Filosofia

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sábado, 30 de março de 2013

MOVIMENTOS AGRÁRIOS NO BRASIL

Valéria Pilão






Se você fosse um latifundiário, o
que pensaria sobre os movimentos
sociais que lutam pela reforma
agrária?
E se você fosse um trabalhador rural
sem lugar para morar e trabalhar,
você participaria desses movimentos?

“- Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a cota menor
que tiraste em vida.
- É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
neste latifúndio.
- Não é cova grande.
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
[...]
- Viverás, e para sempre
na terra que aqui aforas:
e terás enfim tua roça.
- Aí ficarás para sempre,
livre do sol e da chuva,
criando tuas saúvas.
- Agora trabalharás
só para ti, não a meias,
como antes em terra alheia.
- Trabalharás uma terra
da qual, além de senhor,
serás homem de eito e trator.
- Trabalhando nessa terra,
tu sozinho tudo empreitas:
serás semente, adubo, colheita”.
(João Cabral de Mello Neto, “Morte e Vida Severina”)

Reforma Agrária: Processo
de redistribuição de
terras (latifúndios), em pequenas
propriedades realizado
pelo governo.

Vamos refletir sobre estes problemas conhecendo
os movimentos sociais que lutam pela
posse da terra!
Como foi dito no “Folhas” anterior com relação aos movimentos sociais,
para que possamos compreender um movimento temos que entender
as necessidades históricas que possibilitaram o surgimento deste.
Ou seja, para abordarmos a questão dos movimentos sociais rurais
no Brasil é necessário analisar e entender o desenvolvimento do capitalismo
brasileiro e suas formas de produção agrária.
Para alguns autores das Ciências Humanas, houve pelo menos três
formas de desenvolvimento do capitalismo. Isto quer dizer que ao longo da história os países tornaram-se capitalistas, mas cada um com características
específicas. Para ilustrar o que estamos discutindo, podemos
exemplificar perguntando por que o Brasil é diferente dos EUA,
ou da Itália, e assim por diante. E é por conta desta maneira diferenciada
de desenvolvimento do sistema capitalista, que temos, por exemplo,
movimentos sociais que lutam pela Reforma Agrária no Brasil e
não na Europa.


Vejamos como isso aconteceu!

Em países como a França e a Inglaterra têm-se a chamada via clássica
do desenvolvimento do capitalismo. Isso quer dizer que nesses países,
a burguesia realizou rupturas radicais com o antigo mundo feudal
e absolutista, cujas bandeiras de luta desejavam não só o progresso,
mas também, a liberdade, a igualdade e a fraternidade para todos os
indivíduos. Em outras palavras, nestes ocorreu uma revolução, a Revolução
Francesa (1789) e a Revolução Industrial (século XVIII).
Em locais onde esses processos revolucionários aconteceram, especialmente
na Revolução Francesa, a burguesia tomou o poder junto a
outros segmentos sociais e, posteriormente, renegou a classe que antes
havia conduzido a queda do mundo absolutista, a saber, a classe de
camponeses expropriadas de suas terras, um número significativo de
pequenos comerciantes e aos trabalhadores assalariados da cidade (ainda
em número reduzido), que mais tarde resultaria no proletariado.
No restante da Europa e, em destaque, na Alemanha, a transição
para o sistema capitalista não se deu pelo movimento de massas populares,
mas sim num acordo entre a burguesia ascendente e a nobreza
feudal decadente. Este processo foi descrito por Marx e Engels como
aburguesamento da nobreza e enobrecimento da burguesia.
Esse caminho de desenvolvimento do capitalismo foi denominado
por Lênin de via prussiana do desenvolvimento burguês. Diferentemente
do ocorrido na França e Inglaterra, não há ruptura revolucionária
com as antigas classes dominantes de proprietários rurais.
Apresentamos até agora, duas formas de desenvolvimento do capitalismo,
no entanto, dependendo da leitura que se faça sobre o desenvolvimento
do mesmo, ainda é possível tratar a respeito de uma terceira
forma. Esta terceira forma está diretamente vinculada à maneira
como o capitalismo desenvolveu-se no Brasil, que teve início no Período
Colonial, a partir do século XVI.
Não só o “descobrimento” do Brasil, bem como todo o processo
produtivo que aqui foi desenvolvido, esteve necessariamente vinculado
com as necessidades políticas e econômicas da metrópole portuguesa.
Tanto a extração de pau-brasil, quanto a produção de cana-deaçúcar
eram atividades realizadas de acordo com as necessidades da
economia da coroa portuguesa.

Lênin: Vladimir Ilitch Lênin
(1870-1924) Um dos
participantes da Revolução
Russa (1917) — revolução
esta que teve por objetivo
criar um sistema socialista
—, desenvolveu importantes
discussões a respeito do
desenvolvimento do capitalismo
e sobre a implementação
do socialismo na Rússia.

Os latifúndios de monocultura formam a base da organização agrária
do nosso país. Desde o início de nossa formação social temos na
constituição do Brasil a presença de latifúndios vinculados à monocultura.
Esta característica, apresentada desde o princípio, mantém-se predominantemente
em toda a história brasileira.
A história do Brasil agrário é marcada por uma característica peculiar:
o fato de nossa produção sempre ter ocorrido vinculado às necessidades
dos países europeus, seja no período de transição do mundo
medieval para o capitalista, seja posteriormente, já com o efetivo desenvolvimento
do capitalismo. São as necessidades do capital internacional
que direcionam nossa produção.
Assim, desde o período no qual a economia baseava-se na produção
canavieira, passando pela produção de algodão (mercadoria produzida
em larga escala, devido à demanda oriunda da revolução industrial),
produção cafeeira e atualmente, da soja e do gado de corte,
dentre outras mercadorias produzidas, o Brasil manteve-se com uma
economia agrária subordinada aos interesses externos e, portanto, dentro
de um modelo agro-exportador.
Se por um lado, afirma-se que tais empreendimentos são positivos
para o desenvolvimento da economia nacional, do PIB (Produto Interno
Bruto) e da balança comercial, por outro, uma série de fatores negativos
podem ser evidenciados nesta forma de desenvolvimento agrário.
Dentre estes fatores podemos citar:
a) este é um tipo de produção que por estar vinculado a interesses externos
ao do país pode, a qualquer momento, em função de uma
crise da economia mundial, por exemplo, tornar-se desinteressante,
e por conta disso criar uma situação de crise econômica nacional;
b) este tipo de modelo agrário, por necessitar de grandes extensões de
terras, torna a propriedade rural restrita a uma pequena parcela da
população;
c) realiza uma produção que não satisfaz as necessidades imediatas
(subsistência) da população nacional.
Esses fatores são as principais explicações que nos mostram a necessidade
de uma Reforma Agrária no Brasil. E também demonstram
porque tal fato não acontece, por exemplo, nos países europeus.
Vimos, mesmo que brevemente, que nos países de via clássica
(França e Inglaterra) houve uma revolução que rompe com o antigo
mundo medieval, e ainda, nesses países a produção agrícola não foi a
da monocultura, caracterizando a formação do latifúndio, muito pelo
contrário, esses países compravam a produção das colônias (monocultura)
para a sua produção industrial.

Capital Internacional:
Acúmulo de riqueza, reproduzido
no desenvolvimento
industrial, financeiro e
agrário de um país diferente
do seu local de origem
(geralmente países periféricos
como o Brasil), visando
sempre a geração de mais
riqueza e lucro, que retornará
ao seu país inicial.

Balança Comercial: Relação
final entre a exportação
e importação de mercadorias
por um país.

PIB: Valor total da produção
e riqueza produzida em
um país.

Quando houve a revolução industrial na Europa, e a Inglaterra iniciou
com a produção têxtil, foi o Brasil um dos fornecedores de algodão.
Hoje, a produção de laranja em larga escala é exportada aos Estados
Unidos, e também a soja é exportada para vários países.
Na atualidade, essa realidade da produção agrícola baseada em
enormes extensões de terras com uma pequena variação do tipo de
produto proporciona uma sociedade na qual a quantidade de proprietários
de terra é reduzida, e ainda, a produção da pequena propriedade
rural é praticamente massacrada no mercado nacional.
Há pelo menos de 4 a 6 milhões de famílias sem-terra, cerca de 1%
dos proprietários rurais possuem 46% das terras produtivas e cadastradas
no Brasil (Censo do IBGE – 1996). As propriedades com menos de
100 ha representam neste último censo, 89,3% das propriedades, mas
representam cerca de 20% das terras brasileiras. Neste mesmo Censo
foram registradas 17.930.890 pessoas ocupando atividades no campo,
contrapondo-se aos dados de 1985 — que registram 23.394.881 trabalhadores
— portanto, percebe-se uma redução do trabalho no campo
em 23%.
Existe um outro indicativo que contribui para destacarmos a importância
da pequena propriedade na produção agrícola no Brasil. Segundo
os dados estatísticos sobre o montante da produção das pequenas
e médias propriedades produzidos pelo IBGE no Censo Agropecuário
de 1996, temos que: a produção de áreas com menos de 100 ha
correspondem a 47% da produção nacional, os estabelecimentos entre
100 ha a 1.000 ha correspondem a 32%; já as áreas com 1.000 ha
a 10.000 ha correspondem a 17% da produção, e ainda, as áreas acima
de 10.000 ha produzem apenas 4% do valor total da produção no
Brasil.
Segundo esses dados, é possível observar que mesmo a produção
da pequena e média propriedade sendo desvalorizada pela existência
de atividades rurais agro-exportadoras, ela é responsável pela maior
parte da produção agrária realizada no país. Isso em última instância
reforça a discussão e a necessidade de realização de uma grande Reforma
Agrária neste território.
São consideradas no Brasil, segundo a chamada Lei de Reforma
Agrária, pequenas propriedades, áreas que possuam menos de 5 módulos
fiscais, médias propriedades, aquelas que tenham de 5 a 15 módulos
e grandes propriedades, áreas que tenham mais de 15 módulos.
Os valores dos módulos fiscais variam de Estado para Estado, de região
para região, pois para a determinação do valor em hectares são
levados em consideração o tipo de exploração predominante no município,
a renda obtida com tal exploração, outras atividades produtivas
na área, e ainda, o conceito de propriedade familiar.

Bom, até aqui explicamos, mesmo que brevemente, porque um país
como o Brasil possui movimentos sociais cujo objetivo é a Reforma
Agrária. Mas temos ainda de entender quando e como esses movimentos
sociais se organizam para tal.
Primeiros Movimentos de luta pela terra:
As Ligas Camponesas
Vamos descrever um quadro social bastante peculiar quanto às suas
características agrárias. Características estas que colocam em xeque
a forma como a organização do campo encontra-se na atualidade, pelo
menos no que diz respeito à distribuição de terras. Se por um lado,
tem-se um país cuja formação capitalista permitiu uma desigualdade
social ímpar, e certamente necessita de uma reformulação para atender
às necessidades de toda a população; por outro, essa transformação
pode ser alcançada de diversas maneiras.
Ao longo da história brasileira, principalmente no que diz respeito
ao século XX, várias propostas de Reforma Agrária foram discutidas
pelos mais diversos movimentos e governos. Hoje o movimento
de maior destaque e evidência é o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra (MST).
Mas antes de seu surgimento, houve uma série de movimentos que
discutiram e lutaram pela reforma agrária. Dentre eles podemos citar
as Ligas Camponesas; a Comissão Pastoral da Terra (CPT) criada em
1975; ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil)
criada em São Paulo, final de 1955; e o MST.
A história das Ligas Camponesas pode ser compreendida em três
momentos: o primeiro, que começa em 1945 e vai até 1947; um segundo,
que se inicia em 1948 até 1954; e um último momento, com certeza,
o mais expressivo do movimento, que foi de 1954 até o seu final,
em 1964.
As chamadas Ligas Camponesas têm sua origem entre os anos de
1945 – 1947. Neste período, nosso país estava passando por um regime
de relativa democracia. Havia chegado ao fim a ditadura do 2° governo de Getúlio Vargas, que reprimiu toda e qualquer forma de manifestação
social contrária as suas idéias, inclusive colocando na ilegalidade
o Partido Comunista Brasileiro.
E foi justamente a partir dos integrantes do Partido Comunista que
as primeiras Ligas Camponesas se formaram. Em quase todos os Estados
brasileiros os trabalhadores rurais organizaram-se, no entanto, devido
ao fato do Partido ter sido colocado novamente na ilegalidade no
ano de 1947, houve uma certa desmobilização do movimento, que, no
entanto, continuou resistindo até meados dos anos de 1950 em alguns
lugares.
Alguns fatos marcaram este segundo período: a guerrilha de Porecatu
(conflito entre posseiros e latifundiários na divisa de São Paulo e
Paraná — 1950), a revolta de Dona Noca (conflito no interior do Maranhão
— 1951), o território livre de Formoso (conflito entre posseiros
e latifundiários por uma área de quase 10 mil quilômetros quadrados)
e o primeiro Congresso Nordestino de Trabalhadores Agrícolas (ocorrido
em Recife, sob a orientação do Partido Comunista de Pernambuco
— 1954).
Após o ano de 1954, as Ligas Camponesas organizaram-se ainda
com mais força, principalmente no estado de Pernambuco. De modo
geral, será esse o principal foco de resistência e atuação desse movimento
rural. Isto porque havia uma série de fatores que contribuíram
para o desenvolvimento do movimento no local, destacam-se: o fenômeno
da seca, altos índices de mortalidade, a decadência da economia
da região, dentre outros.
A atuação das Ligas desenvolveu-se no sentido de conscientização
e politização dos trabalhadores do campo e a busca pela reforma agrária
também estava vinculada a melhores condições de trabalho.
O movimento das Ligas Camponesas adquiriu tamanha importância
no cenário nacional que muitos de seus integrantes visitaram a ex-
União Soviética, a China e Cuba, em diversos momentos. Isso com o
intuito de melhor organizar o movimento e articulá-lo com outros, como
também, conhecer a produção agrícola desses países e a forma como
se dava a distribuição de terras.
A passagem por esses países citados pelos membros das Ligas Camponesas
também se deve ao fato dessas nações terem como forma de
organização social e do trabalho uma forma diferenciada da existente no
capitalismo. O socialismo aparecia no horizonte como possibilidade de
se efetivar um sistema no qual os valores humanistas poderiam ser vivenciados
e as desigualdades sociais poderiam ser superadas, não existindo
inclusive a luta de classes entre os trabalhadores e a burguesia.
Esta nova forma de organização social era claramente percebida
quando, portanto, conhecia-se a maneira pela qual se dava a distribuição
das terras. No caso de Cuba, por exemplo, logo após a Revolução (1959), estabeleceu-se no país uma Reforma Agrária que nacionalizava
as propriedades com mais de 420 hectares e as redistribuía aos trabalhadores
rurais e arrendatários.
Portanto, tinha-se em Cuba pós-revolucionária, uma distribuição
das terras diferenciadas do sistema capitalista (e do Brasil) e ainda, por
mais que nestes solos a maior parte da produção fosse a da cana-deaçúcar,
lá não havia a concentração de terras, nem a distribuição concentrada
da renda, pois o trabalho era organizado de forma coletiva.
Estes eram exemplos de organizações sociais que os integrantes das
Ligas Camponesas estavam buscando conhecer, para que assim, de alguma
forma, pudessem desenvolver novas experiências em solo brasileiro.
Para que tudo isso acontecesse no Brasil uma série de fatores políticos
e sociais nacionais e internacionais colaboraram para o desenvolvimento
e ampliação não só da Ligas Camponesas, no início da década
de 1960, mas de uma série de movimentos tanto no campo quanto
na cidade. Estamos falando da eleição de um governo progressista para
governo federal, nas figuras de Jânio Quadros e João Goulart – 1961,
e também da Revolução Cubana (já citada no primeiro Folhas de movimentos
sociais – 1959).
Por um momento as Ligas Camponesas aglutinaram em sua volta
uma série de outras manifestações sociais, como por exemplo: Ligas de
Estudantes; Ligas Urbanas; Ligas Feministas; dentre outras. Houve ainda
na Liga Camponesa a formação de guerrilhas para organizar a resistência
à oligarquia agrária, tendo a participação não só do homem do
campo, mas também, o da cidade.
Na organização dos movimentos utiliza-se uma série de mecanismos
para sensibilizar o homem do campo e mobilizá-lo pela luta da
terra e da Reforma Agrária. Seus integrantes discutiam a necessidade
da existência desse movimento utilizando-se da Bíblia, do Código Civil,
e da Poesia Popular (violeiro, cantador e folhetista); isto porque
estas eram linguagens que faziam parte daquele cotidiano, ao mesmo
tempo, que se tornavam grandes facilitadores, considerando que uma
grande quantidade da população era analfabeta.
No estatuto das Ligas é possível compreender a finalidade da existência
do movimento. Consta no Artigo 2°:
“A liga tem por objetivos:
1° Prestar assistência social aos arrendatários, assalariados e pequenos
proprietários agrícolas.
2° Criar, instalar e manter serviços de assistência jurídica, médica, odontológica
e educacional, segundo suas possibilidades.
Parágrafo Único: A Liga não fará discriminação de cor, credo político,
religioso ou filosófico entre seus filiados.” (ESTATUTO DAS LIGAS, 2002:183).

Guerrilha: organização
política, cujo objetivo
de transfomação pode ser
atingido através da luta armada.

Desta forma, tem-se que na organização e reivindicações das Ligas
estava presente além da luta por uma redistribuição dos latifúndios,
antes de tudo, uma melhor condição do homem do campo e a sua devida
assistência. As Ligas Camponesas sofreram um revés e chega ao
seu fim quando ocorre o golpe militar de 1964, impossibilitando qualquer
atuação do movimento.
As causas do golpe militar foram as mais diversas, mas podemos
colocar que a existência de um governo progressista no Estado Federal,
aliada a uma série de manifestações sociais que colocavam em risco
a burguesia nacional, bem como suas propriedades, inclusive as
rurais, associado à existência do Partido Comunista, e de um cenário
internacional que apontava, de certa forma, para uma possível expansão
do socialismo na América Latina, criou condições para a efetivação
do golpe político da direita que tomou o poder e decretou o fim
de todos esses movimentos.
Daí que podemos compreender que a história do Brasil é marcada por
uma série de atos políticos e sociais tanto da classe trabalhadora quanto
da burguesia à procura de melhores condições para a sua existência. Como
já foi mencionado no “Folhas” anterior, esta situação geralmente leva
ao conflito, sendo que os movimentos sociais são a expressão dos mesmos,
ao mesmo tempo que o golpe militar em 1964 também o é.

Burguesia Nacional:
detentores de capital e dos
meios de produção cuja origem
é a mesma do país no
qual investem.

Bom, é fato: a ditadura militar brasileira impediu uma maior expansão
dos movimentos sociais no pós-1964, mas, no entanto, estes nunca
deixaram de existir efetivamente, pois, se por um lado o golpe os
abafou, por outro, ele não resolveu uma série de questões sociais que
estavam presentes na nossa realidade como, por exemplo, a Reforma
Agrária, pelo contrário, o problema agravou-se.
Assim, as necessidades que poderiam contribuir para a formação
de uma nova organização social continuaram a existir.

A reorganização dos trabalhadores rurais:
A retomada da luta pelo MST
Entre 1964 e 1985, durante o período de ditadura militar, o capitalismo
no Brasil conheceu um certo tipo de “crescimento”; hoje, também
fruto desse crescimento o país é verdadeiramente um gigante, mas é
um gigante na ordem dos países que se subordinam aos interesses do
capital internacional e dos países centrais.
A partir de 1964, a economia nacional conheceu uma forma de desenvolvimento
na qual a sua produção passou a ser direcionada para
dois pólos principais. De um lado a intensificação da produção dos
bens de consumo duráveis (automóveis, eletro-eletrônicos), e de outro,
o esforço para uma produção com caráter exportador. Tais medidas
econômicas proporcionaram um surto de desenvolvimento econômico,
que só teria fim nos anos 70.
Entretanto, assim como em outros períodos da história nacional, os
mesmos mecanismos que asseguraram o êxito do chamado “milagre
econômico” do período militar, condicionaram e conduziram ao seu
próprio fim. Se o regime militar proporcionou, de uma forma ou de
outra, um suposto desenvolvimento econômico nacional, por outro lado,
este mesmo governo trouxe diversas mazelas para a Nação.
Entre os problemas desencadeados pelos governos militares, sem
dúvida, a questão do “arrocho salarial” foi a mais significativa. Por
meio de medidas constitucionais, o governo proibiu o aumento dos salários
em períodos menores que um ano; e quando os reajustes eram
efetivados, quem fornecia os índices era o próprio governo (Justiça do Trabalho – Federal), certamente manipulando-os, sendo estes sempre
inferiores ao da inflação do ano anterior.
Assim, as custas dos trabalhadores e de um regime no qual qualquer
manifestação contrária ao governo era absolutamente proibida, o
Brasil, na década de 1970, teve elevados índices de crescimento, que
se tornaram conhecidos como o “milagre econômico”.
No entanto, este surto de aceleração da economia entrou em colapso
a partir de 1973, quando se tem no âmbito internacional a chamada
“crise do petróleo”. E em alguma medida foi tornando-se cada
vez mais difícil sustentar as formas manipulatórias do Estado brasileiro,
já que em determinado momento, boa parte da burguesia nacional
tornou-se contrária aos militares, pois estes não estavam satisfazendoos
tanto como desejavam. Tais insatisfações aumentaram ainda mais,
quando no ano de 1978, ocorre a “2ª crise do petróleo”, deixando a
economia mais vulnerável, tanto pensando na ótica dos trabalhadores
como da burguesia, pois o crescimento nacional a altos índices não
mais ocorrem, ao mesmo tempo que se mantém o “arrocho” salarial.
É neste momento que se tem no plano nacional dois conhecidos movimentos,
que ocorreram concomitantes: de um lado o Estado — tendo
como presidente o general Geisel — já propondo, em vista da sua pouca
legitimidade, uma transição a um regime democrático de forma “lenta,
gradual e segura”; e de outro lado, a efervescência de vários movimentos
sociais, pois a sociedade apresentava-se cada vez mais caótica e conflituosa
para os trabalhadores, fossem eles do campo ou das cidades.
Inegavelmente, a segunda metade da década de 1970 foi marcada
por profundas tentativas de oposição ao regime militar: se de um lado,
a própria burguesia começava a se incomodar em alguns momentos
com o regime, de outro, as contestações por parte do movimento estudantil,
das articulações nos bairros (por meio da Igreja Católica) contra
a carestia começam a tomar fôlego.
Iniciava-se um processo de manifestações e a tentativa de mais uma
vez inserir os intelectuais, políticos e militantes (que estiveram, ou ainda
estavam exilados), na cena nacional. Uma das discussões que se
processam neste período já era a tentativa de se reestabelecer os antigos
partidos de esquerda (que até este momento, tinham um pequeno
espaço legal apenas por intermédio do MDB), e ainda, a criação de
novas organizações sociais e partidos.
É marca desse período o surgimento não só do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-Terra – MST, mas também dos Partidos dos Trabalhadores
– PT, no final da década de 1970.
Nesse momento de crise econômica e política nacional, junto à
possibilidade novamente de organização coletiva é que o MST surgiu,
a princípio, não havia uma forma de organização centralizada; uma série
de conflitos de terras aconteceram durante o regime militar, mas só com o surgimento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 1975, o movimento
começou a se articular.
O movimento, embora já existisse desde o final da década de 1970,
só ganha estatuto de movimento organizado nacionalmente em 1984
com o 1° Encontro Nacional, na cidade de Cascavel, no estado do Paraná.
Em 1985, acontece o 1° Congresso Nacional do MST, na cidade
de Curitiba, também, no estado do Paraná. (Documentos e mais informações
sobre o MST visitem o site www.mst.org.br).
Esses dois momentos marcaram o surgimento
de um movimento que ao longo da década
de 1980 e 1990 deixou marcas profundas
na história nacional. Se estas marcas são questionáveis
ou não, o fato é que a produção agrária
no Brasil volta a ser discutida, bem como a
distribuição de terras, e ainda, as desigualdades
sociais existentes nesta sociedade.
A forma de atuação do MST é feita a partir
de ocupações de terras públicas ou particulares
(latifúndios improdutivos ou que possuem
dívidas com o Estado) criando um fato político que pressiona os órgãos
públicos a negociarem a concessão da posse da terra. Certamente,
este processo de ocupação nem sempre é harmonioso, grandes
conflitos armados e sangrentos já ocorreram.
Como foi dito no “Folhas” anterior sobre os movimentos sociais, cada
movimento defende interesses e ideologias que surgem a partir de
suas condições de classe, portanto, no caso do MST, seu interesse, a
saber a Reforma Agrária, entra em conflito necessariamente com a burguesia
proprietária dos latifúndios.
Poucos são os casos em que não há conflito com a polícia, que detendo
da ordem de despejo, enfrenta os trabalhadores rurais acampados,
na tentativa de expulsá-los das terras, ou ainda, são os próprios latifundiários
que se organizam, para enfrentar os “sem-terra”. Os latifundiários
no Brasil possuem uma organização própria criada em 1985, chamada
UDR (União Democrática Ruralista), cujo objetivo é a defesa da propriedade
fundiária, que seus possuidores julgam estar ameaçadas pelo MST.
Quando a ocupação é considerada legal ainda demora um período
para que os integrantes do movimento consigam a posse da terra. Por
mais que grandes dificuldades sejam encontradas nesses processos de
ocupação até o da conquista do direito da posse da terra, uma outra
série de problemas é criada a partir do momento em que se conquista
o direito da terra.
Um desses problemas é o de como organizar a produção agrícola,
agora que o latifúndio foi dividido em uma série de pequenas propriedades?
E ainda, como criar possibilidades para que esses “novos” pequenos proprietários sobrevivam e consigam tirar da terra o seu “pão”?
Uma das saídas que vem sendo gerida pelo movimento é o de organizar
a pequena propriedade em cooperativas, ou mesmo os agricultores
se unirem para produzirem coletivamente, buscando assim uma
maior inserção destes produtos no mercado.
Mas nem sempre isso acaba por acontecer de forma perfeita, muitas
vezes por conta do pouco incentivo dado pelos governos o pequeno
produtor não resiste e acaba por vender a terra. Esta é a crítica mais
comum realizada pela população em geral ao movimento; no entanto,
não podemos deixar de mencionar o papel da mídia na construção
desse ideário, pois o seu papel no processo de veiculação das notícias
é quase sempre tendencioso – favoravelmente aos latifundiários – tratando
os integrantes do MST como “baderneiros”.

No entanto, deve-se levar em consideração que a concorrência com
a produção em larga escala e mecanizada no campo, na maioria das
vezes, é desleal, já que o latifundiário não só possui toda uma infra-estrutura
para sua produção como também, consegue muito mais facilmente
créditos dos governos, geralmente por sua produção ter como
finalidade a exportação.
Dentre as tentativas de superação destes obstáculos, o MST também
possui como alternativa não só a capacitação política, mas também
técnica do assentado, formação preocupada em fornecer conhecimentos
adequados para um melhor aproveitamento da terra.
O MST, além de ser contrário a um único tipo de produção agro-exportadora
(monocultura), também incentiva a realização de culturas que
deixem de utilizar agrotóxicos em seus produtos, bem como o de sementes
transgênicas, realizando inclusive encontros agroecológicos, na
tentativa de gerir novas experiências.
Certamente, a repercussão no Brasil do MST aumentou em muito a partir
de meados dos anos de 1990, quando uma série de conflitos ocorreram
em diversas ocupações. Tendo em vista sua capacidade de articulação, o
movimento também aumentou sua atuação na sociedade, participando de
uma série de outras discussões, como, por exemplo, colocando-se contra
a criação do ALCA (Livre comércio entre as Américas), discutindo o papel
da mulher e produzindo um projeto político-pedagógico para o processo
educacional que acontece nos seus assentamentos.
O MST certamente é fruto de um conjunto de fatores históricos nacionais
e internacionais do desenvolvimento do capitalismo que criaram
uma realidade social cheia de conflitos e contradições, da mesma
forma que as Ligas Camponesas foram uma tentativa de luta e reivindicação
por melhores condições do trabalhador rural.
Portanto, tanto o MST quanto as Ligas Camponesas são frutos de
uma sociedade ímpar e que desencadeia movimentos sociais que por
mais que possuam diferenças em suas constituições têm em comum o
fato de colocar em destaque a necessidade de melhores condições do
trabalhador rural, bem como de toda a sociedade brasileira.

Fato Político:
Atividade realizada por um
grupo que desencadeia
uma série de conseqüências,
dentre elas, tornar pública
a sua reivindicação,
tendo como principal objetivo
a atenção da imprensa
e do Estado para uma resolução
mais rápida do problema.



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Sites
www.mst.org.br. Acesso em 25/11/2005
www.incra.gov.br. Acesso em 30/11/2005
www.ibge.gov.br. Acesso em 02/12/2005
Vídeos
Cabra marcado para morrer, 1984, Brasil, direção: Eduardo Coutinho.
O bem e o mal, 2001, Brasil, Direção: Tetê Moraes.
O sonho de Rose, 2001, Brasil, Direção: Tetê Moraes.

O Congresso americano e a infame redução das liberdades individuais

O Congresso dos Estados Unidos da América (EUA) aprovou, na semana passada (28 de setembro de 2006), um projeto de lei que busca convalidar as práticas atentatórias aos direitos humanos levadas a efeito pelo governo Bush, após decisão adversa da Suprema Corte do país, tomada em junho deste ano, que declarava ilegal o tratamento de combatentes insurgentes e os procedimentos jurídicos daquela administração.

A nova lei rompe com uma tradição de juridicidade que existe há mais de 200 anos no país ao convalidar normas que suspendem o Bill of Rights, acabam com o habeas corpus, convalidam a tortura, cerceiam o direito de defesa, permitem o uso de provas obtidas ilegalmente, autorizam a prisão sem culpa formada e por prazo indeterminado e conferem ao presidente dos EUA o poder de "interpretar" convenções internacionais.

A lei não se restringe aos chamados prisioneiros de Guantánamo e tem uma aplicação ampla a todos que "intencionalmente e materialmente tenham apoiado hostilidades contra os EUA". Essa definição permite uma interpretação extraordinariamente ampla, que poderá inclusive limitar o direito à liberdade de expressão de opiniões. Da mesma forma, ela irá discriminar ainda mais os estrangeiros residentes no território do país norte-americano, ainda que legalmente.

Essa infame lei não é uma iniciativa isolada mas, ao contrário, reforça uma tendência de aumento das restrições ao império da lei e às liberdades civis, nos EUA. De fato, na mesma semana, a Câmara dos Representantes aprovou um projeto do governo de escutas telefônicas. Por sua vez, contemporaneamente, o Senado aprovou a verba de US$ 1,2 bilhão para a construção do muro da infâmia entre os EUA e o México que, com 1.300 quilômetros, equivale à cortina de ferro não apenas na extensão, mas também na vergonha.

Numa perspectiva institucional interna, os EUA foram, por muitos anos, um farol da liberdade a inspirar a evolução internacional dos direitos humanos, das liberdades democráticas, do estado de Direito e da própria democracia. Hoje, todavia, a lamentável situação jurídica em que se encontra o país evoca mais os tempos sombrios da Alemanha nazista, da União Soviética stalinista e da Itália fascista.

Por outro lado, o poderio militar incontrolado do país não permitia sua categorização precisa como uma república banana, ainda que suas instituições políticas estejam em franco processo de aviltamento.

De fato, para além da crise do poder legislativo dos EUA, o executivo já demonstrou todos os vícios antidemocráticos e o judiciário tornou-se um poder subordinado ao executivo, balizando-se, por enquanto ocasionalmente, na lealdade partidária mais do que na lei.

Assim, o efeito deletério de tais sombrios desdobramentos de ordem interna se fazem sentir nos foros internacionais, nos quais os EUA tornaram-se a força da opressão, do arbítrio e da miséria.

Goyos, Durval de Norornha. O Congresso americano e a infame redução das liberdades individuais, disponível em: Http://ultimainstancia.uo9l.com.br acesso em: 12 abr. 2007