que Contra a população pobre e estigmatizada, a prática policial preconceituosa, somada à desproteção das classes subalternas, torna a relação entre pobreza e criminalidade que já era esperado (profetizado). Acabando por formar um círculo vicioso onde, o indivíduo, para ter trabalho, precisa ter domicílio, registro, carteira profissional e uma situação civil legal. Podem, classes subalternas, atender tais exigências? Não podem, ficam impossibilitados de trabalhar por não cumprir tais exigências, passando a engrossar as fileiras de marginalizados que vivem sob constante vigilância policial.
As estatísticas demonstram que o desenvolvimento econômico tem aumentado a pobreza e a desigualdade social, evidenciando a incompetência do Estado, no combate à pobreza, quando toma só medidas públicas de policiamento, vigilância e violência do que de resolução do problema. E com a globalização dos meios de comunicação, a pobreza, dos países em desenvolvimento, são transformadas em manchete internacional.
A pobreza é estigmatizada, seja pelo caráter de denúncia da falência da sociedade e do Estado em relação às suas funções junto à população, seja pelo contraste com a abundância de produtos, seja pelo perigo iminente de convulsão social. A violência e a agressividade criam um clima de guerra civil nas grandes cidades, onde os índices de criminalidade são alarmantes.
Medo e insegurança associado ao preconceito e discriminação contra as camadas pobres, generaliza medidas arbitrárias de violência e brutalidade, chacinas, linchamentos e assassinatos. Medidas arbitrárias que não resolvem o problema.
Estudos procuram caracterizar de maneira científica a pobreza, buscando causas, denunciando responsáveis, procurando tratá-la como um fenômeno dissociado da sociedade. Chegou-se a falar em "cultura da pobreza”. Realmente, os excluídos dos benefícios da civilização tecnológica acabam por criar mecanismos próprios de sociabilidade. Sua estratégia de defesa e sobrevivência já que a pobreza é constantemente afastada e excluída do convívio social, eximindo-se de responsabilidade os que com ela se relacionam direta ou indiretamente. Estudos teóricos refletem essa política de exclusão, ao analisar a pobreza como um fenômeno em si mesmo. Se essa população não participa dos benefícios dos “privilegiados” e não consome os bens produzidos, certamente algum segmento o faz por ele.
Análises econômicas preocupadas com o desenvolvimento do mercado, elemento fundamental e necessário ao desenvolvimento das nações, têm procurado alertar que a população carente representa uma fragilidade e uma ameaça à estrutura social como um todo. Esses excluídos representam um desperdício de recursos humanos e uma disfunção do sistema econômico.
O distanciamento, social e ideológico, a alienação, a discriminação e a estigmatização, que recaem sobre a pobreza, não ajudam a encontrar soluções para o problema nem evitam que as desigualdades sociais aumentem.
Precisamos entender que o desemprego não é condição de quem não quer ou não está apto ao trabalho, mas resultado de uma inelasticidade na oferta de emprego. Os sem qualificação, sem emprego, sem assistência são operários virtuais, recrutáveis a qualquer momento, um reduto de mão-de-obra barata que anseia por uma situação regular. O que Karl Marx conceituou de "exército industrial de reserva". Só que com a robotização da indústria, que coloca em disponibilidade massas de trabalhadores, e com a exigência cada vez maior de trabalhadores qualificados, o conceito de exército de reserva precisa ser reavaliado. Por quê?
1. O desemprego cresce em número e em diferentes parcelas da população, agora chamado desemprego estrutural.
2. A tecnologia de vanguarda torna a população marginalizada inaproveitável na indústria.
3. Abre-se, nos países mais ricos, uma tendência de permanente diminuição da jornada de trabalho na indústria. Novas relações e novos conceitos de trabalho emergem no mundo: terceirização, trabalho autônomo, desemprego, subemprego, emprego temporário.
Não podemos esquecer o dumping social, um dos principais problemas da competição internacional onde alguns buscam preços competitivos no mercado à custa de exploração de crianças e adolescentes, onde propicia uma competição internacional injusta e cria uma crise no sistema produtivo aumentando a quantidade de produtos e diminuindo, perversamente, a capacidade de consumo de um número cada vez mais crescente de pessoas.
A pobreza é complexa, difícil, pública, patente, estigmatizada e incômoda, ela aflige, envergonha e exclui. É um fenômeno constante e assustador, que exige medidas conscientes e responsáveis. Os esforços serão conjunto, envolvendo políticas estatais (os Bancos do Povo e a criação de Organizações Não-Governamentais), onde deverão desenvolver projetos de assistência social, alfabetização e capacitação para o trabalho, programas comunitaristas, na tentativa de envolver a sociedade em atividades de ajuda à população carente.
A economia tende a crescer e a se desenvolver, a jornada de trabalho e o número de empregados tende a diminuir, restando no futuro, pessoas e tempo, que poderão se envolver em atividades de ajuda à população carente, onde o sistema político vai favorecer uma integração maior da população em geral à sociedade como forma mais eficiente de combate à pobreza.
É inconcebível que, depois de séculos de individualismo onde o homem buscou entender, criticar e participar da vida social e do desenvolvimento de instituições democráticas, como cidadão, sendo-lhe permitida a atuação política, que ele ainda seja considerado vítima da história e dos sistemas sociais.